As “rosas” silenciadas: sobre Rosa de Luxemburgo e outras intelectuais feministas

Por Vera Lúcia Caixeta[1]

É urgente romper com os silêncios que marcam as publicações e as trajetórias das mulheres intelectuais. Entre elas, está Rosa de Luxemburgo e sua obra “O Socialismo e as Igrejas”, de 1905.

Parabenizo o companheiro Hilton Faria da Silva pela organização e publicação dessa obra tão necessária nos dias de hoje. Um texto escrito a mais de cem anos (1905) e que permanece atual. Uma obra que continua nos desafiando a pensar a relação das esquerdas com as Igrejas, pois, a despeito de tratar da alma, do espírito, etc., elas acumulam enorme poder material, simbólico e político e nem sempre as Igrejas estão a favor da luta revolucionária da classe trabalhadora.

O que podemos apreender hoje com a leitura do livro de Rosa de Luxemburgo? Mas, principalmente, por que esse texto tão potente, demorou tanto para chegar às nossas mãos? Por que do silenciamento acerca das contribuições intelectuais das mulheres nos diversos campos disciplinares? Por que as mulheres se mantem em larga medida, como “o outro” silenciado, marginal e periférico nos cânones historiográficos e na memória disciplinar?

Com certeza, ao ler Rosa de Luxemburgo e outras intelectuais somos levados/as a questionar as bibliografias utilizadas nos cursos para formação de professores, a exemplo do curso de Licenciatura em História, ainda marcado pela exigência de leituras dos textos escritos pelos homens!  Qual a proporção de autoras indicadas nas nossas bibliografias ao se comparar com as masculinas? Quais as razões para a eterna chancela da produção acadêmica masculina em detrimento da feminina? Ao discutirmos o lugar periférico, quando não invisibilizado da produção acadêmica feminina, estamos lidando com o gênero enquanto categoria de análise. Tratar de relações de gênero é pensar no quanto as hierarquias sociais estão marcadas pela concepção patriarcal de poder, tratando a produção intelectual das mulheres apenas como uma espécie de suplemento da produção masculina.

Sem dúvidas, o silenciamento sobre a produção acadêmica de Rosa de Luxemburgo, a exemplo do livro agora lançado “O socialismo e as Igrejas”, se explica em grande parte, por uma questão de gênero. Exemplar nesse sentido, são as instituições históricas (IHGB- Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro criado em meados do século XIX) e literárias (ABL – Academia Brasileira de Letras – início do século XX), ambas não permitiram a entrada de associadas mulheres até o final do século XX. Assim, a estratégia do não reconhecimento disciplinar, da não validação da mulher como produtora de conhecimento legítimo tem uma longa trajetória entre nós e ainda não foi superada.

Os próprios pais fundadores da Revista dos Annales Marc Bloch, Lucian Febvre, nos anos de 1920, que revolucionaram a História, construíram linhagens de filiação, transmissão e sucessão intelectual que constituía “numa verdadeira confraria de irmãos franceses”. Apenas duas historiadoras tiveram seus trabalhos publicados na revista dos Annales entre 1929-1944, Therese Sclafert  e Lucie Varga (1904-1941), nenhuma delas garantiu visibilidade póstuma, ou seja, não tiveram seus nomes incluídos na memória da “história dos Annales”. Trata-se de casos exemplares de esquecimento e apagamento da produção intelectual feminina da memória disciplinar.

É preciso lembrar da intelectual negra Carolina Maria de Jesus que não foi reconhecida como literata, com seu “Quarto de Despejo”, publicado em várias línguas e edições, correu o mundo, nas não recebeu o devido reconhecimento pelo cânone literário de sua época. Enfim, todas essas intelectuais femininas são exemplos das eternas “rosas” invisibilizadas, silenciadas, apagadas pelos cânones disciplinares presentes na sociedade patriarcal e colonialista do seu tempo.

Mas, quem foi Rosa de Luxemburgo? O que ela defendia, em qual contexto?

Rosa foi uma filósofa, economista e militante polaco-alemã, nasceu em 05/03/1871 e foi assassinada em Berlim-Alemanha em 15/01/1919 (aos 47 anos). Ela é fundadora do Partido Comunista Alemão. Ela viveu durante a expansão imperialista: “levar a civilização aos povos atrasados”, que na verdade significava a concentração das riquezas nos países centrais do capitalismo (a exemplo da Alemanha, da França, da Inglaterra, etc) e da desestruturação dos modos de viver das populações colonizadas – África, Ásia, América Latina – portanto, a concentração de riquezas nos países centrais é fruto da colonização.

De certo, o livro de Rosa de Luxemburgo aponta hoje para a necessidade das esquerdas de identificação dos “companheiros” de luta contra o capitalismo e dos inimigos a serem enfrentados. É verdade que no Manifesto Comunista Karl Marx (1848) já havia identificado as forças revolucionárias “o proletariado” (proprietários da força de trabalho) versus a burguesia (proprietária dos bens de produção). Marx também já havia sublinhado o papel da religião na conformação social, a famosa frase “a religião é o ópio do povo”. Todavia, Rosa de Luxemburgo percebeu que deveria historicizar o papel das Igrejas, de forma especial, da igreja católica, da doutrina cristã e o posicionamento ou melhor (re)posicionamento da elite eclesiástica com relação aos ensinamentos do Messias, ao longo do tempo, para revelar um distanciamento dos valores e posições defendidas pelo Salvador!

Metodologicamente, Rosa de Luxemburgo parte do levantamento do contexto alemão e Russo do início do século XX para identificar o lado assumido pela Igreja Católica nas lutas libertárias da classe operária, ela parece querer responder a seguinte questão: Ora, nas lutas dos trabalhadores pela emancipação eles vão encontrar nos servidores da Igreja, aliados ou inimigos? A Igreja pode ser o “refúgio dos explorados”, na sua luta contra a opressão capitalista ou não?

Porém, aqui caberia algumas reflexões: em primeiro lugar, não dá para tratar a Igreja Católica como um bloco monolítico, a exemplo das divisões entre as correntes conservadoras e elitistas como os “Carismáticos” e a teologia da libertação, corrente libertária. Em algumas regiões do Brasil, os camponeses/as foram também os fieis católicos que se formaram nas CEBS, assim a igreja progressista e os movimentos sociais se fortaleceram respectivamente. Porém, na mesma década de 1980, por exemplo, a maioria do clero permaneceu aliado com as elites locais, ou seja, na sua marcha conservadora. E, por fim, com enorme intervenção da Cúria Romana, a Teologia da Libertação foi derrotada para sobressair a perspectiva conservadora da “Renovação Carismática” de matriz católica e, por fim, ocorreu uma migração de fieis católicos para as igrejas evangélicas.

Em segundo lugar, há que considerar hoje, a perda de fieis da Igreja Católica e das Igrejas protestantes tradicionais e o fortalecimento das igrejas evangélicas. Estas passaram da teologia da prosperidade (final do século XX) para a teologia do domínio (início do século XXI). Esta, parece ter o poder de atrair as massas e direcioná-las contra as alternativas revolucionárias, especialmente, a socialista. Enfim, a classe trabalhadora que deveria fazer a revolução, na perspectiva de Marx e Rosa de Luxemburgo, ocupam hoje as igrejas e reforçam as fileiras conservadoras. Grande desafio para as esquerdas do mundo periférico! Para manter a esperança e rearticular as forças revolucionárias, vale a pena conhecer o texto de Rosa de Luxemburgo.  Por gentileza, entre em contato com Hilton Faria (hfs1969@gmail.com)

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PENSAMENTOS DE ROSA DE LUXEMBURGO

“Quem é feminista e não é de esquerda, carece de estratégia”.

“Quem é de esquerda é não é feminista, carece de profundidade”.

“A coisa mais revolucionária que se pode fazer é sempre proclamar em voz alta o que está acontecendo”.

“Os trabalhadores devem lutar contra os inimigos dos seus direitos e da sua libertação. Porque o inimigo é todo aquele que ajuda a preservar o regime de exploração, de miséria, quer esteja de batina ou de uniforme da polícia”

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Bibliografia

LUXEMBURGO, Rosa. O Socialismo e as Igrejas. 1905. Edição e revisão do texto Hilton Faria Silva, 2024.

OLIVEIRA, Maria da Glória. Os sons do silêncio: interpelações feministas decoloniais à história da historiografia. Hist. Historiogr. V.11. n.28, set-dez, ano 2018, p.104-140.


[1] Doutora em História e professora do curso de Licenciatura em História UFNT e do Mestrado Profissional em História – PROFHISTÓRIA – UFNT.

Uma resposta

  1. Achei muito profunda a leitura de Rosa de Luxemburgo.Narra uma história de luta pela libertação dos pobres oprimidos. Lutava pela dignidade dos excluídos. Vou repassar este texto.

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