Base de Alcântara: a soberania nacional em questão

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Por Marcos Jakoby

No dia 21 de agosto a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados aprovou relatório acerca do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) assinado por Bolsonaro e Trump, no dia 18 de março último, que permitirá aos EUA utilizarem a base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de foguetes e satélites.  PT e PSOL votaram contra, enquanto PSB, PDT e PC do B votaram favoravelmente, embora com ressalvas.   Essa divisão no campo da esquerda acerca do tema gerou várias interpretações e justificativas.

Uma das linhas de argumentação dos que votaram favoravelmente é de que se trata de um acordo técnico, que visa simplesmente resguardar a tecnologia dos norte-americanos, que dominam o setor. Que é um acordo que vários países realizam e não impede que façamos também com outros países. E que, portanto, não viola a soberania nacional.  O PC do B ainda no dia 21 lançou uma matéria em seu site explicando as razões do seu voto (https://pcdob.org.br/noticias/pcdob-faz-ressalvas-ao-acordo-mas-vota-favoravel-a-base-de-alcantara/).

A matéria se baseia no voto da deputada do PC do B, Perpétua Almeida, que “ressalta que a relação de subordinação do governo Bolsonaro aos Estados Unidos turva as águas do debate sobre o acordo, mas tem a convicção de que o país ganha com a possibilidade de incrementar o uso da sua base.”  Ela tem razão quando diz que o acordo não pode ser reduzido à sua dimensão ideológica ou aos governos. O acordo estabelece os termos para o uso de parte de nosso território por uma reconhecida potência imperialista, que historicamente agiu em nosso continente, e em nosso país, para impor os seus interesses, seja por meio da espionagem, seja apoiando golpes militares, seja financiando organizações reacionárias e golpistas, ou seja pela sua presença direta. Essa trajetória vai muito além de Trump e Bolsonaro.  Isso, em si, já deveria ser uma razão o suficiente para a esquerda de conjunto rechaçar e denunciar o acordo. Não podemos esquecer: recentemente, há poucos anos, ficamos conhecendo a espionagem eletrônica norte-americana sobre a Petrobrás e a ex-presidenta Dilma.

Vejam, o acordo é entre Brasil e EUA, e mesmo a base sendo em nosso país, os norte-americanos impõem condições e critérios para que outros países a usem. Em outras palavras, não teremos soberania para definir quais são outras nações que poderão também usarem a base. Dois trechos do acordo: 1) “não permitir o lançamento, a partir do Centro Espacial de Alcântara, de Espaçonaves Estrangeiras ou Veículos de Lançamento Estrangeiros de Propriedade ou sob controle de países os quais, na ocasião do lançamento: i) estejam sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas; ou ii) tenham governos designados por uma das Partes como havendo repetidamente provido apoio a atos de terrorismo internacional.” 2) “não permitir o ingresso significativo, quantitativa ou qualitativamente, de equipamentos, tecnologias, mão-de-obra ou recursos financeiros no Centro Espacial de Alcântara, oriundos de países que não sejam Parceiros (membros) do Regime de Controle de Tecnologia de Misseis (MTCR), exceto se de outro modo acordado entre as Partes.”

Já a matéria argumenta: “com ela [base] em funcionamento na sua plena capacidade, surge a potencialidade de outras iniciativas, como mais acordos de lançamentos com outros países e o projeto de construção de um polo de tecnologia em suas imediações”. Com quais países, com aqueles que os EUA derem um “OK”?  Por exemplo, a China não faz parte do MTCR.

A matéria do PC do B ainda crava que o acordo “não estabelece um enclave norte-americano em território brasileiro”. Sim, não há uma cessão formal da base aos norte-americanos, mas o acordo estabelece que “apenas pessoas autorizadas pelo Governo dos Estados Unidos da América deverão ter acesso aos veículos de lançamento (…) (nas) áreas restritas. (…) (O) livre acesso a qualquer tempo, para inspecionar, nas áreas controladas e restritas (…) O acesso às Áreas Restritas deverá ser controlado pelo Governo dos Estados Unidos da América”. Ou seja, na prática estamos cedendo o controle de parte sensível da base.

Outro “detalhe”:  embora o acordo seja para fins comerciais e não militares, ele estabelece que cabe ao governo dos Estados Unidos da América, conforme a sua legislação, permissão (e não obrigatoriedade) aos seus funcionários ou representantes fornecerem informação ao governo brasileiro acerca da presença de materiais radioativos ou outras substâncias potencialmente danosas ao meio ambiente ou à saúde humana, que possam estar presentes nos veículos de lançamento, espaçonaves ou equipamentos dos Estados Unidos.

Materiais radioativos que muitas vezes são usados para fins militares. Soma-se a isso mais o fato da existência de “áreas restritas” de que somente os norte-americanos terão controle e  resultado é mais uma preocupação que não pode ser considerada descabida. Ainda há outro aspecto: não há previsão nenhuma de transferência de tecnologia para o Brasil, o que poderia ser atrativo ao Brasil para o desenvolvimento do setor. A lógica do acordo é justamente a oposta. Então o que realmente ganharemos com esse acordo?  Talvez alguns recursos para o “desenvolvimento regional? Mas a qual custo?

A matéria ainda chamou atenção “para uma questão importante: se a qualquer momento no curso da aplicação do Acordo houver prejuízos ao país, à sua soberania, o Acordo deve ser denunciado, ou seja, extinto”. Mas levando o raciocínio mais à frente: quem  vai “exercer a soberania” e dizer para os americanos que por eventuais ações terão que se retirar, o Exército brasileiro, que vem se mostrando totalmente entreguista e subserviente aos EUA, o STF e o judiciário que operaram a Lava-jato em conluio com aparatos de estado dos EUA, o parlamento brasileiro, que sempre foi conservador em sua maioria e alinhado aos EUA? E se os americanos disserem não?

A tática dos companheiros do PC do B, PDT e PSB foi votar favoravelmente, mas com ressalvas. E estas ressalvas não foram incorporadas e nem serão. Pior, o voto destes parlamentares foi usado pelos representantes do governo Bolsonaro como demonstração de que o acordo é bom, pois contaria inclusive com apoio de parte da oposição; isto é, esses votos deram mais legitimidade para mais um ato entreguista. Por isso, reiteramos o desejo que os demais partidos do campo da oposição de esquerda revejam a sua posição. A questão é que o acordo está longe de ser algo “técnico” e tem uma dimensão geopolítica que não pode ser desconsiderada. E se observarmos seus dispositivos e normas concluiremos que o acordo fere a nossa soberania.

 

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