As demandas do movimento popular urbano não podem ser secundarizadas

Por Gabriel Araújo (*)

Questão política

Estamos na metade do décimo mês do terceiro governo do presidente Lula. Muitos avanços e conquistas marcam esse período, sendo diversos deles relacionados às pautas da reforma urbana. Porém muitas questões estão sendo empurradas com a barriga com o receio de acontecer alguma indisposição do governo com a burguesia nacional, os latifundiários, o agronegócio e com o imperialismo.

Em nossas experiências dos governos democrático-populares anteriores, vimos nossa pauta sempre ser colocada como moeda de barganha em nome da chamada estabilidade política. O resultado dessa equação foi que no momento em que o governo precisou ser defendido pelas bases populares tomou um golpe de Estado que o fez ficar atordoado e perdido, em decorrência das contínuas ilusões na conciliação de classes enquanto uma possibilidade política absoluta. Apesar do governo ter sido rifado com uma enorme facilidade pelas classes dominantes nacionais e internacionais, quem mais sentiu na pele foi o povo trabalhador, que viu seus direitos serem esmagados e a economia nacional ser destruída.

Nada melhor do que a experiência para gerar um processo de aprendizagem, mesmo que essa experiência seja algo brutal. É a prática que determina a consciência. Isso significa cair em um fatalismo histórico? Não. Pelo contrário, é por meio das experiências históricas que aprendemos a não cometer os mesmos erros que nos levaram a sucessivas derrotas.

Se determinadas figuras do campo institucional não souberam absorver dos últimos anos uma aprendizagem pedagógica e dura, nós do movimento popular não podemos nos dar ao luxo de não ter aprendido. Por isso lutamos e não estamos mais dispostos a esperar que o avanço de nossas pautas sejam secundarizadas, porque será o avanço dessas reivindicações que vão garantir a base popular para que nunca mais tenhamos de vivenciar aquilo que passamos durante os 21 anos de ditadura militar no século passado e os 6 anos de governos golpistas/fascistas neste século em que nos encontramos.

Pautas prioritárias

No que diz respeito ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), é preciso destacar que a Política de Democratização do Patrimônio, ou seja, a política de destinação de imóveis da União para que cumpram uma função social, ainda está engatinhando. A quantidade de imóveis que foram colocados à disposição do movimento popular para produção habitacional e entre outras atividades da vida social, é irrisório. Soma-se a isso a demora para que se tenha uma retomada dos Grupos de Trabalho da SPU, tanto a nível nacional, quanto estadual. Isso prejudica o debate sobre qual deve ser o destino daqueles imóveis que não estão sendo utilizados pelo poder público na esfera federal e também fortalece para que os mesmos fiquem à mercê das barganhas do setor privado para ser privilegiado e contemplado com os melhores imóveis. Ou seja, essa inércia do governo federal fortalece a especulação imobiliária e o empresariado, setores que não tem necessidade de receber esse suporte do governo porque já possuem condições de adquirirem imóveis e terrenos, pois afinal são estes que são os detentores dos meios de produção e que acumulam enormes riquezas, enquanto o povo tem de ficar somente com as migalhas que caem do prato desses abutres.

Em relação a todo o conjunto da política habitacional e de moradia, e de sua retomada durante esses meses de governo, todo ele ocorreu sem a participação da instância democrática de maior legitimidade para tratar dessa pauta, que é o Conselho das Cidades. Isso gerou diversos problemas no processo de habilitação e inscrição de projetos habitacionais, nas áreas urbanas e rurais, onde nos deparamos com uma burocracia que parece que foi feita para que as entidades populares não consigam acessar a política pública. Nessa linha de raciocínio lógico, se as barreiras burocráticas são tamanhas, é evidente que a demanda de empreendimentos das entidades populares urbanas e rurais são em uma quantidade infinitamente maior do que o que foi registrado, pois é de conhecimento geral que são as camadas populares que tem dificuldades para acessar aparelhos tecnológicos e a internet. Soma-se a isso o fato de que o orçamento para contratação de unidades habitacionais, no campo e na cidade, é de um valor ínfimo, a demanda é muito superior. Enquanto isso, as empreiteiras ficam com a maior parte do recurso destinado para o Programa Minha Casa Minha Vida, sendo que as entidades populares é que produzem as melhores unidades habitacionais e que promovem uma lógica de pertencimento que dá vida para as comunidades lidarem com os desafios que se seguem após a entrega das moradia, caindo o governo, portanto, em um total contrassenso.

Portanto, a questão da participação popular tem sido somente um verniz, não tem sido levada a cabo com a devida atenção e determinação que deveria, e que foi vendida durante o período eleitoral. Exemplo disso, foi o que ocorreu com o Plano Plurianual Participativo, que ignorou o fato de que a esmagadora maioria da população brasileira tem enormes dificuldades para utilizar mecanismos virtuais e os que sabem enfrentam enormes dificuldades para ter acesso, porque a internet e os aparelhos tecnológicos não são universalizados. O processo de mobilização e de diálogo com a população sobre o tal PPA, de forma concreta e presencial, foi completamente negligenciado e deixado de escanteio. Quando foram feitos diálogos presenciais, o script já estava pronto e somente pequenas frações do povo eram convocadas para dar ares de legítima as definições do PPA feitas por cima. Esses foram os principais problemas de muitos outros nesse processo. Ainda existe também a questão de que as Assessorias de Participação Social e Diversidade, que foram criadas para cada ministério, não são escolhidas pelas entidades populares, ou seja, a forma de escolha não é popular e sim burocrática, funcionando da mesma maneira que o processo de contratação de um assessor qualquer do ministério, ficando a critério do ministro e não da população.

A solução é a mobilização popular! 

Tendo em vista que as saídas dialogadas foram desidratadas nesses últimos dez meses e que a inserção do povo nas decisões políticas ficaram de lado, é necessário fazer com que nossa voz seja ouvida e que nossas reivindicações sejam atendidas. E a única possibilidade que nos resta, para que sejamos exitosos na nossa busca por um mundo melhor, é a mobilização popular de forma sistemática. Por isso, convocamos as famílias organizadas no MNLM, as organizações do Movimento Popular Urbano e da esquerda de conjunto, a sair às ruas para fazer a disputa política e não permitir que mais uma vez as principais pautas da política urbana, que podem melhorar as condições de vida da classe trabalhadora, fiquem novamente de escanteio na agenda política do governo democrático-popular.

(*) Gabriel Araújo é militante petista e do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM)

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