Comentários sobre texto recente do Rudá Ricci

Por Valter Pomar (*)

Rudá Ricci

Rudá Ricci escreveu mais um texto sobre o PT, desta vez com o título “PT envelheceu” (reproduzi na íntegra ao final).

Imediatamente, comecei a receber mensagens com o texto, algumas vezes acompanhado de lamentos na linha: “envelhecemos!!!”

Isto parece ser um fato, político e biológico. Mas como sabemos, se a aparência fosse igual a essência, não seria necessário ciência.

Sendo assim, vejamos o que Rudá Ricci diz a respeito nesse texto (recomendo, a quem tiver paciência e tempo, que leia os inúmeros outros textos escritos por RR a respeito do Partido, por exemplo o disponível neste endereço: http://rudaricci.blogspot.com/2009/12/resposta-valter-pomar-da-direcao.html). Evidentemente, recomendo que leiam, mas não por concordar.

Segundo Rudá, no citado texto mais recente, o PT “vive um paradoxo: tem, hoje, as piores direções de sua história, mas se mantém como principal partido do sistema político nacional”.

Confesso que não consigo entender onde estaria o “paradoxo”. Afinal, não existe relação direta entre a qualidade das direções partidárias e o papel ocupado pelos partidos no sistema político nacional. Além do mais, um partido pode ter a pior direção de sua história e, ainda assim, esta direção pode ser melhor do que a dos partidos concorrentes.

Em resumo, o “paradoxo” apontado por RR é boa retórica, mas não necessariamente é boa ciência, faltando algumas mediações para isto. Mas é a partir do tal “paradoxo” que ele desenvolve o seguinte argumento: “um paradoxo que nasce do que denomino de neopetismo ou a geração que emerge à direção do PT (e de novos filiados) no pós-2002, ou seja, com o advento do lulismo. Gente que não vivenciou o período de adversidades e ataques da construção de um partido que se definiu socialista”.

Sem dúvida a maioria dos filiados ao PT é pós 2002. Mas não é verdade que a maioria do núcleo dirigente do PT seja pós-2002. A maioria dos principais dirigentes do PT participou da fase heroica do Partido; portanto, se há problemas de qualidade na direção partidária ou se há problemas de linha política, a responsabilidade principal não é daquilo que RR chama de neopetistas-pós2002.

Mas, claro, é mais cômodo converter um complexo problema político e social, num problema geracional. Cômodo e conveniente, a depender do objetivo político de quem sustenta o argumento.

RR afirma o seguinte: “Em relação aos dirigentes neopetistas, seu perfil passou a ser pragmático, marcado pela lógica rebaixada do marketing (que não se propõe a disputar, mas meramente absorver o ideário popular, mesmo que contrário à linha partidária) e ‘parlamentarizada’.”

Novamente, os problemas apontados existem, mas eles não começaram depois de 2002. Além disso, como sabe qualquer um que conheça o Partido, o pragmatismo e a adesão ao marketing não são privilégios da geração pós2002. Repito: faltam mediações nesta análise de Rudá.

Vejamos agora o tema da “parlamentarização”. Por “parlamentarizada”, Rudá se refere a “uma direção composta por quase exclusivamente deputados, em especial, federais. A prática parlamentar, como sabemos, é afeita a arroubos retóricos e práticas dóceis. Esta é a marca das direções petistas atuais”.

Não sei se Rudá analisou o perfil da bancada federal do PT. Se tivesse feito isto, teria descoberto que a maioria é de filiados antigos ao Partido, o que questiona sua tese acerca da origem geracional do que ele chama de neopetismo. Também não sei se ele levou em conta – ao formular o “argumento” parlamentar/arroubos/docilidade – que todos os presidentes nacionais — Lula, Olívio, Gushiken, Rui, José Eduardo, Berzoini, Dirceu, Tarso, Genoino, Gleisi – foram (alguns seguem sendo) parlamentares. O que é um sinal de que, se for verdade o que ele diz acerca da atual direção e das direções anteriores, é insuficiente apontar o dedo acusador para a atividade parlamentar em si. Novamente, faltam mediações, por exemplo falta debater qual política é defendida em cada momento concreto.

Dos parlamentares, Rudá comete um pequeno salto e afirma que “uma ilustração deste novo perfil de dirigente petista é a dos ‘gestores públicos’, com nítido perfil gerencialista, pouco afeto ao debate ideológico, como Fernando Haddad e Fernando Pimentel”.

Haddad e Pimentel podem ser acusados de muita coisa, mas não vejo como acusá-los de serem pouco “afetos” ao debate ideológico. Mesmo o governador Rui Costa, talvez o mais “gerentão” do pedaço, participa ativamente do debate de ideias. Mais uma vez, os argumentos de Rudá Ricci são do tipo “lugar de fala”; como se o lugar de fala (ser da geração tal, ser parlamentar, ser gestor) definisse por si todo o resto.

Mas o melhor e o pior da análise ainda estão por vir, quando ele critica “dirigentes protocolares, sem capacidade para qualificar o debate nacional ou aprofundar reflexões junto à militância, caso de Gleisi Hoffmann. A diferença com o perfil de dirigentes históricos como José Dirceu ou Genoíno, ou governantes petistas como Erundina é desconcertante”.

O que é “desconcertante”, neste tipo de argumento, é a facilidade com que Rudá distribui atributos e faz comparações, a partir de uma magnânima “escala” pessoal, que é ademais totalmente anacrônica, pois compara pessoas e épocas totalmente diferentes entre si.

Que sentido tem, por exemplo, comparar a Gleisi de hoje com a Erundina de 1989-1992?

Por outro lado, de que Erundina estamos falando? Da radical candidata a prefeita em 1988, da prefeita que em 1992 havia inaugurado o administrativismo, da filiada que rompeu com o PT para ser ministra do governo Itamar, da que voltou para o PT para ser candidata a senadora, da que saiu do PT e foi para o PSB, da que hoje está no PSOL??

Vale o mesmo para a comparação Gleisi/Dirceu/Genoíno. Comparar biografias, fazendo tábula rasa dos momentos históricos diferentes, é um exercício imprudente, para dizer o mínimo. Especialmente se o método for comparar apenas as qualidades de alguns, com apenas os defeitos de outros.

O problema principal do argumento de Rudá é que ele se baseia numa falsa premissa, a tal geração pós2002. Por exemplo, ele diz que “filiados e direções pós-2002 criaram uma lógica de retroalimentação: baixa exigência estratégica, foco no campo institucional, prioridade na consolidação da hegemonia no sistema partidário, criação de clima político de acomodação e baixo conflito, reforço das cúpulas”. O que ele não diz é que as direções pós-2002 são comandadas pela velha guarda do Partido. Portanto, embora seja correto dizer que a maioria dos novos filiados aceita com mais facilidade a linha política moderada adotada pela maioria da direção, é preciso dizer também que a maioria da direção partidária é composta pela velha guarda. Portanto, não estamos diante de um problema essencialmente ou principalmente geracional; mas sim de um problema fundamentalmente político. E isto faz toda a diferença, porque a política pode ser alterada. Mas para isso a política precisa ser debatida, e não convertida/confundida num problema de origem funcional, regional ou geracional (obviamente, estas variáveis influenciam, mas não determinam, como aliás Rudá mesmo confirma, ao dizer que o PT teria se tornado mais um partido de “cabeça branca”).

Infelizmente, Rudá aborda o tema da política por um caminho torto, o da organização. Organização é política concentrada; não o contrário. Por exemplo: o que Rudá chama de declínio da identidade socialista não ocorreu porque o PT transitou de partido de massas para partido de quadros e, depois, para “partido de notáveis”. O declínio do socialismo, nas formulações do PT, tem origem numa escolha feita por um setor do Partido, de concentrar energias no combate ao neoliberalismo e não no combate ao capitalismo; isto tudo num contexto mundial de crise do socialismo soviético. E esta opção veio acompanhada de um aumento da influência de massas do Partido, mas esse aumento ocorreu pela via eleitoral, o que reduziu a força da militância e ampliou a força da burocracia (governantes, parlamentares, funcionários). Setores que, como é óbvio, não morrem de simpatias por uma orientação política que implica na superação do Estado. Isto posto, a relação de causa-e-efeito não é a que Rudá aponta. O problema tem origem na política adotada. E, portanto, dentro de certos limites, pode ser corrigido por outra política.

Enfim, a impressão que me passa ao ler o texto de Rudá é a mesma que me provoca a leitura de uma bula de remédio: problemas, problemas e problemas, tantos que é melhor não tomar este remédio. E, vale destacar, todos os problemas apontados decorrem de práticas e estruturas organizativas (“personalismo”, “mandonismo”, “declínio dos mecanismos de participação das instâncias de base”, “acordos de cúpula”). Claro que há fatos que são reais, mas também há caricaturas como esta aqui: “As famosas análises de conjuntura que eram realizadas em diretórios municipais com participação frequente de dirigentes nacionais do PT, sumiram do mapa”.

Reitero: são citados fatos reais. Mas a maneira como os fatos são citados compõe uma história totalmente unilateral; se a “narrativa” (com o perdão da palavra) de Rudá fosse correspondente aos fatos, não teríamos vencido em 2002, o segundo mandato de Lula não teria ocorrido, o golpe de 2016 não teria sido necessário e assim por diante. Acontece que Rudá precisa ser unilateral, pois esta é a única maneira de tentar ser coerente com a tese do “paradoxo”. Quando, na verdade, não há paradoxo algum; o que há, como sempre houve, é contradição, disputa de linhas, disputa entre alternativas.

Mas esta disputa tampouco aparece no texto de Rudá. É como se o PT fosse um partido monolítico. E o mais curioso é que, quando fala das propostas em disputa, Rudá contenta-se em dizer o seguinte: “Tudo favoreceu a entrada de propostas programáticas de tipo social-liberal (preocupação com políticas sociais e mercado)”. É bem revelador que Rudá esteja mais preocupado com o social-liberalismo (2003-2005, tempos pallocianos) do que com a influência da socialdemocracia; na verdade, sua crítica parece radical, mas não é.

Seja como for, o péssimo humor dele com o Partido não tem nada de aparente. Vejam a descrição a seguir: “acelerada transição para o que a literatura especializada denomina de ‘partido cartel’. Trata-se de partido que independe do eleitor ou da base social, vivendo dos recursos públicos. Em outras palavras, o partido cartel profissionaliza seus quadros a partir de cargos comissionados; alimenta seus prefeitos com emendas parlamentares ou conquista de convênios com o Estado; faz campanha com fundos eleitorais… enfim, a relação com a base social é efêmera”.

O problema existe? Claro. Mas é este o traço dominante do PT? E seria o traço dominante desde 2003??

Se isso fosse verdade, a história dos últimos 17 anos teria sido diferente da que foi. Mas uma análise equilibrada da situação real do PT, apontando os problemas, mas apontando também o outro lado da medalha, não permitiria a Rudá desqualificar o Partido como ele faz. Digo desqualificar, porque até mesmo os elogios que ele faz, como quando fala de nossa força eleitoral, são para ressaltar os problemas.

Vejam o seguinte trecho: “a base petista (ou neopetista) que se forjou nos anos de gestão lulista se acomodou e até mesmo alimentou esta transformação do PT num partido tradicional. Com baixa formação política e acostumada com vitórias e o poder, passou a refutar todas críticas. Ao ouvirem a trajetória de mudança organizativa e de mecanismos internos de tomada de decisão no PT, os neopetistas acusam de saudosismo. O que levaria, assim, à extinção de todo estudo histórico. Outro argumento raso é que se não tivessem mudado, não venceriam eleições”.

O que mais me incomoda neste tipo de descrição é ver o dedo acusador ser apontado… para a base. Segundo Rudá: “com baixa formação política e acostumada com vitórias e o poder, passou a refutar todas críticas”. Pobre da base do Partido. Tem suado a camisa para defender o Partido contra o ataque da direita. E Rudá simplesmente abstrai isto (aliás, onde está a direita no seu texto?).

Volto a repetir: parte do que Rudá diz é verdadeiro. Mas a maneira como ele costura suas afirmações não produz uma análise, mas sim uma caricatura, da qual é abstraída a luta de classes que está em curso no país. É como se a discussão sobre os rumos do PT se desse no vácuo. Exemplo é a frase seguinte: “o problema é que as derrotas eleitorais, para os neopetistas, não são fruto de erro de direção e escolhas partidárias, mas resultado de uma campanha de destruição da imagem do partido. A lógica circular vem empacando o PT: nada muda, nada deve mudar, se alguém tem que mudar é o mundo”.

Claro que há setores do PT que refutam qualquer autocrítica e acabam se limitando a reclamar do fato de que a direita é má, perversa e golpista. Mas atenção: não se trata de paranoia, existe mesmo uma campanha de destruição da imagem do Partido (e não só da “imagem”, vamos lembrar que houve um golpe, que Lula e outros foram presos, que há ações judiciais, que o sindicalismo é objeto de ataques etc.). Frente a isto, é não apenas inevitável, é também necessário um comportamento de autodefesa. Claro que, se ficar só nisso, será um desastre. Mas sem isso, também seria um desastre.

Rudá não percebe isso. Ele fala que “mesmo assim” (ou seja, apesar de cometer tantos erros e de ter tantos problemas), “o PT se mantém como partido-líder ou partido-âncora do sistema partidário”.

O certo seria dizer “em parte graças a isso”, pois é em parte graças a estes comportamentos que Rudá escarnece, em parte graças a resiliência da sua base, que o PT vem conseguindo, até agora, sobreviver.

Rudá termina seu texto dizendo que o PT “tem força eleitoral, mas não gera mais paixões. Não é mais o partido da mudança. Esta é a minha tese”.

Bom, cada um com sua tese.

Eu, por exemplo, quando vejo a mobilização nacional que setores da direita, do centro e até da esquerda fazem contra o PT, eu vejo muita “paixão” envolvida.

Rudá acha que o “PT se acomodou. Como um camaleão, de partido rebelde se tornou um partido da Ordem. O passado lhe confere um perfil aguerrido; os governos lulistas criaram a imagem de partido com preocupação social; mas, na sua definição estratégica, não é mais um partido da mudança social ou política”.

De novo: isto em parte é verdade. Aliás, já em 1993 o manifesto “A hora da verdade” falava contra a domesticação do Partido. Mas isto não é toda a verdade. Como naquela história, o PT poderia dizer que “as notícias sobre minha morte são um pouco exageradas”.

(*) Valter Pomar é professor da UFABC e membro do Diretório Nacional do PT

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PT ENVELHECEU

Por Rudá Ricci

PT vive um paradoxo: tem, hoje, as piores direções de sua história, mas se mantém como principal partido do sistema político nacional. Para mim, um paradoxo que nasce do que denomino de neopetismo ou a geração que emerge à direção do PT (e de novos filiados) no pós-2002, ou seja, com o advento do lulismo. Gente que não vivenciou o período de adversidades e ataques da construção de um partido que se definiu socialista.

Em relação aos dirigentes neopetistas, seu perfil passou a ser pragmático, marcado pela lógica rebaixada do marketing (que não se propõe a disputar, mas meramente absorver o ideário popular, mesmo que contrário à linha partidária) e “parlamentarizada”.

Por “parlamentarizada” me refiro à uma direção composta por quase exclusivamente deputados, em especial, federais. A prática parlamentar, como sabemos, é afeita a arroubos retóricos e práticas dóceis. Esta é a marca das direções petistas atuais.

Uma ilustração deste novo perfil de dirigente petista é a dos “gestores públicos”, com nítido perfil gerencialista, pouco afeto ao debate ideológico, como Fernando Haddad e Fernando Pimentel. Também envolve dirigentes protocolares, sem capacidade para qualificar o debate nacional ou aprofundar reflexões junto à militância, caso de Gleisi Hoffmann. A diferença com o perfil de dirigentes históricos como José Dirceu ou Genoíno, ou governantes petistas como Erundina é desconcertante.

O fato é que filiados e direções pós-2002 criaram uma lógica de retroalimentação: baixa exigência estratégica, foco no campo institucional, prioridade na consolidação da hegemonia no sistema partidário, criação de clima político de acomodação e baixo conflito, reforço das cúpulas.

PT passou a declinar da identidade socialista. Da tradição de partido de massas, passou por uma transição para a noção de partido de quadros que, na medida em que se tornava um partido palatável, acabou se inclinando para ser um “partido de notáveis”.

O personalismo e certo mandonismo forçaram o declínio dos mecanismos de participação das instâncias de base no processo de tomada de decisão partidária.

O encaixe pareceu perfeito porque liberou as direções para acordos de cúpula. As famosas análises de conjuntura que eram realizadas em diretórios municipais com participação frequente de dirigentes nacionais do PT, sumiram do mapa. Nem sombra da época em que os diretórios zonais e os núcleos profissionais tinham peso. Lembro do núcleo de historiadores petistas que lançou uma importante coletânea de discursos de Lula.

Toda esta trajetória de mudança de perfil, ideário e organização acelerou na segunda metade dos anos 1990. As campanhas nacionais de 1994 e 1998 mudaram completamente a ordem das coisas no interior do PT: cúpula e marketing desconstruíram as decisões coletivas.

Ao se acomodar ao pensamento médio brasileiro – sem qualquer intenção de questioná-lo ou mesmo assumir um papel pedagógico da ação política – o PT ganhou em musculatura eleitoral, mas perdeu em termos de vigor criativo e empolgação.

A base passou a ser menos exigente e mais idólatra. De sujeito da construção do PT, passou a ser objeto das manipulações marqueteiras.

Criou-se um encaixe entre cúpulas centralizadoras e de baixa capacidade de direção política e base pouco politizada e de alta passividade militante. Tudo favoreceu a entrada de propostas programáticas de tipo social-liberal (preocupação com políticas sociais e mercado).

PT se tornou, de fato, o fiel do sistema partidário brasileiro. Explico: com alta desigualdade, o maior partido político brasileiro (escolhido como de sua preferência por 25% dos eleitores) se tornou um canal das demandas sociais organizadas.

O passado do PT e suas relações atávicas com pastorais sociais, intelectuais de esquerda, movimentos sociais nacionais, movimento sindical e ONGs progressistas criou o perfil institucional que dialoga com desvalidos.

Uma das características desta mudança profunda no perfil das direções petistas é a acelerada transição para o que a literatura especializada denomina de “partido cartel”. Trata-se de partido que independe do eleitor ou da base social, vivendo dos recursos públicos. Em outras palavras, o partido cartel profissionaliza seus quadros a partir de cargos comissionados; alimenta seus prefeitos com emendas parlamentares ou conquista de convênios com o Estado; faz campanha com fundos eleitorais… enfim, a relação com a base social é efêmera.

Como já afirmei, a base petista (ou neopetista) que se forjou nos anos de gestão lulista se acomodou e até mesmo alimentou esta transformação do PT num partido tradicional. Com baixa formação política e acostumada com vitórias e o poder, passou a refutar todas críticas. Ao ouvirem a trajetória de mudança organizativa e de mecanismos internos de tomada de decisão no PT, os neopetistas acusam de saudosismo. O que levaria, assim, à extinção de todo estudo histórico. Outro argumento raso é que se não tivessem mudado, não venceriam eleições.

O problema é que as derrotas eleitorais, para os neopetistas, não são fruto de erro de direção e escolhas partidárias, mas resultado de uma campanha de destruição da imagem do partido. A lógica circular vem empacando o PT: nada muda, nada deve mudar, se alguém tem que mudar é o mundo.

Durkheim já havia nos ensinado como a solidariedade mecânica (de natureza grupal) é autorreferente. Fechada em relações afetivas e defensivas, qualquer crítica ao grupo ou membro do grupo cria um fechamento ainda maior dos seus membros. A bolha, enfim, é seu habitat.

Mas, mesmo assim, o PT se mantém como partido-líder ou partido-âncora do sistema partidário. Vejamos: Datafolha de 2017 indicava o PT como o de preferência de 21% dos eleitores. No ano passado, pesquisa do Atlas Política indicava se manter nesta posição (com 15%). Tendo 21% ou 15% da preferência dos eleitores brasileiros, o fato é que o segundo partido da preferência aparece com 5%. Mais: o PT é o único partido que, desde 1989, chegou no segundo turno (quando ocorreu) de todas eleições para Presidente da República.

Ainda mais: com Haddad – um candidato sem força eleitoral até mesmo na cidade em que foi prefeito – o PT venceu na maioria dos municípios brasileiros em 2018. Demonstrou, portanto, capilaridade e interiorização. Uma potência eleitoral consolidada.

Assim, PT é o partido mais consolidado e enraizado do sistema partidário brasileiro. Sistema, é verdade, que vem demonstrando fortes rachaduras, com cada vez menor impacto junto ao eleitorado. Então, o que estaria acontecendo? Minha hipótese é: PT se acomodou.

Como um camaleão, de partido rebelde se tornou um partido da Ordem. O passado lhe confere um perfil aguerrido; os governos lulistas criaram a imagem de partido com preocupação social; mas, na sua definição estratégica, não é mais um partido da mudança social ou política.

Acomodado, criou regras e controles internos que impedem a renovação de quadros e limitam drasticamente a disputa no seu interior. Daí ter se tornado mais um partido de “cabeça branca”.

Assim, PT se tornou a expressão viva do sistema partidário brasileiro. Um partido potente porque acomodado ao ideário conservador e pragmático de uma base eleitoral desconfiada e pouco exigente (que deseja sobreviver e se inserir numa sociedade profundamente desigual).

Um alto dirigente petista me disse recentemente que percebe que PT tem garantido entre 20% e 30% dos votos nacionais. Tem força eleitoral, mas não gera mais paixões. Não é mais o partido da mudança. Esta é a minha tese.

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