A perigosa nova trazida pelo pastor Oliver Goiano

Por Valter Pomar (*)

No dia 20 de abril a UOL publicou uma entrevista com o pastor Oliver Costa Goiano, apresentado como coordenador do Núcleo Nacional dos Evangélicos do PT.

Quem quiser pode conferir aqui: PT depende da igreja evangélica, diz pastor Oliver Costa Goiano

A entrevista é bem interessante e o pastor defende algumas posições com as quais estou de acordo.

Mas, ao mesmo tempo, é uma entrevista deveras assustadora, ao menos para mim que defendo que o PT continue sendo laico e que continue lutando por um Estado também laico.

Evidentemente, não tenho certeza se o que foi publicado foi efetivamente dito. Feita essa ressalva, comento a seguir a entrevista, tomando como fio da meada a ordem em que as afirmações aparecem na publicação e me concentrando nas divergências.

Começo concordando com o pastor no seguinte: também acho um “erro quando a esquerda zomba dos cultos evangélicos”. As crenças religiosas devem ser respeitadas. Mas por isso mesmo acho um equívoco defender que “Lula precisa ter fotos com os pastores com a mão na cabeça dele”. Na minha opinião, este tipo de postura facilmente se transforma em manipulação política, uma forma de desrespeito.

Além disso, “tirar foto com pastor, fazer vídeo com pastor”, “levar o presidente Lula a igrejas e aos cultos” não funcionou no passado, por qual motivo funcionaria agora?

Me parece que a ideia que está por detrás deste tipo de proposta é a clássica “se não pode vencê-los, una-se a eles”. O problema deste caminho é, ao meu ver, duplo: primeiro, nós deixarmos de ser o que ainda somos, ou seja, um partido laico; segundo, os evangélicos preferirem o original do que a cópia.

O pastor Oliver afirma que “oramos a Deus para que o novo presidente do PT, seja lá qual for, dê protagonismo ao núcleo evangélico do PT”. Mas provando que além de orar é preciso também vigiar, Oliver diz que “o PT não precisa ir mais para a esquerda”. Como se vê, como todo bom pastor, Oliver tem lado.

Lado e uma interpretação bem weberiana acerca da ética de certos protestantes. Segundo o pastor, “a Universal tem deputados muito importantes para nós. O bispo Edir Macedo precisa muito da ajuda do presidente com os negócios dele na África. O governo Lula fez relações sul-sul muito importantes. A Universal não deve aderir de novo ao bolsonarismo”.

Segundo entendi, o pastor propõe seduzir Edir Macedo através dos negócios. Sem entrar em outras considerações, fazer isso seria repetir o erro que adotamos em relação as Forças Armadas durante o período 2003-2016: achar que atendendo suas demandas econômicas, ganharíamos seu apoio político.

Aliás, se a memória não me trai, acho que cometemos o mesmo erro em relação ao Edir Macedo. O resultado foi: eles se fortaleceram, nós não.

A parte mais problemática da entrevista, na minha opinião, é quando o pastor fala que “o futuro de qualquer sociedade depende do grupo mais organizado. Não existe no Brasil uma instituição mais poderosa do que a igreja evangélica. Ela se tornou esse fenômeno cultural ao chegar a todas as classes sociais. O futuro do PT também depende das igrejas evangélicas”.

O crescimento da influência evangélica é um fato. Que são um grupo organizado é outro fato. Não sei se são a “instituição mais poderosa” e “organizada” do país. Mas é verdade que alguns pastores e os donos de certas igrejas querem decidir o futuro do Brasil. A pergunta é: vamos aceitar isso? Vamos concordar, vamos tolerar que o futuro do Brasil “dependa” de uma igreja?

Este raciocínio do pastor – que, repito, pode ter sido em alguma medida alterado pela edição jornalística – é não apenas contraditório, mas também antagônico com a concepção que o PT sempre defendeu, acerca da laicidade do Estado. Não é possível um Estado laico, nem um partido laico, ali onde o futuro depende de uma igreja, de uma religião, seja ela qual for.

Paradoxalmente, o mesmo pastor que fala isso, também defende que “o PT precisa voltar às suas origens lembrando que o nosso debate é econômico”. Mas o pastor fala que nosso debate “é econômico” apenas quando está tentando demarcar com o que ele chama de pauta identitária.

Evidentemente, não faz o menor sentido defender o respeito e a importância das religiões – ponto em que estou totalmente de acordo com o pastor – e ao mesmo tempo dizer que “nosso debate é econômico”.

Mas para além disso, não é verdade que o debate do PT ou de qualquer partido socialista deva ser “econômico”, ao menos no sentido vulgar desta palavra. Nosso debate é sistêmico, é global, é integral,  nada do que é humano nos é estranho, incluindo estas interessantes invenções da humanidade: as religiões e os deuses.

O próprio pastor demonstra que nosso debate não é “econômico” quando ele próprio dá as suas opiniões – enquanto “pastor petista” – acerca das “crianças trans”, quando diz que o “aborto é um assassinato”, quando se posiciona “contra a legalização das drogas”, quando defende a fusão entre a ação da polícia e dos pastores.

Nada disso é “econômico”.

Cada um destes temas citados pelo pastor merece um debate decente, o que não foi possível nem na entrevista, muito menos nesse comentário que estou fazendo. Apenas registro que nesse quesito a postura do pastor não se diferencia da postura da direita que hegemoniza as igrejas evangélicas. Não se diferencia no mérito e, principalmente, não se diferencia na embocadura: no fundo eles, pastor inclusive, querem um Estado meio evangélico.

A novidade que o pastor nos traz é que ele também quer um partido meio evangélico.

Espero que as orações do pastor não sejam atendidas por quem vai votar no PED. E espero que as lideranças laicas do PT se pronunciem a respeito. Pois o silêncio oportunista de quem não concorda com um absurdo é as vezes muito mais grave do que o absurdo em si.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

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