A vitória da bifurcação conservadora

Por João de Deus Castro (*)

Carlos Brandão e Flávio Dino

A decisão, desta vez em caráter definitivo, do governador Flávio Dino (ex-PCdoB, atual PSB), anunciada em 31 de janeiro de 2022, de apoiar o seu vice Carlos Brandão (PSDB, de saída para o PSB) ao governo do Estado, deixou o ambiente político em polvorosa. Mas, rigorosamente, nenhuma novidade, pois no final de novembro do ano passado o governador já havia manifestado esta preferência. Com isso, oficializa-se a divisão da amplíssima base aliada entre as candidaturas de Brandão e do senador Weverton Rocha (PDT).

A base aliada já vinha caminhando separadamente desde o pleito de 2020, quando no segundo turno de São Luís o candidato apoiado pelo governador, Duarte Júnior (então no Republicanos, hoje no PSB também), foi derrotado por Eduardo Braide (Podemos); este, apoiado (por ação ou inação) por diversos setores da base, inclusive o senador Weverton e o presidente da Assembleia Legislativa, Othelino Neto (PCdoB).

De lá para cá, as forças políticas de um lado e outro mantêm-se mais ou menos no mesmo lugar. Weverton, talvez a candidatura mais consolidada empresarial e politicamente, em segundo nas pesquisas (19%), mantém-se como pré-candidato, e, obviamente já sabendo o que seria o resultado, nem participou da reunião partidária em que Dino anunciou sua decisão. O Secretário da Indústria, Comércio e Energia, Simplício Araújo (SD), mantém sua pré-candidatura e deixa o governo.

Até mesmo Josimar de Maranhãozinho (PL, e ex-base aliada), acossado por escândalos de desvio de dinheiro público da Saúde, diz manter-se no páreo. O MDB (oposição), de Roseana, primeira nas pesquisas (28%), mesmo após o grupo Sarney ensaiar embarcar na candidatura Brandão, segue mantendo-a como pré-candidata, apesar do grupo encontrar-se politicamente enfraquecido.

Antes dessa definição, em recente entrevista concedida à mídia alternativa, Lula recomendou aos envolvidos (PT, Flávio Dino, Weverton, Brandão etc.) que “se entendam” para que ele e a Direção Nacional do PT possam tomar uma posição.

Ao que tudo indica, o dilema de Lula, Gleisi Hoffman (presidenta nacional do PT) e o campo majoritário que dirige o partido é o seguinte: há uma preferência indicada aqui e acolá por Weverton, que afinal, à bem verdade, votou contra o golpe de 2016, foi contra a prisão e a interdição de Lula e contrário às contrarreformas trabalhista e previdenciária dos golpistas; mas, sobretudo, gostariam de seguir no estado a liderança de Flávio Dino, que se notabilizou como fiel defensor de Lula e do PT no combate à farsa representada pela Lava Jato, cujo preferido é… Brandão.

Brandão, por sua vez, não se encaixa muito bem nisso tudo, por ter sido em toda a sua história política um integrante da “direita sem viés”: ligado ao agronegócio, inicialmente no PFL, depois PSDB, partido pelo qual foi deputado federal por dois mandatos e presidente estadual, passando por Republicanos e, então, retornado ao ninho tucano.

Para alguns, esse dilema se resolve com a filiação de Brandão ao PSB, partido que alberga de ex-comunistas a oligarcas (como Ricardo Murad, Zé Reinaldo e Roberto Rocha) e atualmente é comandado por Dino. Curiosamente o mesmo partido para o qual ensaia ingressar outro tucano, Geraldo Alckmin – cuja lista de mazelas neoliberais é interminável – para melhor se vender como vice de Lula.

Mais curiosamente ainda, no Maranhão, muitos petistas apoiadores de Weverton e que dizem que ir do PSDB ao PSB não salva Brandão, aceitam alegremente Alckmin de vice de Lula. Mas (claro!) desde que saia do PSDB e ingresse no PSB, operação pela qual Alckmin parece ser canonizado. Por outro lado, para esses mesmos petistas, não tem problema o PSDB (sem Brandão) ir com Weverton!

Assim, enfraquecido em 2020 e sem conseguir produzir uma pré-candidatura à esquerda que lhe pudesse suceder em 2022, vai predominando a perspectiva da restauração à direita através da bifurcação conservadora a que chegou como resultado político o governo dinista, ao final de dois mandatos. Contra essa perspectiva, chegou a insurgir-se no PT, em meados de 2021, um movimento de candidatura própria em torno do nome do secretário de Educação, Felipe Camarão, recém-ingresso no partido, chegando a mobilizar centenas de militantes petistas e de movimentos populares, representando um anseio de base por autonomia e protagonismo pela esquerda.

Seria uma saída, ainda que precária, já que Camarão, advindo do DEM e não sendo fruto da construção e acúmulo do PT, também não encarnaria sua tradição partidária. Ocorre que o próprio Camarão, com sua pré-candidatura na rua e já aceita pela direção estadual do PT, resolve cessar toda e qualquer movimentação neste sentido após um único evento: a manifestação de Dino, ao final de novembro de 2021, de sua preferência por Brandão – posição “provisória” que seria ou não confirmada ao final de janeiro de 2022.

A partir de então, nenhuma iniciativa de pré-candidatura, nem por parte do pré-candidato, nem de sua coordenação. Mais recentemente (meados de janeiro de 2022), em carta dirigida ao presidente do PT-MA, Francimar Melo, Camarão comunica sua desistência à pré-candidatura, colocando-se à disposição para sair candidato à deputado federal, pretensão que tinha ao ingressar no partido, revelando não estar à altura do desafio e da confiança que lhe fora depositada, seja por falta de coragem e de compreensão do que representava a iniciativa, seja por um jogo combinado politicamente (com o próprio Flávio Dino?), algo do que todos já desconfiam, com exceção dos que já sabem.

Ato contínuo à definição por Flávio Dino no último 31 de janeiro, o presidente do PT estadual, Francimar, comunica, em declaração dita oficial, a decisão do PT-MA de apoiar a candidatura de Dino ao Senado e de Brandão a governador. Esta decisão não é comunicada após reunir a Executiva ou o Diretório, mas “considerando a maioria das forças que compõem a Direção Estadual”! É incrível como se reproduz e se aprofunda no PT do Maranhão o vezo segundo o qual qualquer subterfúgio é válido em substituição às instâncias partidárias, onde se deveria debater os assuntos e se registrar as posições.

Esvazia-se assim, de chofre, todo o sentido do Encontro de Tática, onde o debate deveria ser feito e onde a militância engajada poderia se manifestar. Não que a posição declarada não fosse a mais provável. De fato, é difícil um partido exercer autonomia com a maioria dos membros de sua direção ligados ao governo por vínculos empregatícios. Mas no mínimo deve-se exigir que tais membros se posicionem abertamente dando suas justificativas em um processo que deveria envolver a militância, que argumentos sejam expostos ao debate etc.

Lamentavelmente, neste quadro todos estarão autorizados a fazer o que bem entender (mais uma vez!), independente das posições oficiais. O Partido dos Trabalhadores do Maranhão vai seguindo numa contradição ambulante que se aprofunda e lhe tira todo o vigor e qualquer possibilidade futura que não seja a de sublegenda. Sem política no comando, sem debate programático crítico e à esquerda, sem participação militante, resta o pragmatismo tacanho. Sem linha estratégica, não é mesmo necessário um encontro de tática. A luta é por migalhas de vices, suplências e alguns cargos, o que pode ser comportado em qualquer projeto conservador que não mude substantivamente a vida do povo trabalhador do campo e da cidade. O PT do Maranhão deveria aprender pelo menos com sua história mais recente. Já fizemos esse papel. Já entramos de vice em projeto conservador. E não foi nada bom.

(*) João de Deus Castro é servidor público e militante do PT de São Luís-MA.

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