Por Mateus Santos (*)
As mais recentes declarações de membros do governo, do chanceler e de aliados no congresso externam a falência de uma Política Externa passiva e submissa. Enquanto Bolsonaro também sucumbe externamente, Estados do Nordeste internacionalizam seus esforços na busca de soluções para a pandemia.
Eduardo Bolsonaro iniciou uma crise diplomática nas relações sino-brasileiras ao ter culpado Pequim pela ausência de transparência sobre o Coronavírus e, supostamente, ter contribuído para a difusão deste pelo restante do mundo. Após resposta do embaixador chinês, o chanceler Ernesto Araújo exigiu que o representante do governo estrangeiro se retratasse, pois este sugeriu que a viagem aos Estados Unidos tivesse proporcionado ao deputado brasileiro um “vírus mental”.
No sombrio mundo das redes sociais, chovem teorias da conspiração. A manifestação do deputado paulista reflete também posições de setores do bolsonarismo que acreditam fielmente na invenção do vírus pelos chineses diante de interesses econômicos. Não entrando no mérito de narrativas sem nenhum tipo de sustentação, o fato é que toda esta troca de farpas entre brasileiros e chineses revela mais uma face da falência da Política Externa do governo Bolsonaro. Ataques ao principal parceiro econômico do país, bem como um dos expoentes na busca por soluções viáveis ao vírus, externam as dificuldades de um governo em se situar politicamente numa conjuntura de crise mundial. Os esforços de manutenção de um discurso cruzadista e polarizador em meio ao caos, tanto interno como externo, aprofundam os desafios do país neste momento.
Já nas eleições, as propostas do então candidato Bolsonaro para a Política Externa apresentavam mais incógnitas do que certezas. Retomando à discursos comuns ao período da Guerra Fria, dicotomias como ditadura e democracia, enunciação de possíveis parceiros privilegiados, como EUA, Itália e Israel e anúncios de uma viragem nas prioridades de nossa agenda internacional já sugeriam grandes mudanças naquilo que foi regra nas últimas décadas.
Em outro momento, apresentei um balanço sobre a Política Externa no primeiro ano de governo. Ressaltei algumas características, em verdade, esforços de racionalização de movimentos quase irracionais. Um neoamericanismo pouco visto na trajetória da inserção internacional brasileira, desvalorização do multilateralismo, reestruturação do Itamaraty a partir de combates ideológico, o desaquecimento nas relações do país com o continente africano e mesmo com vizinhos foram algumas das marcas da nova gestão.
A crise do COVID-19 demonstra o aprofundamento de muitos desses aspectos. Relutante em fechar as fronteiras e controlar a circulação de pessoas pelo país, Bolsonaro, ao enfim tomar essa medida, deixou de fora os cidadãos estadunidenses, país hoje ocupando o terceiro lugar no número de casos da doença. Pasmem: A empresa aérea American Airlines, uma das mais importantes daquele país, semanas atrás já havia restringindo o número de voos de cidades norte-americanas para algumas capitais brasileiras!
Uma cena circulou o continente nos últimos dias. Na reunião de chefes de Estado da América do Sul, a única ausência foi a de Jair Messias Bolsonaro, deixando tal tarefa para outras autoridades de seu governo. O desengajamento do atual presidente no multilateralismo revela sua incapacidade de construir soluções conjuntas para uma tragédia que prejudica estruturalmente diversos países, inclusive nossos vizinhos. Antes de enfim chegar a conclusão de que seria preciso fechar as fronteiras, muitos dos governos sul-americanos estiveram à frente desse movimento. Ao Brasil, a única ação inicial foi senão fechar a fronteira com a Venezuela, país que começa a apresentar dezenas de casos somente agora. A suposta “desideologização” apregoada desde o ano eleitoral se constitui, em verdade, numa obsessão generalizada contra adversários políticos no continente.
Não é atoa que, segundo alguns analistas e periódicos internacionais, Bolsonaro é um dos líderes mundiais que pior vem se portando ao longo da crise.
Consórcio Nordeste: internacionalização e construção de uma política sob outra orientação
A postura de Brasília frente à crise do COVID-19 vem sofrendo resistência por parte dos governos nordestinos. Em mais um momento de reafirmação institucional do chamado Consórcio Nordeste, um esforço de integração dos executivos estaduais, construído a partir dos eleitos e eleitas em 2018, a região apresentou uma alternativa aos arriscados movimentos da chancelaria e do governo brasileiro.
Em documento publicado nesta semana, sob a liderança do governador da Bahia, Rui Costa, os governos estaduais pediram a colaboração chinesa na contenção do coronavírus. Contando com mais de 200 casos espalhados nas nove unidades da federação que compõem a região, o Nordeste vem se destacando pelo engajamento de seus governadores. Medidas como a restrição de circulação aérea e terrestre, articulação entre estado e prefeituras, além da cooperação intraregional denotam outro modo de tratar da crise.
Em relação à China, a abertura de portas ao auxílio deste país demonstra uma sintonia da região brasileira com o restante do mundo. Tendo êxito ao controlar a pandemia em suas fronteiras, tanto governo como o empresariado chinês, demonstra interesse em auxiliar seus parceiros neste momento. Afinal, 2020 poderá ser um dos anos mais difíceis para a economia mundial depois de décadas.
É no esvaziamento de iniciativas do governo federal e de sua chancelaria que, pouco a pouco, o Nordeste se destaca nacional e internacionalmente na construção de alternativas para o tratamento da crise, além de aprofundar o processo de sua própria integração. Do ponto de vista externo, pensando nas consequências de tais ações para o debate político brasileiro, a iniciativa regional externa outros caminhos possíveis para a Política Externa do Brasil. Em meio aos vexames internacionais, uma costura por fora da estrutura bolsonarista pode ser vista com bons olhos, num momento em que a luta pela resolução da pandemia é uma bandeira que atravessa oceanos.
(*) Mateus Santos é militante da Juventude da Articulação de Esquerda, integrante da Executiva JPT-BA e mestrando em História Social/ UFBA