Andes: disputa decisiva

Por Maria Caramez Carlotto (*)

Publicado originalmente na revista Focus Brasil, n° 91

Nos dias 10 e 11 de maio, ocorrerão eleições para o ANDES – Sindicato Nacional que representa parte importante dos professores e professoras do ensino público brasileiro, incluindo instituições federais, estaduais e municipais. Essa é a eleição mais importante do ANDES em muitas décadas e, por isso, todos nós, militantes de esquerda em geral, e petistas em particular, devemos prestar máxima atenção nos desdobramentos deste pleito.

Pela primeira vez na história do ANDES-SN, três chapas estão concorrendo:

A Chapa 1, intitulada “ANDES pela base”, representa o grupo majoritário da atual diretoria do ANDES, que há praticamente 24 anos dirige o sindicato de maneira ininterrupta.

A Chapa 2 chamada “ANDES-SN Classista e de luta” representa um racha da atual diretoria. Racha, esse, que ocorreu basicamente porque o grupo majoritário da atual diretoria (hoje na chapa 1) resolveu apoiar a desfiliação do ANDES da Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-conlutas), enquanto o grupo minoritário (hoje na Chapa 2) defendia manter essa filiação. Vale notar que o movimento da Chapa 1 de apoiar o afastamento em relação à CSP-conlutas é tardio, oportunista e eleitoreiro, assim como é tardio, oportunista e eleitoreiro o movimento de reconhecer e denunciar o golpe de 2016, buscando atribuir apenas à Chapa 2 os erros de avaliação que contribuíram de maneira decisiva para a o enfraquecimento da hegemonia desses grupos à frente do ANDES.

E, por fim, a Chapa 3 “RENOVA ANDES” que representa basicamente a oposição organizada à atual diretoria, formada, como eu disse, pelas Chapas 1 e 2.

Importante frisar que o RENOVA ANDES é um movimento que se organizou de maneira mais sólida a partir de 2016, vocalizando uma importante indignação da base dos docentes em relação à recusa do atual grupo da diretoria do ANDES de reconhecer o golpe de 2016 e lutar contra ele, bem como de se somar às entidades, partidos e movimentos democrático-populares que organizaram a luta em defesa da democracia e contra a prisão ilegal, injusta e política de Lula.

Fortaleceu este movimento o fato de que eram muitos os professores e professoras de ensino superior que se opunham à linha política do ANDES, mas que continuavam apostando na necessidade de construir o sindicato nacional. De maneira oportunista, a atual diretoria do ANDES, tanto os membros da Chapa 1 quanto da Chapa 2, acusam esse amplo setor do professorado de estar vinculado ao PROIFES. Obviamente, os que se empenham na disputa política do ANDES não concordam que o PROIFES seja uma solução para os problemas enfrentados pelo sindicato nacional. Assim, a acusação dos membros da atual diretoria, seja da Chapa 1 seja da Chapa 2, revela o desespero eleitoral por trás da tentativa oportunista de atribuir à Chapa 3 RENOVA ANDES intentos divisionistas. Na verdade, não é exagero dizer que o maior interessado na derrota do RENOVA ANDES nesta eleição é o próprio PROIFES, uma vez que a mudança da linha política do ANDES, a partir da vitória da CHAPA 3 RENOVA ANDES, contribuirá para trazer de volta muitas entidades hoje no PROIFES de volta para o ANDES. É justamente isso que defendemos: um ANDES-SN forte, representativo e com força para defender os professores e professoras de ensino superior e disputar o sentido público da política de educação, ciência e tecnologia.

Foi com esse espírito que o RENOVA ANDES apresentou chapa para as eleições do ANDES-SN em 2018 e 2020, obtendo nos dois pleitos aproximadamente 45% dos votos. Agora, na eleição de 2023, 3 chapas estão concorrendo. A eleição ocorre em turno único e ganhará a chapa que obtiver mais votos, sem necessidade de obter maioria absoluta.

O que está realmente em jogo nesta eleição?

O ANDES-SN tem uma importância histórica para a esquerda brasileira. Foi criado nos anos 1980, na luta contra a ditadura, pela redemocratização do país, tendo incidido de maneira decisiva no debate sobre educação na Constituinte e liderado as mobilizações contra o sucateamento e a privatização da educação pública durante os governos Fernando Henrique Cardoso. Nessa época, a ANDES, como se chamava então a Associação Nacional de Docentes de Ensino Superior, era referência fundamental para a esquerda brasileira em várias lutas e debates. Porém, a partir da dos anos 2000, quando a ANDES se tornou o ANDES sindicato nacional, este foi se isolando e perdendo relevância política.

Isso se deve, basicamente, a dois movimentos:

Por um lado, a diretoria do ANDES foi assumindo, cada vez mais, uma prática sindical equivocada: em nome da defesa de princípios absolutos, desistiu de organizar lutas concretas em torno de pautas concretas que, inclusive, permitissem um acúmulo de forças para as disputas mais amplas que precisavam ser feitas. Com isso, o ANDES-SN se afastou da vida da maioria dos professores e professoras, acumulou derrotas, perdeu representatividade e se enfraqueceu.

Por outro lado, quanto menos representativo, mais o ANDES ia assumindo uma postura sectária, de recusa de participação de debates e lutas mais amplas da sociedade brasileira. Essa postura isolacionista atingiu seu ápice na decisão da direção do Sindicato de se retirar do Fórum Nacional de Educação, em 2011, deixando os docentes de ensino superior público sem representação nos debates mais importantes sobre educação, ciência e tecnologia durante os governos Lula e Dilma. Vale notar que só este ano, por incidência do RENOVA ANDES no congresso sindical, o ANDES voltou a compor o Fórum Nacional Popular de Educação, ainda que na condição de observador.

Em suma: nas últimas duas décadas, o ANDES deixou de ser um sindicato que luta por pautas concretas para a categoria docente e deixou de ser, também, uma voz ativa no debate educacional do país.

Essa dupla orientação equivocada foi se acirrando ao longo do tempo, resultando num enfraquecimento crescente do ANDES, que se acentuou a partir do golpe de 2016. Para dar um dado: entre 2018 e 2023, o ANDES perdeu aproximadamente 5 mil filiados, ou seja, aproximadamente 6% da sua base filiada, num contexto em que a categoria seguiu crescendo ainda que a taxas vegetativas.

Esse enfraquecimento do ANDES se deu, em primeiro lugar, porque a recusa da atual diretoria de se enraizar no cotidiano dos professores/as e da universidade, impediu que ela enxergasse a importância das profundas transformações que estavam ocorrendo na maioria das instituições de ensino superior do país em função das políticas implementadas pelos governos Lula e Dilma. É preciso ter claro: a partir de 2003, uma política de expansão e democratização da educação superior pública mudou profundamente as universidades federais do país, com reflexos sobre as instituições estaduais e municipais. Políticas como o REUNI, o novo ENEM, o PNAES (Programa Nacional de Assistência Estudantil), Ciência Sem Fronteiras e a Lei de Cotas Raciais transformaram radicalmente nossas universidades, democratizando o perfil de alunos e professores/as. Os membros das chapas 1 e 2, que há 24 anos dirigem o ANDES, em geral, combateram essas políticas, indo na contramão do sentimento geral da maioria do professorado de ensino superior público brasileiro.

No mesmo sentido, a atual direção do sindicato não foi capaz de entender o que estava em jogo a partir de 2015. Organizou uma greve extemporânea contra o governo Dilma em 2015. Negou o golpe e entrou numa irresponsável campanha pelo “Fora Todos” em 2016. Recusou-se a se engajar na campanha Lula Livre. Essa postura profundamente equivocada contribuiu para corroer a legitimidade do ANDES junto aos docentes de ensino superior e em relação aos movimentos democrático-populares, inclusive do campo da educação.

Além disso, e por causa disso, o ANDES não teve força para organizar a luta contra os ataques dos governos Temer e Bolsonaro com a radicalidade que esses desgovernos pediam. Um conjunto de medidas de profundo impacto negativo sobre a educação pública brasileira como o Teto de Gastos, a Reforma da Previdência, a proposta de Reforma Administrativa, as intervenções em eleições de reitores e reitoras, as perseguições político-ideológicas, o congelamento de salários e verbas não tiveram a resposta necessária. Assim, os ataques se aprofundavam e o ANDES não tinha força de liderar os professores e professoras na resistência a esse terrível momento da história brasileira. Não foi diferente com crescimento do negacionismo e do anti-intelectualismo  de verve fascista: enquanto eles ganhavam força, o ANDES não assumia a linha de frente da defesa da educação pública e da ciência, por exemplo, organizando uma campanha unificada em defesa das universidades. Isso é ainda mais grave porque o ANDES é um sindicato estruturado, que hoje precisa se colocar a serviço das lutas mais importantes do povo brasileiro.

Foi contra essa realidade política que surgiu o RENOVA ANDES.

Nossa aposta é que o ANDES-SN é, ainda hoje, um dos sindicatos mais importantes do país. Isso se deve ao seu tamanho real e potencial: são mais de 300mil docentes na base e 65mil filiados aptos a votar. Mas também pelo fato dele organizar uma categoria fundamental para qualquer projeto democrático-popular de desenvolvimento: professores pesquisadores de instituições públicas de ensino e pesquisa. E por atuar em uma pauta absolutamente decisiva no próximo período: a educação, a ciência e a tecnologia.

A esquerda brasileira está profundamente ligada à luta em defesa da educação pública, da autonomia científica e tecnológica, da democratização do conhecimento e da cultura e da construção de uma política de desenvolvimento que coloque o ensino no centro da agenda. Isso será ainda mais importante durante o Governo Lula III, quando volta ao primeiro plano a luta entre concepções sociais e concepções (neo)liberais de desenvolvimento, de democracia e, claro, de educação.

Por isso, recuperar o ANDES é fundamental o projeto de reconstrução do país e para o fortalecimento da esquerda brasileira no próximo período. Daí o título deste texto ser máxima atenção às eleições do ANDES Sindicato Nacional e suas implicações para a esquerda brasileira.

 É fundamental divulgar amplamente as eleições e, especialmente, a chapa 3 RENOVA ANDES.

Nosso site com todo o material, propostas, apoios e outras informações relevantes: https://renovaandes.com.br/

Está em jogo a orientação política da esquerda em uma das áreas mais essenciais: a educação pública, a ciência e a tecnologia.

(*) Maria Caramez Carlotto é professora da UFABC e candidata à vice-presidenta do ANDES pela Chapa 3 RENOVA ANDES

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