Balanço de um ano

Nesta entrevista, o arquiteto Licio Lobo, da direção estadual da tendência petista Articulação de Esquerda, faz um balanço deste primeiro ano do governo Tarcísio

Página 13: O governo Tarcísio completa um ano em janeiro. Qual balanço você faz destes primeiros 365 dias?

Licio Lobo: Neste primeiro ano de governo que vai se encerrando, o Tarcísio confirmou as piores expectativas que já vinham anunciadas na gênese da sua candidatura. Acima de tudo, politicamente, ele vem se consolidando como um herdeiro do bolsonarismo em São Paulo, ao mesmo tempo que amplia as suas relações com setores tradicionais da direita paulista, destacadamente aqueles que vêm se abrigando no PSD sob a liderança de Gilberto Kassab. Um pequeno parêntese aqui: é digno de nota o fato de que o PSD multiplicou por sete o número de prefeitos no estado de São Paulo durante este ano, passando de 46 para 329 desde dezembro de 2022 até o momento atual, período em que Kassab vem atuando como secretário de Governo do Tarcísio.

Com base neste amálgama de forças que engloba a extrema-direita, a direita tradicional e os espólios do tucanato, Tarcísio vai construindo sua própria marca, combinando a exacerbação do neoliberalismo com a escalada de posturas neofascistas. Paulatinamente, vai tentando se credenciar inclusive como uma alternativa das classes dominantes para a disputa presidencial de 2026, que terá um importante termômetro das municipais do ano que vem.

O fato é que, na medida em que os governos tucanos foram se enfraquecendo e o PSDB se desintegrando enquanto alternativa de representação para as classes dominantes em São Paulo, o bolsonarismo se credenciou neste papel, e Tarcísio cumpre um importante papel neste processo.

A agenda neoliberal que vinha patinando com as dificuldades do governo Dória foi retomada com intensidade redobrada, acompanhada de um recrudescimento na postura repressiva do Estado com a nomeação de um secretário pública e assumidamente fascista, ex-comandante da ROTA. Para além do balanço setorial e de políticas públicas, que podemos detalhar a seguir, o essencial, então, é que Tarcísio vai se afirmando, eu diria perigosamente, como um hábil defensor dos interesses do grande capital, manipulando um coquetel explosivo de escalada repressiva e agressividade no aprofundamento da agenda neoliberal.

Como tem sido o tratamento do governo aos trabalhadores paulistas?

Consequente com este programa que descrevi acima, o governo Tarcísio vem tratando de “aprimorar” os aspectos repressivos do aparelho de estado e, ao mesmo tempo, de avançar no retrocesso das políticas públicas de atendimento aos direitos da população. Na prática, isto tem implicado em mais ataques à população periférica, especialmente a juventude negra. A este respeito, é paradigmático o episódio da “chacina do Guarujá”, em que 28 moradores foram mortos pela ação da PM durante uma operação policial que se estendeu por 40 dias, com denúncias de torturas e execuções indiscriminadas até hoje não devidamente apuradas. Esta faceta repressiva se aplica também em outro diapasão ao tratamento dado aos movimentos dos trabalhadores. Na greve realizada dia 28 de novembro, por exemplo, foi realizada uma grande ofensiva para tentar impedir o movimento, com ameaças de punições individuais contra quem participar da greve e uma multa milionária contra os sindicatos.

Como avalia a proposta de privatização da Sabesp, CPTM, Metrô?

Estas propostas de privatização representam a ponta de lança dos interesses políticos e econômicos representados pelo governo Tarcísio e atendem, fundamentalmente, ao capital financeiro.

A Sabesp, por exemplo, desde a década de 90, é cobiçada por este capital, quando deixou de ser 100% estatal e se tornou uma empresa de capital aberto, com o governo paulista sendo o sócio majoritário com pouco mais de 50% das ações.

Agora, o governo Tarcísio quer dar um passo adiante e vender de vez a empresa, e tem atuado fortemente neste sentido desde o início do seu mandato, quando anunciou, em grande estilo, no Fórum Econômico de Davos, a intenção de vender a empresa.

Nas últimas semanas, ele tem procurado acelerar a tramitação do projeto de privatização na Assembleia Legislativa, atropelando o regimento e anunciando a intenção de votar ainda este ano.

Os riscos para a população, com a votação deste projeto, são imensos. Hoje a Sabesp é responsável por um terço dos investimentos em saneamento que são feitos no Brasil todo ano, atendendo 375 municípios do estado, com destaque para a capital. Destes municípios atendidos pela empresa, a imensa maioria, 310, já tem o que se chama de 300%: 100% de abastecimento de água, 100% do esgoto coletado e 100% de tratamento do esgoto coletado. No total, 30 milhões de paulistas, 70% da população do estado, está coberta pela Sabesp. A Sabesp continua sendo uma empresa de excelência, com quadros técnicos capacitados e grande capacidade de investimento. Tudo isto não obstante os estragos que a lógica de mercado causou à empresa nos últimos anos, com aumento das terceirizações e demissão de funcionários.

Na lógica privada, as tendências regressivas, inevitavelmente, irão predominar e o lucro passará a ser o objetivo principal da empresa, com o pagamento de dividendos aos acionistas e risco de atrasos e diminuição dos investimentos e perda de qualidade na manutenção do sistema, como ficou evidente, recentemente, no caso da energia elétrica, com a atuação desastrosa da Enel privatizada.

É preciso ressaltar também que o setor público de saneamento adota práticas de subsídios cruzados que equilibram as receitas com a ampliação de serviços à população, com regiões de maior rentabilidade garantindo o investimento em áreas menos rentáveis, como as zonas rurais e assentamentos precários nas periferias das grandes cidades, ao mesmo tempo garantindo tarifa social para a população de baixa renda. A mesma lógica vale para o Metrô e a CPTM, que têm sido progressivamente privatizados com a concessão de linhas à iniciativa privada através de grandes consórcios, como o Via Mobilidade da CCR, que presta um péssimo serviço à população, consórcios estes que contam com a participação de grandes fundos estrangeiros.

Como se tem feito o enfrentamento a essas privatizações?

O movimento sindical das categorias ameaçadas tem feito importantes mobilizações em oposição às privatizações, buscando alianças com os movimentos populares e atuando em sintonia com as bancadas dos partidos de esquerda que têm se oposto ao governo Tarcísio na Assembleia Legislativa, em especial PT, PCdoB e PSOL.

Uma iniciativa importante foi o lançamento de um Plebiscito Popular contra as privatizações da Sabesp, Metrô e CPTM. Foi um momento importante para ampliar o diálogo com a população, partindo do princípio de que a questão das privatizações não é um problema só dos trabalhadores dessas categorias, mas um problema de todo o povo de São Paulo.

Num período de aproximadamente dois meses, de setembro ao início de novembro, foram coletados 879.431 votos nas comunidades, sindicatos e locais de grande concentração, como estações de trem e metrô. O resultado do   plebiscito popular foi o seguinte: 97% contra as privatizações; 0,72% a favor das privatizações; 2,28% nulos e brancos. O resultado do plebiscito popular demonstrou, concretamente, que a população paulista é contra as privatizações, como já vinha sendo aferido por pesquisas de opinião pública no primeiro semestre.

Outras iniciativas importantes foram as greves dos metroviários, ferroviários e trabalhadores da Sabesp realizadas nos dias 3 de outubro e 28 de novembro, com grande adesão das categorias. Estas greves trouxeram o debate sobre as privatizações para o centro da conjuntura e desmascararam as propostas do governo do estado. A reação de Tarcísio foi dobrar a aposta e forçar a votação do projeto de privatização da Sabesp ainda este ano, tentando evitar o debate da questão no período eleitoral. Esta luta vai ter alguns rounds ainda. É preciso reforçar a organização do movimento e adotar táticas que possam combater a sanha privatista, combinando a luta popular direta com a oposição parlamentar na Alesp.

A forma como o governo Tarcísio trata a questão de segurança pública interfere na vida dos trabalhadores e suas famílias?

Como já foi dito anteriormente, a receita básica do Tarcísio na área da segurança pública é aumento da repressão e da truculência policial. Não por acaso, boa parte da tropa de choque bolsonarista na Assembleia Legislativa é composta por ex-oficiais da PM e membros do aparato de repressão.

Na escalada repressiva do Estado, as principais vítimas são os jovens negros das periferias. O genocídio da juventude negra é um dos reflexos do racismo estrutural e da desigualdade de nosso país.

Os dados mais recentes mostram que a chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. A taxa de violência letal contra pessoas negras foi 162% maior que entre não negras.

A educação tem sido muito atacada também. Como avalia as ações do governo paulista nesta área?

A política de Tarcísio para a Educação, com o secretário Renato Feder à frente da pasta, aprofunda e radicaliza as medidas de destruição da educação pública que já vinham sendo implementadas pelos governos anteriores, do PSDB.

A gestão tem sido caracterizada por cortes de verbas para a educação e pela implantação desastrosa do “Novo Ensino Médio”, além das contratações precárias e da implantação do ideário neoliberal para a educação gestado nas fundações privadas Lemann, Ayrton Senna e outras, interessadas em parcelas das verbas pública para engordar seus cofres.

Na vida real, em nome do mal denominado PEI, centenas de salas de aula foram fechadas, principalmente nas periferias e no período noturno, dificultando ainda mais o acesso da classe trabalhadoras à educação pública.

A última medida do governador foi o envio de uma PEC à Assembleia Legislativa reduzindo o investimento mínimo em educação de 30% para 25%. A redução significaria 9 bilhões de reais a menos de investimentos na educação pública do estado de São Paulo, num quadro em que as escolas estão sucateadas e os salários dos trabalhadores da educação são desvalorizados.

De que forma os trabalhadores podem ajudar no enfrentamento às políticas deste governo?

A experiência dos últimos anos tem mostrado que é preciso impulsionar a organização de base dos trabalhadores nos locais de trabalho e moradia para impor derrotas às políticas neoliberais e derrotar a direita e a extrema-direita. Esta tem sido a grande dificuldade da esquerda, mas é o único caminho para romper o cerco da desmobilização e da captura de grande parte das classes trabalhadoras pela despolitização semeada pela direita. A verdade é que grande parte da esquerda segue na lógica meramente institucional, agora na lógica de uma frente ampla que nos amarra em alianças com inimigos de classe. O que está colocado para o PT é reabrir o debate sobre a estratégia adotada no Brasil e aqui no estado de São Paulo e nos reposicionarmos para um combate mais eficaz ao governo Tarcísio no ano que vem. Sem disputar as ruas, será cada vez mais difícil vencer nas urnas. Esperamos que setores mais amplos do PT e de toda esquerda se deem conta disto e possam ajudar a classe trabalhadora no seu movimento. Desde ponto de vista o papel da CUT e dos sindicatos é fundamental.

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