Classe, substantivo feminino

Contribuição da tendência petista Articulação de Esquerda ao debate sobre a organização sindical das mulheres.

No Brasil, através de muitas lutas, as mulheres conquistaram direitos. No entanto, tais conquistas continuam muito aquém da abolição das desigualdades históricas a que estão submetidas numa sociedade capitalista e patriarcal.

Ao longo dos governos do PT de Lula e Dilma, houve melhorias significativas na vida das mulheres, sobretudo das mulheres trabalhadoras.

O golpe contra a presidenta Dilma, a prisão política de Lula e interdição da sua candidatura e a eleição de Bolsonaro abriram um ciclo de retrocessos marcado pela retirada de direitos, ataque às liberdades democráticas e à soberania nacional, perseguição e criminalização da esquerda e dos movimentos sociais, aumento da pobreza, do desemprego e da violência. Tudo isso foi acompanhado de uma contrarreação patriarcal no que diz respeito à cultura, costumes e direitos que vínhamos, por décadas, lutando para serem reconhecidos.

Juntamente com a destruição dos direitos da classe trabalhadora, vemos o ascenso do ultraconservadorismo fundamentalista, que não apenas impede a consolidação de políticas para as mulheres, como promove profundos retrocessos nas conquistas de direitos e na luta pela autonomia feminina, mediante o reforço da ideologia patriarcal, do controle dos corpos e da vida das mulheres.

Na educação, o projeto Escola sem Partido tem papel fundamental na consolidação de uma ideologia ultraconservadora, prevendo censura à liberdade de expressão e pensamento. A proposta proíbe a discussão sobre violência contra as mulheres e LGBTs, rompe com parâmetros científicos e desafia a barreira do Estado laico.

No capitalismo, a opressão de gênero atinge todas as mulheres. No entanto, a opressão e a exploração de classe atingem também as mulheres trabalhadoras. Assim, uma organização sindical de mulheres deve lutar contra as opressões de gênero e ir além: é necessário lutar também contra a superexploração das trabalhadoras, feita pela classe dos capitalistas e de todos e todas que estejam a seu serviço. A construção de uma sociedade livre do machismo, do racismo, da homolesbotransfobia e de tantas outras formas de opressão ao mesmo tempo transcende e depende da superação do modo de produção capitalista, da construção de uma sociedade socialista.

O debate sobre as pautas das mulheres trabalhadoras na CUT avançou em relação às formulações que defendiam lutas por “etapas”, isto é, quando se dizia que “primeiro vamos resolver a luta de classes, para depois reivindicar direitos das mulheres”. Há um entendimento, hoje, que ambos os processos precisam ser feitos conjuntamente se quisermos aprofundar e acelerar o processo de organização das mulheres trabalhadoras nos sindicatos, que seguem sendo um instrumento indispensável e insubstituível da luta de classes e de organização das trabalhadoras. Para isto, as organizações sindicais precisam incorporar as pautas das mulheres com prioridade no programa geral de lutas, sempre articulando classe, raça e gênero como estruturantes da desigualdade social e da superexploração do trabalho.

As opressões se conectam, promovendo graus cada vez maiores de exploração e de pobreza. É somente pautando o que tange a vida concreta que conseguiremos engajar e organizar as mulheres trabalhadoras no movimento sindical.

Para que possamos aumentar a organização das mulheres trabalhadoras no movimento sindical é preciso compreender a sua diversidade e também distinguir o papel do Partido, dos movimentos feministas e do movimento sindical. Embora haja pontos de intersecção e pautas comuns, a organização das mulheres nos sindicatos é uma tarefa insubstituível e fundamental no processo de emancipação e autonomia da classe trabalhadora.

As mulheres da classe dos capitalistas e aquelas que servem aos seus interesses, embora sofram opressão de gênero, tem interesses de classe antagônicos aos das mulheres trabalhadoras. Os feminismos liberais, neoliberais ou identitaristas tentam colocar identidade de gênero acima e/ou de forma antagônica à luta de classes. Para que possamos organizar as lutas das mulheres trabalhadoras contra a exploração de classe e as opressões de raça e gênero é preciso também identificar e combater a influência do feminismo liberal nas nossas organizações.

É fundamental combinar as lutas contra as políticas econômicas e as ideologias que atacam as mulheres trabalhadoras, não encarando as declarações do governo Bolsonaro e seus representantes como mera cortina de fumaça. É preciso enfrentar de forma contundente suas políticas conservadoras que são mais uma das inúmeras expressões de um sistema capitalista em crise profunda, que busca atacar os direitos da classe trabalhadora para aumentar os níveis de exploração e opressão. Ao mesmo tempo que se constrói o discurso de negação aos direitos políticos, econômicos e individuais das mulheres, as políticas públicas para estas são destruídas ou estranguladas por falta de verba. Os sintomas disto por todo o país são o encerramento das políticas de combate e prevenção às violências contra as mulheres, e o fechamento de delegacias especializadas e casas de acolhimento às vítimas.

O atual recrudescimento da pauta conservadora contra as mulheres confirma que nos períodos de crise como o que vivemos as classes dominantes reforçam o patriarcado com o objetivo de dividir a classe trabalhadora. É necessário, portanto, que as lutas contra a retirada de direitos, precarização do trabalho, desemprego, pela democracia e a liberdade do Presidente Lula caminhem juntas com as lutas em defesa de um Estado laico, que assegure os direitos políticos, econômicos, sociais, culturais, sexuais e reprodutivos das mulheres, pela descriminalização e legalização do aborto e com as lutas de combate ao racismo, ao machismo e à homolesbotransfobia. Por isso, a agenda das mulheres cutistas não abre mão da luta por direitos, do enfrentamento ao Governo Bolsonaro e à coalização golpista e da liberdade de Lula.

A antirreforma da previdência atingirá brutalmente a vida das trabalhadoras e de suas famílias. A maioria das mulheres brasileiras (56,9%) são chefes de família e vivem com seus filhos abaixo da linha da pobreza. Muitas estão no mercado informal, tendo a vida laboral instável, porque são as mulheres que têm mais dificuldades de entrar e permanecer no mercado de trabalho formal. Ao aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição para o acesso à aposentadoria se desconsidera as jornadas dupla e tripla com o trabalho doméstico.

A Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos primários por 20 anos, faz retroceder aceleradamente as políticas de inclusão social, saúde e educação para assegurar o pagamento dos juros da dívida. Entre outros retrocessos que atinge diretamente a vida das mulheres está a inviabilidade da aplicação do Plano Nacional de Educação (PNE) nas metas de atendimento de creche e educação infantil. A falta de creche inviabiliza a inserção das mulheres no mercado de trabalho, ficando reservado a elas postos de trabalhos flexíveis e precários para que consigam conciliar o cuidado dos filhos com o trabalho.

A antirreforma trabalhista, além prejudicar de forma mais intensa quem está em pior condição no mercado de trabalho, também contém dispositivos que atingem gestantes e lactantes comprometendo a saúde das mulheres. Além disso, em relação aos danos morais, as mulheres são prejudicadas também, pois a eventual punição passa a ser proporcional aos salários recebidos, e não mais à severidade do dano. Ou seja, torna-se mais barato assediar mulheres que ganham pouco.

No ano em que a Lei Maria da Penha completa 13 anos, o número de tentativas de feminicídios no Brasil aumentou para 77% no primeiro semestre de 2019 se comparado ao mesmo período do ano anterior. Além disso, temos registrado 180 casos de estupro por dia, atingindo seu maior número desde 2009. Segundo dados de 2019 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a maior parte dessas violências acontece dentro do ambiente doméstico. Isso pode ser compreendido a partir de pelo menos três fatores: 1) os índices de violência contra as mulheres tiveram um aumento mediante a redução da qualidade de vida do conjunto das classes trabalhadoras; 2) os cortes orçamentários destinados às políticas voltadas às mulheres, sobretudo após a EC 95, reduziu drasticamente o investimento às políticas de prevenção e combate à violência contra a mulher; e 3) o próprio discurso empregado por Bolsonaro e membros de seu governo, legitimando uma posição de subordinação das mulheres diante dos homens, estimulou os atos de violência e a impunidade. O fato é que leis como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio só tem eficácia em regimes e governos democráticos, com políticas públicas que garantam o acolhimento, segurança e promoção de emprego e renda às mulheres trabalhadoras vítimas de violência.

No mundo do trabalho, apesar do aumento do número de mulheres que ingressam no setor produtivo, a maior parte delas ainda ocupa postos precarizados e de alta vulnerabilidade, principalmente as inseridas no setor informal da economia. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a inserção das mulheres (52,7%) em atividades produtivas, ainda é menor que o dos homens (71,5%), que apresentam uma remuneração média 28,8% maior que a das mulheres. Além disso, o rendimento médio das mulheres brancas é 70,5% maior do que o das mulheres negras.

A crise não apenas aumenta a desigualdade social como também a desigualdade entre homens e mulheres, uma vez que são as mulheres que mais sofrem com baixos salários, condições precárias de trabalho, dupla jornada e responsabilização pelo cuidado com filhos, idosos e pessoas com deficiência.

Com o aumento da crise, as mulheres também são as mais atingidas pelo desemprego, com cerca de 27,2% de mulheres jovens desempregadas. Do total de mulheres ocupadas, 23,3% trabalham sem carteira assinada, 23,9% exercem atividades por conta própria ou auxiliares da família. Isto significa que quase metade das mulheres inseridas no mercado de trabalho não está regulamentada.

Seja pela imposição social do cuidado com a família, pelas restrições à uma possível gravidez ou pela atribuição de uma falsa incapacidade física e intelectual, as mulheres têm dificuldades de se manter no trabalho assalariado formal, dominado assim pelos homens.  A divisão sexual do trabalho reserva espaços e constrói especificidades para empregar as mulheres que são frutos de uma organização social estruturada no patriarcado. Isto é, criou-se um estereótipo: se considera como atividades femininas aquelas relacionadas ao ambiente doméstico, como os cuidados com a casa e serviços gerais. Hoje, a maior parte das mulheres estão concentradas nas áreas da educação, saúde e serviços sociais (21%), comércio e reparação (19%) e serviços domésticos (14%).

Contraditoriamente, é derivado desta divisão sexual do trabalho o não reconhecimento dos saberes das parteiras como profissionais especializadas da área de saúde. Do mesmo modo, governos de Temer e Bolsonaro vem descumprindo o Plano Nacional de Saúde, que prevê a ampliação das casas de parto como instituições públicas de saúde na rede do SUS.

Atualmente, um dos setores que mais tem crescido é o do cuidado. A maior parte desse trabalho é informal e de baixa remuneração, fazendo com que muitas mulheres precisem combinar mais de um tipo de atividade laboral para a obtenção de melhores rendimentos. É comum encontrar mulheres que trabalham no cuidado de pessoas, também são revendedoras de cosméticos e outros produtos e ainda são empregadas domésticas – uma combinação de trabalhos precarizados e informais.

A superexploração da força de trabalho das mulheres aparece com muita força na revenda de produtos, como utensílios domésticos e cosméticos para grandes empresas, as quais não garantem nenhum tipo de direito ou benefício. Geralmente, esse tipo de trabalho promove um embaralhamento entre o trabalho, o entretenimento e o consumo, dificultando a compreensão e a consciência da exploração a que estão submetidas.

A existência de famílias cuja única renda é provida por mulheres é uma constante na sociedade brasileira. Muitas destas estão desempregadas ou subempregadas, o que torna fundamental uma política sindical dirigida para a organização dos e das “sem emprego”. Isso significa promover uma organização que hoje engloba milhões de brasileiras e brasileiros, vivendo muitas vezes abaixo da linha da pobreza, sem acesso a quaisquer direitos.

Outro segmento econômico com participação massiva das mulheres é o da agricultura familiar. Boa parte dos alimentos que sustentam a vida da população é produzida em cooperativas de pequenas produtoras e produtores, muitas destas produzindo alimentos orgânicos saudáveis e prezando pela preservação dos recursos naturais. Parte significativa das pessoas organizadas no campo está na base da CUT ou de entidades parceiras. É preciso que haja interlocução permanente entre a luta do campo e da cidade. Embora haja pautas especificas das realidades diversas, em muitas demandas há profundas intersecções, devendo somar forças na luta contra a opressão e a exploração capitalista.

As manifestações do dia 8 de março nos últimos anos mostram o potencial das lutas das mulheres para impulsionar o movimento sindical contra a destruição dos direitos. Englobando a defesa dos direitos das trabalhadoras e da previdência articuladas com pautas específicas, é possível construir momentos importantes de resistência que contribuam para a organização das trabalhadoras em patamares muito superior aos atuais.

Uma das maiores manifestações contra o governo Bolsonaro e contra as políticas implementadas a partir do golpe contra Dilma foi a Marcha das Margaridas em agosto de 2019. Mais de cem mil mulheres, organizadas no campo, na floresta e na cidade foram à capital do país com pauta organizada de reinvindicações por melhorias na qualidade de vida, por educação, saúde e segurança e contra as antirreformas da previdência e trabalhista.

Desde a sua fundação, as mulheres se organizam na CUT tanto para conquistar espaços de representação e decisão, quanto pela incorporação das suas pautas específicas nas lutas gerais da Central. No entanto, a atual conjuntura nos coloca outra tarefa fundamental: representar e organizar a maioria da classe trabalhadora. Precisamos avançar na representação, organização e na luta das mulheres dos setores organizados pelo movimento sindical, assim como na inclusão, representação, organização e mobilização das mulheres que estão nos setores mais precários e informais da economia.

Para tanto, é preciso priorizar a construção de novas formas e metodologias de trabalho de base em conexão com as mulheres trabalhadoras, elevando o nível de consciência política e a capacidade organizativa, de ação e de luta. Desta forma, propomos a intensificação e/ou a incorporação dos pontos abaixo na política organizativa e no plano de lutas da CUT:

  1. Investir na organização das trabalhadoras dos setores mais precarizados e informais, de acordo com as diretrizes aprovadas no 13º Concut;
  2. Intensificar as ações em parceria com a Secretaria de Formação Política para formação e organização das mulheres da base, assim como formações mistas que visem universalizar a consciência sobre a realidade, desafios e especificidades que as mulheres trabalhadoras enfrentam no campo, na floresta e na cidade;
  3. Construir metodologias de aproximação, acolhimento e organização das mulheres trabalhadoras nos diversos ramos da economia, no intuito de inseri-las nas organizações sindicais de base;
  4. Construir coletivamente com as Secretarias de Mulheres estaduais uma pauta de luta por direitos para as mulheres que estão trabalhando nos setores precarizados e informais da economia, agregando demandas e diferenças de cada região;
  5. Defender e organizar a luta por um seguro universal da maternidade de pelo menos um salário mínimo durante 6 meses, de modo que todas as mulheres, inclusive aquelas do setor informal e as desempregadas, possam usufruir desse direito;
  6. Construir mecanismos e intermediar o diálogo permanente entre as pautas das trabalhadoras rurais, urbanas e das florestas;
  7. Defender a extensão do Benefício de Prestação Continuada (BCP) também às mulheres que são responsáveis pelo cuidado de filhas e filhos deficientes;
  8. Lutar pelo reconhecimento do valor econômico e social do trabalho doméstico não remunerado, a exemplo de países vizinhos – como a Venezuela, Bolívia, Equador e República Dominicana – que já incorporam em suas constituições o reconhecimento do valor deste trabalho invisível como atividade econômica que produz riqueza e bem-estar social;
  9. Intensificar e tornar transparente os mecanismos de combate às violências sofridas por mulheres no ambiente sindical, assim como os mecanismos de denúncia e acolhimento destas;
  10. Manter e intensificar a luta pela ampliação do acesso a creches, que permanece sendo o maior déficit de vagas na educação;
  11. Reabrir o debate acerca da organização sindical das mulheres em situação de prostituição/profissionais do sexo, a fim de assegurar o seu direito à organização, reivindicar alternativas à prostituição, bem como construir uma pauta e lutas para a garantia de direitos.
  12. Intensificar e atualizar a campanha “Trabalho Igual, Salário Igual”, buscando a criação de mecanismos e ferramentas de luta concretas no combate à desigualdade salarial entre homens e mulheres.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *