Por Valter Pomar (*)
Ciro pode ser acusado de muita coisa, menos de ter sangue de barata.
Vale o mesmo para a militância do PT que foi à Avenida Paulista participar do ato contra Bolsonaro.
Sendo assim, era mais ou menos inevitável que ocorresse o que ocorreu.
Isto posto, vale a pena pensar sobre o que disse Ciro Gomes no encerramento de seu discurso no ato de 2 de outubro, a saber: “O povo brasileiro é muito maior do que o fascismo de vermelho ou de verde e amarelo”.
Esta frase – mesmo que tenha sido dita no “calor da emoção”, como as frases de Bolsonaro sobre o Supremo – é a prova de que Ciro não é apenas um ensaio de terceira via.
Ele tem pretensões de teórico da nova-velha-direita.
Vamos por partes.
Na política brasileira há muito mais do que petistas e bolsonaristas, há muito mais do que esquerda e extrema direita.
Esta é a esperança da direita gourmet, que busca construir uma terceira candidatura.
Mas no caminho há duas dificuldades principais.
Primeira dificuldade: a polarização entre Lula e Bolsonaro reduziu o eleitorado que poderia alavancar esta terceira candidatura.
Segunda dificuldade: do ponto de vista programático, a tal terceira candidatura não é uma “terceira via”, pois tanto ela quanto o bolsonarismo são cúmplices na aplicação do programa neoliberal.
Para enfrentar estas duas dificuldades, os expoentes da terceira via escolheram concentrar fogo em Lula e no PT.
Fazem isso para tentar convencer o eleitorado de Bolsonaro de que seriam eles, da direita gourmet, os mais confiáveis para derrotar a esquerda e Lula.
Eleitoralmente falando, está tática não deu certo em 2018 e é mais difícil ainda que dê certo em 2022.
Mas é uma tática coerente do ponto de vista de quem coloca o programa em primeiro lugar.
E o programa desta gente é preservar as “conquistas políticas, sociais, econômicas e culturais do golpismo”.
E Ciro Gomes?
Ciro Gomes busca ir além disso.
Não se contenta em vomitar impropérios tipo “corrupção praticada pela organização criminosa”.
Seus objetivos não são meramente eleitorais.
Ciro defende um certo modelo de desenvolvimento nacional.
Neste modelo, o papel do povo é subalterno.
Mas para garantir esta subalternidade, é necessário “neutralizar” a esquerda.
No pós-Segunda Guerra Mundial isto foi feito utilizando diversos instrumentos, entre os quais “argumentar” que a luta contra o comunismo seria uma continuidade da luta contra o nazismo.
Nazismo e comunismo seriam “totalitários”.
Esta é a pré-história da afirmação de Ciro sobre a esquerda fascista.
Mas há uma diferença.
No Brasil, está afirmação tem digitais… neofascistas.
Por exemplo Olavo de Carvalho: https://www.estudosnacionais.com/32886/olavo-de-carvalho-explica-os-profundos-vinculos-entre-nazismo-e-a-esquerda/
Por exemplo Ernesto Araújo: https://www.poder360.com.br/governo/ernesto-araujo-reafirma-em-texto-que-nazismo-e-fascismo-sao-de-esquerda/
Por exemplo Bolsonaro: https://www.dw.com/pt-br/partidos-alem%C3%A3es-condenam-absurdo-de-bolsonaro-sobre-nazismo/a-48221777
Em resumo: faz tempo que Ciro Gomes não está mais costeando o alambrado.
Seu lugar no espectro político brasileiro não é a esquerda, nem mesmo o centro.
E seu ódio contra Lula e contra o PT não deixam nada a dever ao bolsonarismo.
E se tiver chance, Ciro Gomes vai botar para quebrar.
Que apesar disso tudo ele ainda seja tratado por alguns como aliado malcriado, só Freud explica.
(*) Valter Pomar é professor e membro do Diretório Nacional do PT