Trabalho de base com Inteligência Artificial

Por André Luan Nunes Macedo (*)

O avanço tecnológico tem transformado a política e o trabalho de base, integrando-se cada vez mais aos processos tradicionais. No contexto da nossa campanha em Contagem, Minas Gerais, a utilização de Inteligência Artificial emergiu como uma ferramenta importante, potencializando a organização e a gestão das demandas populares. Este texto explora como a fusão entre a análise científica e os Grandes Modelos de Linguagem (LLMs, em inglês) pode redefinir os métodos de atuação política nos territórios. Ao integrar dados coletados com a experiência e a observação humana, criamos um sistema eficiente e inovador, que pode contribuir para a identificação capilarizada dos anseios populares e para a sua gestão a partir dos aparelhos do estado.

Breves considerações sobre o trabalho de base

“A esquerda parou de fazer trabalho de base”. Quem nunca ouviu esse mantra antes? Por mais que o Partido dos Trabalhadores seja a organização partidária que mais tenha a simpatia do eleitorado brasileiro1, tenha sofridos inúmeros ataques e passado por circunstâncias extremamente adversas como o golpe parlamentar de 2016, tenha eleito Lula em 2022 tendo parcelas consideráveis do monopólio da força contrárias à eleição e todo um aparato mediado por Arthur Lira e o Congresso para desaguar rios de dinheiro nas mãos de parlamentares que apoiavam Jair Bolsonaro, o campo progressista conseguiu vencer as eleições e assumir o governo. Certamente, concessões foram feitas e jamais iludiríamos o leitor ao dizer que este governo não é composto por forças conservadoras, neoliberais, e, em alguma medida, contrárias à reindustrialização e a geração de riqueza no mercado interno brasileiro.

Feito essa digressão, é importante lembrar o que quem sempre evoca o mantra do “precisamos fazer o trabalho de base” se esquece de dizer: os resultados do nosso sucesso e vitória não dependeram somente do Lula. Ele é a liderança política e o comunicador de massas que consegue dar a direção para um projeto nacional-popular. No entanto, isso não quer dizer que se sua voz não for capilarizada nos municípios por militantes ativos, dispostos a travar a luta e fazer sua imagem e voz chegarem nos rincões do país, não teríamos ganhado essa eleição.

E por que ganhamos a eleição?

Ganhamos por inúmeros fatores, como a existência de um legado nos municípios da prosperidade coletiva alcançada durante os governos Lula e Dilma. A entrega destes resultados concretos na infraestrutura (Luz para Todos), saúde (Farmácias Populares), educação (ReUni e abertura de universidades e institutos federais), assistência social (Bolsa Família), dentre outros, conseguiu garantir esta aprovação de médio e longo prazos. Porém, sem governos municipais executando e implementando na prática as ações nacionais, essa popularidade não seria concretizada. Tampouco seria se fosse uma mera obra. Mesmo não sendo ideal, houve quem fez a mediação entre a obra do governo e o porquê defender Lula era importante naquele momento. Portanto, existiu um trabalho de base. Não entraremos no mérito do estilo de trabalho e seu programa, mas afirmamos a hipótese: para Lula ser o que ele é para as massas, foi necessária uma entrada capilarizada e um convencimento amplo de quadros médios que se situam nos territórios. Mas também, porque entramos na batalha digital e vimos a necessidade de se fazer um trabalho de base nesse terreno.

Dito isso, falemos das nossas fraquezas: o nosso trabalho de base na esfera digital ainda é incipiente. O bolsonarismo demonstrou que é possível ter uma retórica que remonta aos tempos do medievalismo associado com a capacidade tecnológica de capilarização com aguçada inteligência. Talvez porque tenha se atentado para a transformação dos meios de comunicação na cibercultura e a sua constante produção de dados. Conseguir falar de forma segmentada, a partir das características e demandas específicas dos grupos organizados em redes sociais foi algo que impressionou no ano de 2018. Não que tenhamos ignorado completamente essa dimensão, mas a ação nas redes foi tratada de forma secundária. Temos a recordação da época que as alianças partidárias ocorriam fundamentalmente para que as chapas tivessem um maior número de tempo na televisão. Não que isso não fosse determinante. Porém, era uma tática secundária em relação ao universo da cibercultura e que, portanto, exigia outras formas e investigações para um trabalho de base digital eficaz.

Trabalho de base digital eficaz. Talvez esse seja um dos nossos grandes gargalos. Não que não o fazemos, mas como o registramos e o analisamos. De que maneira sistematizamos as informações que colhemos sobre o povo? Produzimos relatórios sobre o que o povo nos solicita? Conseguimos criar mecanismos de contato permanente com as bases e suas reivindicações?

Por vezes, estamos nos territórios. Porém, é como se estivéssemos nele com uma vela acesa, captando o mínimo de informações sensíveis sobre a população de um determinado local. Ora, e se tivéssemos uma ferramenta capaz de realizar essa leitura de dados que colhemos e sistematizamos ao longo do tempo, como isso poderia aumentar nossa capacidade de aproximação das camadas populares? Ou mesmo as nossas capacidades de imaginação e inovação institucional para a solução de problemas concretos?

Hoje, a Inteligência Artificial e os LLMs popularizados a partir das plataformas digitais, em especial aquele desenvolvido pela OpenAI (o ChatGPT), em que pese os problemas éticos e morais em torno desta ferramenta – que não serão objeto de reflexão nesse artigo – trata-se de uma possibilidade de assessoria fundamental para implementarmos um trabalho de base científico, objetivo, com leitura e análise de dados constantemente atualizados.

Científico porque possuirá uma base de dados específica a ser analisada. Objetivo porque não partirá somente da vela acesa do militante no território, mas de uma luz de dados coletados que possam ser analisados e problematizados a partir de suas percepções. Constantemente atualizados porque a IA generativa pode produzir relatórios situacionais, contribuindo para embasamentos mais qualificados no processo de tomada de decisão.

Diante do exposto, vamos contar um pouco da nossa experiência de realização de trabalho de base utilizando a Inteligência Artificial em meio às andanças da Adriana Souza pela cidade de Contagem. Acreditamos que este exemplo pode ser uma possibilidade de uso para um mapeamento mais qualificado das demandas do povo e de possíveis inovações institucionais que poderão ser implementadas em futuros governos e mandatos progressistas da cidade.

Sobre o robô “Juscelino”

A ideia de fazer um robô próprio (GPT) para fazer um trabalho de base mais eficaz para a pré-candidatura da Adriana veio pelo fato de ficarmos responsáveis por organizar as demandas que aparecem no território e que precisam ser encaminhadas pelo corpo da nossa militância. Havia um problema de gestão destas demandas e um acompanhamento delas. Logo de início, resolvemos utilizar a IA para conseguir nos ajudar neste trabalho. O uso da IA generativa permitiu entregar tarefas que demandam tempo manual, como a elaboração de lista de responsáveis por cada demanda em questão de segundos (!). Algo que talvez nos exigisse algumas horas ao longo das semanas hoje exige um período específico do dia para ser acompanhado. Lembrando que são centenas de demandas a serem tratadas em tempo real.

Fazer isso demandou e demanda muito tempo, ao contrário do que se acredita no senso comum ou naquilo que é reproduzido na imprensa sobre Inteligência Artificial. Foi necessário entender como se dá a programação no chatbot a partir da linguagem natural, o que nos exigiu muito trabalho.

Engenharia de Prompt: Lapidando a investigação e a geração de dados para o trabalho de base

A Engenharia de Prompt é uma técnica que permite refinar as interações com modelos de IA, como o GPT. Ao criar prompts bem estruturados e detalhados, é possível orientar

a IA para realizar tarefas específicas com maior precisão. Neste contexto, a Engenharia de Prompt – um subcampo da IA que estudamos – foi fundamental para desenvolver um GPT capaz de gerenciar as demandas colhidas nos territórios de forma eficiente.

Muitos ainda utilizam a IA acreditando que ela é uma espécie de quiz. Fazem perguntas básicas acreditando que com isso a IA será capaz de entregar soluções de problemas complexos.

Com o estudo da Engenharia de Prompt, é possível aprender a necessidade de utilização de padrões de comando (os prompts) para que ela seja capaz de entregar soluções para tarefas voltadas especificamente para o comando que ela solicitou. Nesse sentido, saber esses padrões de interação, como a criação de personas, audiência, contextualização, elaboração de questões, dentre outros, permite à máquina filtrar e operar sua leitura de parâmetros dentro daquilo que lhe é exigido. Sem essa técnica, seria impossível desenvolver um GPT próprio, elaborado para método de trabalho de base nas esquerdas do país, como o Juscelino.

O que faz o Juscelino?

O Juscelino desenvolvido para a campanha de Adriana Souza realiza várias tarefas importantes. São elas:

1) Análise de Tendências. Produzimos relatórios de acompanhamento semanal que nos entregam a característica da demanda, o status (se foi resolvida ou não), quais temas são predominantes etc.

2) Distribuição Semanal das Demandas. Conseguimos entregar tarefas para dezenas de militantes e acompanhá-las semanalmente graças à automatização feita no GPT.

3) Infográficos e Mapas de Calor. Criamos mapas de calor georreferenciados, capazes de nos oferecer informações situacionais sobre as demandas que são coletadas na cidade, como meio ambiente, infraestrutura, saúde, educação etc.

Resultados

A implementação desse GPT trouxe benefícios significativos para a campanha. A automatização dos processos de análise e distribuição de demandas aumentou a eficiência e a precisão das respostas. Somado a isso, a utilização de relatórios detalhados permitiu uma melhor visualização das áreas mais necessitadas, direcionando esforços de maneira mais estratégica. Deu-nos a possibilidade de se pensar em uma gestão situacional mais dinâmica. Ao mesmo tempo, a colheita de dados e as demandas também nos dão um mapa situacional sobre como está a cidade e os seus problemas nos mais diversos territórios a partir da presença da nossa militância. Nesse sentido, podemos ter, a partir destes dados de demandas, noções mais sólidas sobre as necessidades da população contagense, a partir do que ela de fato tem nos exigido no dia a dia.

Ainda não sabemos em que medida essa experiência poderá fortalecer o trabalho de base na cidade e, por consequência, ampliar nossa base social e força na cidade de Contagem. O que sabemos, com essa experiência em construção, é que é possível implementar o trabalho de base aliando uma atuação territorial feita cara-a-cara com uma leitura em tempo real deste conjunto de demandas surgidas a partir desta atuação.

Parece-nos uma iniciativa que contribui para a reflexão sobre o estilo de trabalho de base para o século XXI, pautado em análise científica e investigativa dos dados que temos e produzimos a partir da IA generativa e os chatbots de maneira geral. Trata-se de uma tentativa de equilibrar o trabalho entre as máquinas e os humanos, aumentando com isso nossa produtividade no trabalho de base e na resolução de demandas concretas nos territórios.

Agora, fazemos um apelo imaginativo ao leitor: o que aconteceria se criássemos sistemas próprios de ouvidorias populares para diferentes territórios? Quais seriam os benefícios e o aumento da força política do nosso trabalho de base nos territórios com o aumento de resolutividade de demandas populares? Deixemos as perguntas em aberto, com a esperança de termos criado um mecanismo de inovação criativo e dinâmico, capaz de nos libertar de trabalhos burocráticos enfadonhos para dedicarmo-nos à política através de uma leitura e problematização rica de dados gerados a partir das bases sociais entregues para o GPT.

Declaração: este texto foi feito a partir de um diálogo com o ChatGPT. Ao utilizarmos o padrão da persona e da contextualização dos problemas, solicitamos a ela um roteiro para a elaboração do artigo. Ela entregou parágrafos genéricos que foram drasticamente editados. Portanto, pouco ou quase nada dos textos gerados por ela foi aproveitado, sendo utilizado somente a organização do roteiro do texto, este também passado por muitas alterações. Esta declaração acompanha as recomendações da literatura acadêmica internacional sobre o uso ético da IA na produção e escrita de textos.

(*) André Luan Nunes Macedo é doutor em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, pós-doutorando pela Universidade Federal de São Paulo, professor de História e Inglês.

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