Por Fausto Antonio (*)
Epigrafias da sábia preta velha
“Não basta chegar ao governo, é preciso enfrentar e derrotar o golpe e os golpistas.”
“A esquerda anti-PT e anti-Lula é a esquerda ideal para abrir caminho para a direita. A esquerda anti-PT e anti-Lula é anti-PT e anti-Lula quaisquer que sejam as políticas adotadas pelo PT.”
O eleitoral é parte da luta contra o golpe
A encruzilhada do eleitoral e da luta contra o golpe (2016), de natureza e estrutura racista, é ponto nuclear para a organização e anterior convocação de um congresso extraordinário do movimento negro e do campo antirracismo. Antes de chegar ao debate específico do congresso, gostaria de pautar alguns pontos concernentes ao contexto do golpe de Estado de 2016 e o contexto eleitoral que, por razões do encruzilhamento da luta contra o golpe e o processo eleitoral, ganha dimensão histórica mais ampla e/ou além do eleitoral.
Quero dizer que este ano, 2022, o processo eleitoral para a presidência têm uma história: a história para consolidar o golpe de Estado de 2016; trabalho da burguesia nacional e do imperialismo e, no campo oposto de disputa, avulta a esquerda brasileira para neutralizar o golpe e derrotar o regime de direita, que está a serviço do imperialismo. O processo eleitoral se dá nesta encruzilhada. Para a esquerda, não existe meio para abstrair, do eleitoral, a luta para derrotar o golpe, os golpistas e os seus instrumentos e métodos políticos, entre outros, a frente ampla sem PT e Lula, a federação às avessas das bases e, por igual relevância, na contramão de um estatuto e um programa amplamente discutidos por trabalhadores (as) e campo popular. É, neste sentido, notadamente repudiada e indesejada a constituição da federação firmada com o PSB, partido de direita e antagônico aos interesses dos trabalhadores e do campo democrático e popular. A chapa Lula e Alckmin é um erro e deixará, no mínimo, o governo vulnerável aos exercícios e ações golpistas.
O apoio a Lula e ao PT, na disputa à presidência em 2022, mesmo considerando a composição de chapa, é a tática eleitoral correta para a luta contra o racismo; o é também, como acúmulo e alta na correlação de forças à esquerda, no processo político de longa duração, que passa pelas mudanças radicais na estrutura capitalista e racista da sociedade brasileira. Outro ponto a ser considerado, pelo Movimento Negro, diz respeito à natureza e à estrutura racista do golpe de 2016 . A superação do golpe, a sua derrota a partir de uma convulsão impulsionada pelas massas negras e de trabalhadores (as) antirracismo, anti-capitalismo e anti-imperialismo, dará dinâmica para avanços políticos contra o racismo além dos marcos do Estado burguês e capitalista. Numa síntese, o apoio a Lula e ao PT é, numa chave encruzilhada, um instrumento para derrotar o golpe branco de 2016, que historicizou as políticas racializadas pela branquitude e/ou racismo.
Muitos dos discursos de Lula, em entrevistas realizadas em janeiro de 2022, enfatizam uma política anti-imperialismo e de embates com o chamado mercado financeiro. São enunciados diretos que reproduzo aqui: “ Não farei um governo para o mercado financieiro”. “ Vou reverter as políticas de privatizações”. Lula bradou, em entrevista aos jornalistas progressistas, “que o Brasil não será quintal dos EUA.” Na coletiva, Lula afirmou “que fará reformas trabalhistas”, política que gera conflito com o mercado e a burguesia. Por fim, Lula vai valorizar a soberania nacional e de solidariedade e parceria com Cuba, Venezuela e Nicarágua .
A despeito das conciliações, Lula não é candidato da burguesia brasileira e do imperialismo. Dentro desses limites e riscos na disputa, na posse e na sustentação do governo, que terá um programa ajustado para os limites de atuação no Estado capitalista e burguês, precisamos de um programa negro-popular de reivindicações, mobilização e lutas à esquerda do apresentado por Lula e PT. O objetivo imediato é garantir a derrota, a partir e não tão-somente do eleitoral, do golpe, dos golpistas e, num movimento além do eleitoral, viabilizar uma outra correlação de forças, que será construída nas bases dos movimentos sociais, da CUT, MST, categorias sindicais, nas ruas e nos comitês de luta e sustentação do governo de caráter democrático, popular , nacionalista e anti-imperialismo enunciado por Lula. As posições à esquerda do programa oficial de Lula e PT são fundamentais para a defesa do governo; não o contrário.
O porquê do Congresso Extraordinário dos Movimentos Negros
O congresso extraordinário dos movimentos negros, para discutir a agenda de luta e o programa antirracismo, anti-capitalismo e anti-imperialismo, se impõe como método de organização e de luta.
Considerando a conjuntura eleitoral esboçada acima, defendemos a convocação, de modo crescente e articulado, de um Congresso Nacional Extraordinário de Negros (as), do Antirracismo e dos Movimentos Negros para o primeiro semestre 2022. O processo poderá ser feito inicialmente, pelo menos a chamada básica, pelos coletivos de negros (as) dos partidos de esquerda. É uma convocação, sendo assim, os coletivos têm legitimidade, pois acolhem e dialogam politicamente com setores expressivos de militantes de diversas organizações que compõem o movimento negro brasileiro. Não se trata de um programa para atacar o futuro governo Lula, mas sim para disputar, no chão da sociedade brasileira, uma hegemonia antirracismo, anti-capitalismo e anti-imperialismo.
Algumas reivindicações que devem ser pautadas, entre outras: a desmilitarização dos morros, favelas, a descriminalização das drogas, a extinção das polícias militares, a democratização dos meios de comunicação e a democratização e exigência de eleição para juízes e juízas. Não basta uma política para a extinção das polícias racistas, é preciso democratizar os meios de comunicação e o sistema jurídico. A propósito dessa necessidade, vale destacar que os meios burgueses de comunicação impulsionam a violência policial contra negros e o sistema jurídico normatiza.
O congresso extraordinário do movimento negro deve sistematizar, depois de ampla discussão, um programa de reivindicações; não é pertinente dirigir apenas crítica ao programa de governo do PT, que será, mesmo na contramão do imperialismo, para administrar o Estado capitalista. O programa de luta do movimento negro deve, a rigor, balizar a luta contra o racismo e ser instrumento para ORGANIZAÇÃO e LUTA dos trabalhadores (as) e do campo popular. O programa será meio para radicalizar, com o avanço e adesão dos trabalhadores (as), no foco enunciado por Lula. Qual o foco precisamente? A política enunciada por Lula deriva para um governo para o povo e não para o mercado financeiro e, de modo indigesto, contrária aos interesses e privilégios dos EUA. O governo Lula vai sustentar a soberania nacional e dará apoio e será parceiro dos países que se opõem ao imperialismo.
A primeira tarefa é no interior do Movimento Negro, da esquerda e espaços populares e dos trabalhadores (as)
O Congresso Extraordinário do Movimento Negro e do Campo Antirracismo tem uma tarefa no contexto dos movimentos negros, da esquerda e do chão da sociedade brasileira. Há um setor da esquerda que é anti-Lula e anti-PT, no entanto, tal setor não tem uma posição crítica e à esquerda do PT ou de Lula. O mesmo ocorre com muitos setores do movimento negro, que são críticos ao PT e a Lula, mas não ficam à esquerda do PT e de Lula, posição que é um impedimento para a elaboração de um programa antirracismo, que não se limita ao ingresso enganoso, pois é para poucos, nos domínios ou limites do capitalismo. A posição seria correta caso empurrasse a luta antirracismo e dos trabalhadores (as) para a esquerda. O que há é uma desconsideração ao caráter nacionalista e de derrota do golpe de 2016. A exemplo de parte da esquerda ou com elas, existem setores de movimento negro anti-Lula e anti- PT, que repetem as chaves ditadas pelo imperialismo e burguesia branca brasileira. Para desvelar a esquerda anti-PT e anti-Lula , caro leitor e leitora, basta levantar as posições, de partidos de esquerda, em defesa da Lava Jato, corrupção e outras políticas pró direita e imperialismo.
(*) Fausto Antonio é escritor, poeta, dramaturgo e professor da Unilab – Bahia