Ciro Gomes versão Paris

Carla Orlandina Sanfelici

Um dia após o atentado a bala contra a caravana de Lula, Ciro Gomes passou por Paris, convidado pelo Instituto Castro Alves e pelo curso de língua portuguesa do Brasil, Alter Brasilis. A atividade, intitulada “Novos rumos para o Brasil”, foi abrigada em uma sala cedida pela Sorbonne Nouvelle.

O encontro iniciou com uma hora de atraso. Após pedir desculpas, o candidato do PDT ressaltou que tal atitude não faz parte de sua conduta, pois além de ter como prática a de se locomover em transporte público, desconfia que tenha um ancestral britânico, pois jamais está atrasado.

O anedótico destas desculpas que não são uma diz muito do personagem. Ciro Gomes iniciou o encontro fazendo referência ao pronunciamento de Alckmin, para quem o “PT colheu o que plantou”. E não acrescentou mais nada. Não repudiou o atentado. Soltou a frase de Alckmin e a deixou voando livremente, cabendo a cada um a liberdade de interpretar como queira.

Aos de direita, como se ele aprovasse a frase do governador paulista, aos de esquerda como se estivesse subentendido que ele não estivesse de acordo.

Não subestimemos o personagem, que demonstrou ser inteligente, capaz e diplomado. A ambiguidade é uma escolha.
Quando provocado por membros da mesa, se acaso seguiria os rumos do presidente da França, Emmanuel Macron, que se apresenta como não sendo nem de esquerda nem de direita, Ciro discorreu longamente sobre conceitos que definem o que é esquerda ou direita, para afinal se situar como sendo progressista.

Novamente a ambiguidade. Esquerda? Direita? Não, progressista!

Na mesa, o responsável pela vinda do Ciro à Paris afirmou que a militância petista era delirante em apresentar o golpe de 2016 como fazendo parte de uma estratégia internacional, onde os Estados Unidos teriam sua participação, e que isto era um posicionamento digno de adeptos da teoria da conspiração.

A esta afirmação, aquele que deveria estar levantando a bandeira do Brizola, que justamente tanto atacou os interesses e as implicações do capital financeiro na servidão do Brasil, não reagiu! Nenhuma palavra. Apenas um sorriso. Quem cala consente.

Foi muito instrutivo ouvir Ciro Gomes afirmar que está pronto para dialogar com a esquerda e a direita. Diz-se disposto a ouvir com respeito Marina, Bolsonaro… Sentar para dialogar com o Bolsonaro, com respeito, significaria o legitimar, o considerar como igual e com ideias que podem ser defendidas. A ambiguidade vai mais longe, pois não falamos de direita ou de esquerda, mas da extrema-direita.

Aliás, a estas alturas é bom precisar que estava prevista a presença de Rodrigo Janot nesta atividade com Ciro. Sentar em uma mesa com Janot é dialogar com a Lava Jato. “Novos rumos para o Brasil” apontados pelo Ciro e pelo Janot.

Ciro norteia todo seu discurso na economia. Toda a análise e soluções ele encontra na economia.

Em um país como o Brasil, com a sua complexidade, seu passado escravocrata, elitista, que tem se revelado em atos fascistas, reduzir a análise e solução para o país na economia pode ser considerado como mais um gesto ambíguo na boca do personagem. Sobretudo se considerarmos que justamente por este viés econômico ele desmonta o governo da presidenta Dilma e minimiza o sucesso dos governos Lula.

Servindo-se da análise econômica, vai, de certa maneira ambígua, justificar o golpe, embora frisando que Dilma é uma mulher honesta e sem crime de responsabilidade fiscal.

Utilizando da economia, vai atribuir o êxito dos governos Lula ao preço das commodities e a conjuntura internacional favorável; as políticas públicas inovadoras não repercutiram em nenhuma mudança institucional.

Falou no golpe pelo prisma econômico, sem em momento algum citar o papel da imprensa na construção, manipulação e disseminação de ideias que permitiram a adesão de parte da população ao processo de macular e difamar o PT, a Dilma e o Lula.

Desta maneira Ciro Gomes se protege, tenta não ter a imprensa contra ele. Tampouco tratou do papel da justiça no golpe, até porque estava previsto sentar e discutir com um dos artífices do golpe, o Janot.

Em dado momento afirmou que existiram somente três governos exitosos no Brasil e estes foram os de Jango, de FHC e de Lula. E com isto deixou claro que quer o apoio do PSDB e também do PT.

Declarou com a maior desfaçatez que, se eleito, não governaria com o PMDB. Segundo ele, sem ter feito alusão a nenhuma mudança constitucional, isto é possível e bastaria os deixar na oposição governamental, e que isto por si mesmo os asfixiaria.

O método passe de mágica seria bom, se o ilusionista não revelasse como faz o truque. Bem em seguida a dizer que não governaria com o PMDB, tratou de elogiar o Requião, o que até aí é condizente, mas logo em seguida elogiou o Pedro Simon… e aí ficou visível que o passe de mágica era muito tosco.

Tosco porque não existe razão em elogiar um personagem como o Simon, se de fato Ciro pretende se desvencilhar do PMDB, exceto se o sinal que deseja enviar é dúbio.

Sem especificar um programa de governo, achou necessário precisar que todas as lutas e reivindicações do movimento negro, feminista, LGBT são uma fragmentação de interesses que não resolvem o interesse do Estado.

Se acaso ele tivesse sido explicito que prega como objetivo máximo para o Estado a justiça social, ao contrário de se apresentar como progressista e utilizando uma linguagem meramente economicista, talvez se poderia interpretar como um candidato socialista. Mas da maneira como abordou a luta das minorias, o tom foi de minimizar, sem deixar clara a visão de sociedade que ele defende. Deixando a entender que seria uma sociedade onde a economia preencheria todos os espaços, tendo em vista o apego que demonstrou por ela.

Ao longo de todo o evento citou o Lula, mas em nenhum momento para denunciar o caso de lawfare, sendo ele professor de direito constitucional.

Citou o Lula como alguém que está ciente que se acaso deseje alcançar suas ambições presidenciais, precisaria contar com o apoio do candidato petista.

E aí aproveitou para criticar o apego do que ele considera uma “burocracia” petista, em não apresentar um plano B, deixando evidente que ele se considera como o plano B.

Agiu de maneira despudorada ao querer contar com o “espólio” do PT, sem, no entanto, se conter nas críticas aos nossos governos, à nossa militância e tampouco fornecendo uma análise do estado de exceção em que o Brasil se encontra.

No final do encontro, de maneira triunfante, declarou que achava absurdo que Boulos e Manuela tenham assinado um manifesto em que declaravam que uma eleição sem Lula seria fraude. Segundo o Ciro isto não tem lógica, pois se o pleito fosse fraudulento, estes não deveriam se candidatar.

Nisto o Ciro Gomes não foi ambíguo ou flutuante, foi taxativo. Para ele o fato de que Lula possa a vir a ser impedido a não concorrer às eleições presidências não se caracteriza como uma fraude, ou como mais uma jogada dos golpistas.
Para o Ciro Gomes, eleições sem Lula não são fraude!

Isto tudo me faz lembrar meu saudoso pai anunciando solenemente em 1989 que “o Chefe está mandando votar no sapo barbudo”. Brizola criou este apelido para justificar que a política é a arte de engolir sapos, completando que seria fascinante fazer a elite engolir Lula, o sapo barbudo. Segue valendo. Vão ter de engolir o sapo barbudo. Não tem plano B.

Carla Orlandina Sanfelici é militante do núcleo do PT Paris

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