As entrelinhas no artigo de Flavio Dino

As entrelinhas no artigo de Flavio Dino

As entrelinhas no artigo de Flavio Dino

As entrelinhas no artigo de Flavio Dino

As entrelinhas no artigo de Flavio Dino

As entrelinhas no artigo de Flavio Dino

Por Olavo Brandão (*)

O militante do PCdoB e governador do Maranhão Flavio Dino publicou um novo artigo (https://oglobo.globo.com/opiniao/caminhar-com-mandela-24545349), traçando paralelos com Mandela, o seu partido – CNA, e o apartheid.

O artigo possui dois momentos distintos, permeado de afirmações genéricas consensuais na militância de esquerda, como a necessidade de união dos progressistas contra o bolsonarismo. Na primeira parte discorre sobre a ameaça que representa Bolsonaro, agora e em possível reeleição, critica uma abstrata esquerda conservadora, e aciona argumentos em favor da Frente Ampla sem citá-la. Na segunda parte aborda a questão da união e organização dos progressistas. Aliás, a única vez em que o termo “esquerda” aparece no artigo é acompanhado do desqualificador “conservadora”.

Em termos gerais, as entrelinhas do artigo defendem a Frente Ampla e defendem uma reorganização da esquerda em termos partidários. Faz isto com sutileza e qualidade argumentativa.

Entre as sutilezas e qualidade retórica está a citação de Mandela e do Congresso Nacional Africano (CNA). Dino nos convida a refletir sobre a experiencia sul-africana, que entendeu que “nenhuma diferença poderia ser mais importante do que acabar com o apartheid”, e que para tal o partido “deveria ser, naquele momento, uma generosa tenda a acolher diversas correntes políticas”.

Podemos supor que o exemplo usado compara a necessidade de acabar com o apartheid com a necessidade de acabarmos com o governo Bolsonaro. Ao final trataremos da questão do CNA para a realidade brasileira. Desde o fim do regime de segregação, em 1994, o CNA é o principal partido político da África do Sul, e acolheu e construiu aliança orgânica com apenas duas forças de esquerda, o Congresso dos Sindicatos Sul-africanos e o Partido Comunista Sul-Africano.

Dito isto cabe indagar onde a experiência de Mandela e do CNA sustentam alianças e manifestos com a direita e neoliberais como o PSDB, DEM, FHC, Luciano Huck, Michel Temer, Rodrigo Maia, Rede Globo – a tal Frente Ampla. Tais atores políticos se quer defendem o Fora Bolsonaro, quiçá o impeachment ou cassação da chapa. Esta política não defenderá a Nação, a democracia, os direitos sociais, a cultura e o meio ambiente, como o autor preconiza.

Não se nega a ameaça e a necessidade de enfrentar a disposição autoritária de Bolsonaro e Mourão, ambos defensores da ditadura civil-militar e do torturador Ustra. Tão pouco se pode negligenciar no combate ao ultraliberalismo hoje encarnado em Paulo Guedes, cujas pautas foram aprovadas no Legislativo por Rodrigo Maia e Alcolumbre.

O segundo momento do artigo começa com a afirmação pouco clara de que “se ficarmos presos à configuração política que levou ao desfecho das eleições de 2018, provavelmente ele se repetirá. É hora de olhar para o futuro.”. De qual configuração se deve se libertar? Daquela onde o PT é a maior força social e eleitoral do país? Isto pode agradar ao PDT e PSB que elegeram o PT como seu inimigo principal, mas não constrói força para a questão central de derrotar Bolsonaro e o ultraliberalismo.

O artigo ensaia tratar sobre o futuro ao defender que é preciso “novas estratégias, táticas e ideias” versus uma “esquerda conservadora”. Não esclarece nenhuma destas questões. Quem é a “esquerda conservadora”? A que não vê futuro para a democracia, os direitos dos trabalhadores e a liberdade de expressão fazendo Frente com Rodrigo Maia, Huck, Michel Temer e Sérgio Moro?

Dino não esclarece, mas dá dicas, constituindo o seu artigo em um interessante quebra-cabeça ou mensagem cifrada.

Após citar uma abstrata “esquerda conservadora” e a necessidade de uma configuração diferente da existente em 2018, Dino fala em interregno na acepção gramsciana. Sobre esta noção recupero uma das passagens mais conhecidas de Grasmci: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem”.

O que será exatamente o velho e o novo no interregno de Flavio Dino? Se antes ele lançou o termo “esquerda conservadora”, nos parágrafos seguintes ele ensaia um debate sobre a nova estratégia e termina o artigo sobre as formas concretas de reorganizar o campo progressista, visando as disputas eleitorais futuras.

O artigo diz que para uma nova estratégia que supere o interregno (a morte do velho e o surgimento do novo) é preciso ampliar a audiência do pensamento progressista junta a pessoas não engajadas em movimentos e partidos. Esta ampliação é uma obviedade antiga para a disputa de hegemonia, assim como conquistar aparelhos privados de hegemonia, conforme Gramsci.

Dino cita um “centro” a ser alcançado. Não fica claro se está chamando as pessoas não engajadas de centro político no espectro esquerda-direita, ou se o termo “centro” trata da necessidade da ampliação.

Segundo Dino, para chegar a este “centro”, é preciso “alianças” e “modulações programáticas”. Abstratamente ninguém é contra alianças e modulações, isto é uma imposição da política. Nem se trata de “quem tem clareza dos seus propósitos não teme o diálogo com os diferentes.”, frase de efeito. A questão é com quem, de que tipo e com qual modulação fazer aliança. Por exemplo, é aceitável aliança com neoliberais, com quem defende a injusta e antidemocrática condenação de Lula? A frase parece mais uma provocadora defesa implícita da Frente Ampla?

Ao dizer que as disputas no campo progressista são mais sobre o passado do que propostas para o futuro, Dino tangencia a polêmica entre Frente Ampla e Frente de Esquerda. E tangencia a postura agressiva e sectária de Ciro Gomes e do PSB frente ao PT e a Lula. A questão da Frente Ampla fica subsumida quando cita os social-democratas entre as bases e atores a estarem unidos contra o bolsonarismo. De quem exatamente ele está falando? Contra o bolsonarismo fazendo e defendendo o que?

A partir de então, o artigo inicia o anúncio da sua proposta de uma nova organização dos “progressistas”. Fala que a forma jurídica que viabilizará a atuação conjunta é inevitável por conta das clausulas de desempenho e fim das coligações proporcionais. Ou seja, o foco dele são as eleições e a força partidária que permita disputar. Natural que a preocupação aumente sendo ele de um valoroso partido, mas que possui dificuldade de cumprir a cláusula de barreira. Daí cita experiencias internacionais como “federações partidárias ou frentes reunidas em um partido”.

Em termos de coerência com o exemplo de Mandela e o CNA, poderíamos especular que Flavio Dino está sondando o PT sobre uma possível postura generosa de receber em seu interior as demais forças dispostas a dar fim ao governo Bolsonaro e suas políticas, mantendo as suas identidades e dinâmicas próprias. Ou está anunciando a fusão entre PCdoB, PSB e PV, vide ter sido convidado pelo PSB para concorrer à Presidência da República.

Flavio Dino é um grande quadro da esquerda brasileira, mas a caminhada parece mais ser com Tony Blair.

(*) Olavo Brandão Carneiro é membro da Comissão Executiva Estadual PT-RJ e militante da tendência interna Articulação de Esquerda

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