Por Lucas Reinehr (*)
Texto publicado na edição de outubro do Jornal Página 13
No dia 27 de setembro de 2021, as eleições federais alemãs tiveram o seu primeiro fim. Apesar da conclusão dessa primeira etapa – que ocorreu com a divulgação do desempenho de cada partido ao Bundestag –, o futuro da política alemã ainda é nebuloso. Diferente do Brasil, onde as coligações (ou coalizões) ocorrem anteriormente ao processo de disputa institucional, a legislação alemã determina diferenças bastante particulares no processo eleitoral do país. São essas diferenças que determinarão os rumos da política alemã no próximo período.
Nos últimos meses, os alemães participaram de uma campanha eleitoral ainda limitada em função da pandemia e com uma diferença crucial: a aposentadoria iminente de Angela Merkel, Chanceler Federal do país há 16 anos pela União Democrática-Cristã. Merkel, que afirmou que nunca coligaria com a esquerda alemã, representada pelo Die Linke, saiu do cargo aclamada pela direita de muitos países por seu pragmatismo, mas seu partido saiu derrotado pela fragilidade do candidato Amin Laschet.
Além de Amin Laschet (CDU), que representou a democracia-cristã nessas eleições, outros candidatos foram Olaf Scholz (Partido Social-Democrata – SPD), Annalena Baerbock (dos Verdes), Christian Lindner (dos Liberais, cuja sigla em alemão ironicamente é FDP), Janine Wissler (da Esquerda – Die Linke) e Alice Weidel, representando a AfD, partido que tem retomado ideais nazistas e representa a extrema-direita alemã. A campanha eleitoral, embora tenha trazido à tona certos debates sobre os rumos da sociedade e da política alemãs, também se concentrou em torno da disputa entre figuras – principalmente aquelas com maior intenção de voto, como Olaf Scholz, Annalena Baerbock e Amin Laschet – representante fraco do CDU. A cultura política alemã, muito voltada para os ideais de “pragmatismo” e “estabilidade”, buscou responder uma pergunta: quem substituirá Angela Merkel na condução do país?
Passadas as eleições, o partido que conquistou o maior número de assentos no Bundestag foi o SPD, com 25,7% dos votos. Em seguida, estão o CDU (e seu braço bávaro CSU), com 24,1%, os Verdes, com 14,8%, os Liberais, com 11,5%, a AfD (que perdeu tamanho em relação a 2017), com 10,3%, independentes e outros, com 8,7%, e A Esquerda (Die Linke) com 4,9%. Sem dúvidas, o resultado representa uma vitória eleitoral para a social-democracia, uma derrota para o CDU de Merkel e perdas muito significativas para A Esquerda. Não fossem os três mandatos diretos conquistados pelo Die Linke, o partido correria o risco de perder seus mandatos em função da cláusula de barreira. Por não ter atingido 5% dos votos, ainda poderá ter sua atuação limitada no parlamento.
Em termos políticos e de projeto, o resultado dessas eleições não representam uma mudança significativa. O SPD, que saiu vitorioso nessa disputa, faz parte da atual coalizão de governo, formada em 2017, junto com o CDU. O partido prometeu um governo de continuidade – embora a ruptura com o CDU esteja em evidência. Olaf Scholz, aspirante a chanceler federal pela nova coalizão, é conhecido interna e externamente por seu pragmatismo, tendo sido apelidado pelo Die Zeit alemão como “Scholzmat”, fazendo referência à palavra automat (automático). A vitória do SPD, portanto, não representa essencialmente uma vitória da esquerda ou sequer da centro-esquerda, pois a depender do pragmatismo de Scholz e da coalizão a ser formada, o projeto de continuidade dará sequência às reformas sociais-liberais e não tocará nas estruturas econômicas das elites.
As perguntas que ficam agora são: qual será a coalizão formada e quem substituirá Merkel? A Esquerda, por ter atingido um número pequeno, tornou impossível a formação de uma coalizão rot-grün-rot (vermelha-verde-vermelha). A não-conformação de uma “maioria social” coloca o SPD em um dilema: as principais possibilidades são voltar a abraçar o CDU ou formar uma aliança com os Verdes e os Liberais. Dentre as duas, a última é a mais provável, afinal, na última quarta-feira, Olaf Scholz publicou em seu Twitter que havia iniciado as bilaterais com os Verdes e o FDP com vistas a formar uma coalizão. Haverá coesão para formar uma aliança entre os liberais e os sociais-democratas? Ao que tudo indica, o pragmatismo e a urgência por “Stabilität” darão o tom das próximas alianças.
Apesar de o cenário ter sido desastroso para a esquerda representada pelo Die Linke, a lição que fica é a de que o partido teve maturidade para admitir que esse resultado é também fruto de seus próprios erros. Embora o Die Linke contribua significativamente para o fortalecimento de um projeto de esquerda e do debate socialista na Alemanha, o partido ainda possui muitos desafios e a tarefa de se massificar na sociedade alemã. Quanto a isso, seus dirigentes estão cientes e já fizeram a autocrítica pública. Sem dúvidas, a autoconsciência é uma saída mais correta do que se afogar nas próprias ilusões.
Aqui ou na Alemanha, o campo socialista possui os mesmos desafios: combater a extrema-direita crescente, o negacionismo, o neoliberalismo e fortalecer a disputa por um projeto socialista. Para apresentar um projeto global de transformação, seguir fortalecendo a luta internacionalista é uma tarefa urgente – deles e nossa.
(*) Lucas Reinehr é jornalista e militante da JPT