Um breve comentário a Perry Anderson: “Brasil à parte: 1964-2019”

Por Francisco P. Farias (*)

Perry Anderson

Texto publicado na edição 14 da revista Esquerda Petista

Conforme Perry Anderson (1995), a origem da ascensão da política neoliberal se encontra no conflito entre capital e trabalho de um lado, e na disputa de capital industrial e capital bancário dentro do grande capital de outro. O compromisso do capital industrial e dos sindicatos de trabalhadores no pós-1930 havia orientado o governo dos países centrais a implementar uma política industrial que sustentava a rentabilidade das empresas com base no aumento da produtividade e na política trabalhista de ampliação dos salários de forma direta (reajuste acima da média do mercado) e indireta (expansão de direitos sociais).

O sucesso do modelo de Estado intervencionista, assentado no primado da indústria, provocou a reação do setor bancário do grande capital, que reclamava dos crescentes custos salariais e fiscais, uma vez que a estratégia de lucro desse setor converge basicamente para prática de redução de custos. Com a recessão econômica do início da década de 1970, desencadeada pelo aumento repentino do preço do petróleo e pelos gastos crescentes em política de seguro do desemprego, dada a onda de automatização das empresas, fatores que levaram a um estrangulamento dos orçamentos estatais e ao corte de despesas, abriu-se a oportunidade da contraofensiva do programa neoliberal, centrado no controle orçamentário do governo, na privatização de empresas estatais, na abertura  dos mercados monetários e na desregulamentação das relações trabalhistas.

Perry Anderson considera o ciclo virtuoso dos governos Lula I e II resultado principalmente de uma dinâmica expansiva do mercado mundial: “encarado como período da economia política no Brasil, ele [governo Lula] pode ser considerado contíguo ao de Fernando Henrique Cardoso, um desenvolvimento dentro da mesma matriz. Encarado como processo social, por outro lado, significou uma ruptura notável. Entre as condições dessa mudança, estavam as circunstâncias externas, extraordinariamente propícias” (Anderson, 2020, p. 86).

Falta ao autor, entretanto, a percepção de que a aliança política liderada por Lula e o Partido dos Trabalhadores teve um papel igualmente decisivo ao aproveitamento das circunstâncias externas favoráveis. Basta considerarmos o contraexemplo do México, que, se à ascensão de uma coalisão política progressista, não conseguiu se beneficiar da conjuntura mundial, restando enfeudado ao modelo de política neoliberal, com consequências sociais regressivas das mais extensas entre os países latino-americanos.

A síntese de P. Anderson (2020) mostra-se justa quando afirma que

historicamente, no entanto, as comparações com Vargas – para não falar de Perón – erram o alvo. (…) Sua ascensão [de Lula] ao poder teve por base um movimento sindical e um partido político muito mais modernos e democráticos do que qualquer coisa jamais imaginada por Vargas e Perón (p. 66).

            E que

Lula nunca se enxergou como descendente de Vargas (p. 69).

O líder político a quem cabe a comparação de Lula é Luiz Carlos Prestes, dirigente do Partido Comunista Brasileiro, por paradoxal que pareça, já que o PT surge em competição ao PCB. A coligação de Prestes e Vargas na conjuntura da redemocratização de 1945 significava uma aliança da classe trabalhadora com o projeto de industrialização da burocracia do Estado, projeto que não era inteiramente coincidente com o da burguesia industrial.

O PCB de Prestes, quando se coligou a Vargas, tratava como aliado o conjunto da burguesia brasileira. Um sinal da independência dos Comunistas nessa aliança era que eles não adotavam, em questões importantes (inflação, déficit externo, salário, questão agrária, imperialismo), a visão econômica do nacional-desenvolvimentismo, dominante no aparelho de Estado.

(*) Francisco P. Farias é filiado ao PT.


Referências:

Anderson, Perry (1995). Balanço do neoliberalismo. In Emir Sader & Gentili, Pablo (orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Anderson, Perry (2020). Brasil à parte: 1964-2019. São Paulo: Boitempo.

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