Três perguntas para os defensores do chuchu

Por Valter Pomar (*)

Parte dos que defendem Alckmin na vice de Lula tem na cabeça o roteiro da “transição democrática”.

Para quem não lembra, um resumo: derrotada a campanha das diretas, a maior parte da oposição decidiu participar do Colégio Eleitoral.

O PDS – partido da ditadura, sucessor da ARENA – rachou na escolha do seu candidato a presidente na eleição indireta. O nome preferido do general Figueiredo (o coronel Mario Andreazza) foi derrotado por Paulo Maluf. O racha produziu um novo partido (o Partido da Frente Liberal), que debutou fazendo uma aliança com o PMDB. E a cereja do bolo foi a chapa presidencial: Tancredo Neves presidente, tendo como vice o manjado José Sarney, que até a véspera era presidente do PDS.

A operação foi um sucesso?

Depende do critério. No Colégio Eleitoral, a chapa Tancredo-Sarney conseguiu derrotar Maluf. Acontece que Tancredo morreu antes da posse. Ao invés de convocar novas eleições, as “instituições” dobraram-se às forças armadas, que impuseram a posse de Sarney, num episódio bizarro em que o vice virou presidente sem que o titular da chapa tivesse tomado posse.

E não parou por aí: o governo da “transição democrática” foi tutelado do início ao fim pelas forças armadas. O que ajuda a entender não apenas Bolsonaro, mas a prolongada hegemonia do “autoritarismo” (bolsonarista ou não) entre os militares brasileiros.

A história do governo Sarney tem várias nuances, mas o desfecho foi o seguinte: os candidatos presidenciais vinculados ao PMDB e ao PFL foram esmagados nas eleições presidenciais diretas de 1989, as primeiras desde 1960. E os dois candidatos que foram ao segundo turno faziam oposição explícita ao governo Sarney.

O que teria ocorrido se as Diretas tivessem sido aprovadas? O que teria ocorrido se toda a oposição tivesse boicotado o Colégio Eleitoral? O que teria ocorrido se Tancredo não tivesse morrido? O que teria ocorrido se, ao invés da posse de Sarney, eleições diretas tivessem sido convocadas?

Nunca saberemos. O que sabemos com certeza é o seguinte: a maior parte da oposição não quis arriscar. Preferiu fazer um mal acordo a esticar a corda.

Os problemas que o Brasil arrasta, não apenas há décadas, mas há séculos, estão ligados exatamente ao tipo de solução política adotada na “transição democrática”. A saber: o acordo de elites, a transição pelo alto, sem ajuste de contas com o passado, com os donos do dinheiro e do poder.

Naquela época, o PT defendeu outro caminho. Não aceitou ir ao Colégio Eleitoral e fez ferrenha oposição ao governo Sarney. Como resultado disto e de otras cositas más, conseguirmos colocar Lula no segundo turno das eleições presidenciais de 1989.

Naquele momento, tanto o PMDB quanto o recém criado PSDB se dividiram. Aliás, uma parte do alto tucanato não apenas resistiu a apoiar Lula, como quase embarcou no governo Collor.

O caçador de marajás não chegou ao final do seu mandato, sendo afastado por impeachment. Curiosamente, os crimes favoreceram a chapa encabeçada por Collor, mas novamente não aconteceram novas eleições, preferindo-se dar posse ao vice Itamar Franco (ojo nos vices!). E por dentro do governo Itamar armou-se a candidatura de Fernando Henrique Cardoso (PSDB e ex-PMDB), tendo como vice Marco Maciel (PFL, ex-PDS), um daqueles que preferiam Andreazza e não Maluf.

Portanto, repetiu-se em 1994 e 1998 o esquema do Colégio Eleitoral de 1985: um vice proveniente da ditadura, um presidente oriundo da oposição. Em parte devido a influência do desastroso governo Sarney e do mito de que “com Tancredo tudo seria diferente”, era comum ouvir que o problema do governo FHC não era o PSDB, mas o vice do PFL. Uma óbvia injustiça com a social-democracia brasileira, que sempre esteve na vanguarda das políticas neoliberais.

Mesmo assim, nunca deixou de existir dentro do PT quem propusesse uma aliança entre o PT e o PSDB. Esta aliança nunca vingou, por uma razão óbvia: incompatibilidade programática. Mas os defensores da operação seguiram tentando e parecem enxergar sua grande oportunidade na defesa de Alckmin como vice de Lula.

Os argumentos são variados. Alckmin contribuiria para uma vitória no primeiro turno, ajudaria a viabilizar a futura governabilidade e ainda contribuiria com a candidatura petista a governador nas eleições paulistas. Um verdadeiro prodígio!

Havendo quem diga mais ou menos o seguinte: da mesma forma como no passado teria sido necessária uma frente ampla para superar a ditadura, agora será necessária uma frente ampla para derrotar o bolsonarismo. E da mesma forma como no passado a oposição teria tido que se aliar a ex-apoiadores da ditadura, agora a oposição terá que se aliar a ex-golpistas.

Deixarei para outro momento rememorar o currículo vitae do chuchu opus dei, inclusive sua postura sobre Pinheirinho em 2012 e sobre a interdição de Lula em 2018. Me limito por enquanto a fazer três perguntas.

Primeiro: quem propõe que Lula se fantasie de Tancredo e que o PT se fantasie de PMDB, propõe fazer o quê para evitar que terceiros venham a ocupar o espaço deixado aberto?

Segundo: quem propõe uma aliança com defensores do neoliberalismo e do golpismo, propõe fazer o quê para impedir que nosso futuro governo seja contaminado pelo golpismo e pelo neoliberalismo?

Terceiro: quem defende que Alckmin ocupe o lugar que já foi de Alencar, propõe fazer o quê para evitar que o picolé de chuchu tente emular Sarney, Itamar e Temer?

Espero que a resposta a estas questões não seja a de José de Abreu (“quem decide o que é melhor para ganhar a própria eleição é o Lula. O que o Lula decidir o PT vai assumir como seu”). Afinal, apesar do André Mendonça, seguimos defendendo o Estado laico e, por isso, infalibilidade nem a papal.

(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT

 

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