Campinas centro morto: urbanismo enviesado propõe lugar sem alma

Por Guida CalixtoLuiz Antonio Toka AquinoLuiz Cláudio Bittencourt (*)

Foto acervo MIS-Museu da imagem e do som Campinas editada.

A insensatez pela busca insaciável de novos negócios e projetos novos, faz da Secretaria de Planejamento da prefeitura de Campinas a secretaria dos empreendimentos imobiliários, como se fosse mais um sócio dos empreendedores, ao invés da gestora que deve cuidar da cidade e pensar no seu futuro, deixa de lado sua atividade fim e se reduz a parceira de empreendimentos imobiliários.

Os exemplos fartam, mas aqui destacamos o chamado Centro Histórico de Campinas.

A caracterização do Centro Histórico de Campinas ocorreu nos anos 80 com a Sociedade Febre Amarela liderada pelo arquiteto e professor Antonio da Costa Santos, Toninho. A estratégia à época foi congelar a verticalização através do tombamento de vários imóveis associados à sua área envoltória junto ao CONDEPHAAT São Paulo. Com isso o eixo de aprovação de projetos no Centro Histórico foi deslocado do antigo DU (Departamento de Urbanismo), para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Simultaneamente abria-se a discussão da dimensão cultural dessa área e nascia um dos primeiros conselhos deliberativo do patrimônio cultural municipal, lei elaborada nos espaços da Casa Grande e Tulha.

O Centro Histórico de Campinas não é para amadores, é território de sobreposições de várias camadas arquitetônicas, urbanísticas e culturais. Ali a vida sempre foi intensa e diversa desde o nascimento, lugar de alta densidade construtiva e alta densidade populacional, em seu chão eminentemente público, respira-se liberdade nos becos, ruas e avenidas; nos adros das igrejas; nas praças e largos, sua paisagem não têm dono, ela pertence aos olhos de quem a vê ao caminhar e ler seus espaços.

A palavra revitalização, usada com frequência pela SEPLURB, aproxima-se da insanidade de quem não conhece ou nunca andou pelo centro de Campinas, pois é ali onde toda cidade e a metrópole se encontra e se mistura, onde não há separação entre centro e periferia, é a cidade de todos onde o sentimento do público flui e transborda em todas as direções, sobrepondo diversidades de todos os tipos e cores.

Mas é na retórica, nos desenhos e powerpoint em que se descortina o significado psicótico na intenção dos projetos apresentados. Trata-se de uma substituição de pessoas através do processo de apagamento e limpeza arquitetônica, urbanística e social. Propõe-se o Centro Decor, cheio de Botox, chic, protegido por guarda-chuvas coloridos, um cadáver maquiado com pulseira de diamantes. É um centro apequenado, feio e mesquinho.

A Estação Cultura, não será mais Estação Cultura, será estação shopping mall. O comércio de rua será concentrado, empacotado e isolado em um galpão dentro do pátio ferroviário, a secretaria de cultura e suas atividades também será removida isolada no interior do pátio ferroviário, o sistema de transporte coletivo será dissipado pela rótula e pelo vem e vai do BRT, a higienização social se completa com a higienização funcional. Como na cidade medieval o Centro Histórico de Campinas ficará segregado do conjunto urbano da cidade, imagina-se que nascerá um centro histórico novo sem memórias vivas, a Lei Complementar 76/2022 já evidência de forma inconstitucional esse fato, atropela os instrumentos do Estatuto da Cidade, separa da cidade uma área de privilegiados no interior do Rótula sem o correto debate público.

A diversidade será substituída pela homogeneidade estética ideologicamente imposta como valor absoluto, como se fosse possível transformar todas as camadas, cicatrizes e pátinas do lugar onde ainda existem fragmentos coloniais convivendo com fragmentos do império e da modernidade, por onde circulam e moram todas as camadas sociais que compõem a alma, a riqueza e a vida do universo contemporâneo da metrópole.

Que o Centro Histórico de Campinas, precisa de cuidados não há dúvidas, pois foi abandonado sistematicamente, mesmo assim, é o lugar onde há muita gente, muita vida, muito comércio, serviços e habitações, muito trânsito, muitas infraestruturas, sistema de drenagem pluvial e de subsolo obsoletos. Edifícios antigos requerem cuidados especiais nas instalações elétricas e hidráulica, proteção contra incêndio, cuidados com piso das ruas e calçadas, cuidado com os resíduos sólidos e novos banheiros públicos, e cuidado com atividades criminosas, pois onde há muita gente a oportunidade surge. Ainda assim, apesar dos shoppings, a vida urbana e o comercio se encontram intensamente nos seus espaços. A resposta para isto não é a higienização estética, funcional e social conduzida exclusivamente pelos negócios imobiliários. A resposta é simples, como acontece nas rodoviárias, nos shoppings centers e nos centros históricos das cidades europeias, é gestão, pura e simples gestão, uma administração pública presente adequadamente adaptada a esse contexto, com recursos proporcionalmente ajustados à complexidade e ao tamanho do lugar.

O centro histórico de uma cidade não é como um bairro ou um condomínio fechado, não pode ser o lugar do medo, mas da liberdade, não é lugar da exclusão, mas da inclusão. O projeto de privatização e segregação do centro de Campinas encabeçado pela SEPLURB, pela ACIC e pelo SINDUSCON é obsoleto, um erro urbanístico e uma caricatura histórica de quem não conhece as forças da economia popular e da diversidade sociocultural presentes neste cenário desde a origem. O que farão os comerciantes de lojas sem seu público? A classe média vai deixar de frequentar os shopping centers para retornar ao centro de Campinas? O que farão os ambulantes trancados e isolados em um galpão ferroviário? Haverá de existir resistências a esse erro, e este texto é apenas o início.

(*) Guida Calixto é vereadora pelo PT em Campinas. Luiz Antonio Toka Aquino e Luiz Cláudio Bittencourt são arquitetos urbanistas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *