Por Natália Bonavides (*)
A atual crise sanitária que vivemos deixou ainda mais evidente, no Brasil e no mundo, a necessidade da luta contra a agenda neoliberal, explicitando que a defesa de políticas que fortaleçam a atuação dos Estados através de serviços públicos é fundamental para garantir condições materiais mínimas de vida para a classe trabalhadora.
Mesmo assim, no Brasil, o Congresso Nacional segue tentando aprofundar a agenda neoliberal. As medidas que de alguma forma fortalecem o Estado e estão sendo aprovadas pelo legislativo são pontuais, provisórias e ainda estão longe de representar uma derrota do projeto de desmonte do Estado, que segue sendo ponto central da política da direita e da centro-direita no país.
Certo é que, antes da pandemia, era impensável a aprovação de uma renda básica (mesmo que temporária) para a classe trabalhadora mais precarizada. Mas isso aconteceu: foi aprovado o auxílio emergencial de R$ 600,00, em grande medida graças à imensa pressão que a oposição fez, uma vez que o governo Bolsonaro queria pagar apenas R$ 200,00.
Mas esse é um exemplo de exceção que confirma a regra. Nesses tempos de pandemia, ainda ouvimos com frequência apelos e defesas, inclusive dos presidentes da Câmara e do Senado, pela retomada das reformas de cunho neoliberal, como a reforma administrativa.
Apesar dos atritos existentes entre os Poderes Executivo e Legislativo, que parecem ter alcançado um certo momento de “trégua”, a agenda neoliberal de Bolsonaro, Mourão e Guedes é defendida de forma veemente por Alcolumbre, Maia e pelo chamado “centrão”, que na verdade é uma direita pragmática e fisiológica. Aliás, é justamente a política ultraliberal que unifica a direita neofascista e a chamada direita tradicional e faz com que a derrubada do governo Bolsonaro não seja parte da agenda de partidos como o PSDB. Com Bolsonaro “sob controle”, o programa ultraliberal pode seguir sendo aplicado sem maiores transtornos. Essa ainda é a aposta deles, desde 2018.
São vários os exemplos dessa aliança do ultraliberalismo com o neofascismo, que tem como um dos seus objetivos aprovar no Congresso Nacional diversas medidas antipopulares, com destaque para a retirada de direitos e destruição da soberania. A MP 905, que ficou conhecida como “MP da carteira verde e amarela” e que se configurava como uma segunda etapa da reforma trabalhista, é um exemplo dessa ofensiva: mesmo diante do “acordo”, feito no início do funcionamento remoto do Congresso, de que só se deliberariam questões que tivessem relação com o combate à pandemia e seus efeitos, a MP 905 foi pautada e aprovada na Câmara; só sendo revogada após muita pressão para que o Senado não votasse e quando o governo percebeu que sofreria uma derrota com a MP caducando. Outros exemplos são a MP 927, que amplia o banco de horas e permite o adiamento do pagamento do FGTS pelas empresas, aprovada na Câmara e aguardando deliberação no Senado; e a MP 936, que permite a redução da jornada de trabalho e dos salários em até 70%, e que foi aprovada em ambas as Casas e aguarda a sanção.
Paralelamente aos ataques diretos aos direitos, há a política de privatizações defendida pelo Planalto e chancelada pelo Congresso. O mais recente desses ataques foi a mudança no marco legal do saneamento básico, aprovado na semana passada no Senado. Com isso, a opção feita pela maioria do parlamento foi por fragilizar ainda mais o Estado, permitindo que haja uma privatização desenfreada dos serviços de saneamento, tornando o acesso à água mais difícil ao tratá-la como uma mercadoria a ser comercializada, e não disponibilizada de forma igualitária para a população.
Assim, o Brasil caminha em sentido contrário de diversas cidades ao redor do mundo que estão reestatizando os serviços de saneamento, uma vez que a iniciativa privada não os têm realizado com padrões mínimos de qualidade e com tarifas baixas, acessíveis à maioria da população. É bom ressaltar que, nesse contexto de pandemia, o simples ato de lavar as mãos, uma das medidas mais básicas no combate à propagação no novo coronavírus, pode se tornar algo ainda mais difícil para que vive em territórios precários.
Outro ponto de convergência entre o governo neofascista e a direita parlamentar neoliberal diz respeito aos ataques aos servidores públicos. A “granada colocada no bolso do inimigo”, a que Paulo Guedes se referiu na fatídica reunião ministerial do dia 22 de abril, em alusão ao congelamento dos salários dos servidores, foi colocada com o apoio do Congresso Nacional. O Congresso se rendeu às chantagens do Planalto e, ao votar projeto de lei que garantia envio de recursos aos estados e municípios, aceitou que os entes congelassem os salários dos servidores para que os recursos fossem liberados. Infelizmente, nesse caso, teve o voto da maior parte da bancada do PT e da oposição, diante da chantagem posta pelo governo de vincular o auxílio para os estados ao ataque aos servidores.
Por fim, é importante destacar que o oligopólio da mídia tem cumprido seu papel de defesa da política ultraliberal. Cotidianamente, os editoriais dos grandes jornais indicam as nítidas posições da classe dominante brasileira: antidireitos, antisserviços públicos e servidores e pró-privatização.
Tudo isso mostra que, mesmo durante a pandemia, a aliança entre o neofascismo e o ultraliberalismo segue dando resultados e que não podemos ter ilusões com concessões pontuais que são feitas em relação à agenda prioritária que eles têm, que é a da retirada de direitos. O lado de lá não abdica do seu projeto de destruição e de morte, e é por isso que o lado de cá precisa, cada dia mais, ter muita nitidez e não titubear em defesa do nosso projeto.
(*) Natália Bonavides é advogada e deputada federal (PT/RN)