Este texto foi elaborado pela direção estadual da tendência petista Articulação de Esquerda, com o objetivo de contribuir para a aprovação de uma resolução do Diretório estadual do PT SP acerca do tema federação.
1.A Direção Nacional do PT, no dia 16 de dezembro, aprovou uma resolução sobre o tema da Federação Partidária. Esta resolução dizia assim: “cabendo à Comissão Executiva Nacional do Partido conduzir este processo de diálogo para posterior decisão do DN”. Portanto, segundo a resolução do DN, a CEN deveria “conduzir” o processo.
2.Um fato: de 17 de dezembro até as 19h00 do dia 7 de fevereiro, a CEN não se reuniu uma única vez. Não se reuniu e, além disso, até as 19h00 do dia 7 de fevereiro, a CEN não recebeu absolutamente nenhum informe a respeito.
2.Do fato acima decorre outro: as posições defendidas pela companheira Gleisi Hoffmann e pelos demais petistas que tem se reunido com representantes do PSB, do PCdoB e do PV não resultam, portanto, do debate travado previamente nas instâncias nacionais do PT: o Diretório e a Executiva.
3.Na noite de 7 de fevereiro, a partir das 19h00, ocorreu a primeira reunião da executiva nacional do PT no ano de 2022. Esta demora em reunir confirma que outras pessoas (ou instâncias informais) estão assumindo o lugar da executiva e do Diretório do Partido.
4.Um dos pontos tratados na referida reunião da executiva foi o tema da federação. Os informes dados – somados às declarações dadas à imprensa pelo presidente nacional do PSB – confirmaram todas as nossas preocupações acerca da federação.
5.É importante dizer: não somos contra a existência de federações. Nem somos contra – por princípio – que o PT participe de uma federação. Entretanto, somos absolutamente contrários a que o PT participe desta federação que está sendo negociada com o PSB. Nossos motivos são de duas ordens: os estritamente políticos e os político-organizativos.
MOTIVOS ESTRITAMENTE POLÍTICOS
6.Os motivos políticos dizem respeito à nossa avaliação acerca do que é o PSB, de sua conduta no segundo turno das eleições de 2014 (apoiar Aécio), de sua conduta no golpe de 2016 (votar a favor do impeachment), de sua conduta no Congresso nacional (tanto na atual legislatura quanto na anterior, parte importante da bancada vota com a direita), de sua conduta em inúmeros estados e municípios (defendendo posições na média muito distantes da esquerda), de sua atitude nas eleições de 2018 e agora (colocando dificuldades para vender facilidades).
7.A esses motivos, agregamos o seguinte: ao contrário do que imaginavam alguns defensores da federação, estamos assistindo a entrada – no partido “socialista” – de muitos quadros vindos da direita. Não está ocorrendo uma depuração, está ocorrendo uma direitização.
8.Por tudo isso, não concordamos em obrigar o PT a se amarrar – por quatros anos, em todo o país, em todos os estados, em todos os municípios, em todas as bancadas e em todos os governos e eleições – com o PSB.
9.Não é necessário ter federação, para o PSB e o PT coligarem nas eleições presidenciais, ou nas eleições estaduais em vários estados do país.
10.Além disso, uma federação com o PSB vai produzir – nas eleições parlamentares estaduais e nacional – os mesmos efeitos de uma coligação, ou seja, parte da votação dada ao PT vai ser transferida para os partidos coligados/federados.
11.Sem falar no impacto negativo sobre a renovação das bancadas, vitimando em especial os setores historicamente menos representados (trabalhadores, mulheres, negros e negras, juventude, LGBT+ etc.).
12.Além dos motivos estritamente políticos, temos também motivos político-organizativos para ser contra a federação.
MOTIVOS POLÍTICO-ORGANIZATIVOS
13.Os motivos organizativos dizem respeito ao impacto da federação sobre o PT. Em nossa opinião, este impacto será de dois tipos:
i/o PT vai perder parte importante de sua autonomia política;
ii/o PT vai perder parte importante de seu caráter militante.
14.A perda da autonomia do Partido está materializada na proposta de estatuto da federação, que vem sendo debatida nas reuniões já citadas anteriormente.
15.Segundo esta proposta, a federação teria uma Assembleia nacional, que funcionaria como um diretório nacional; e teria uma comissão executiva nacional.
16.A executiva funcionaria assim: uma presidência rotativa (cada ano, um partido ocuparia a presidência da federação); três vice-presidências (ocupadas, também em sistema de rotação, pelos quatro partidos); e 8 secretarias (geral, finanças, jurídica, comunicação, coordenação eleitoral, legislativa, regional e movimentos sociais).
17.Estas secretarias seriam – segundo a proposta em discussão – indicadas pelos partidos e eleitas pela Assembleia. Além disso, cada secretaria teria um “conselho político”.
18.A Assembleia (ou diretório nacional da federação) teria 50 integrantes, dos quais 27 seriam do PT. Já na executiva, o PT teria 6 integrantes.
19.Entretanto, as deliberações da federação seriam adotadas por 2/3 dos membros. Ou seja: para a posição do PT prevalecer, dependeríamos ou de fazer um acordo com o PSB, ou de fazer um acordo com PCdoB + PV.
20.Alguns defensores da federação dizem que este método não tira a autonomia do Partido, pois não havendo consenso ou maioria de 2/3, os partidos seriam liberados para defender suas posições.
21.Os defensores da federação dizem, também, que no limite o PSB, o PV e o PCdoB não teriam como formar uma maioria de 2/3 contra o PT.
22.Assim, ao menos aparentemente, não existiria nenhum risco de perda de autonomia por parte do PT. E de fato assim seria, se o mundo da política fosse um grande parlamento (e, claro, se a bancada do PT na Assembleia da federação votar sempre unida).
23.Mas o mundo não é um grande parlamento. Se não houver consenso nem maioria de 2/3, como ficaria, por exemplo, a indicação das candidaturas a governador, a senador, a prefeito? E como ficariam as indicações das listas de candidaturas às eleições? Nesses casos, ou tem acordo, ou tem decisão, ou a federação não indica candidaturas.
24.Sobre isto, a proposta em discussão – reiteramos, proposta que foi apresentada sem ter sido previamente debatida no DN ou na CEN do PT – prevê o seguinte:
i/sobre as chapas proporcionais em 2022: seria lançada uma quantidade de candidaturas proporcional ao desempenho anterior (ou seja, de acordo com esta proposta a expectativa de ampliação da votação do PT em 2022 não poderá se refletir no lançamento de um número maior de candidaturas petistas);
ii/sobre a chapa majoritária em 2022: valeriam os acordos (donde se compreende a pressão do PSB por receber desde já o nosso apoio em vários estados; e donde se explica, também, a esdrúxula e despolitizada ideia de definir a candidatura a governador de São Paulo com base no resultado de pesquisas);
iii/sobre a chapa majoritária em 2024: ficaria assegurada a candidatura à reeleição dos prefeitos que estejam filiados a algum dos partidos da federação, no momento em que a federação for oficializada (ou seja, onde o PSB tem prefeitos de direita e também onde forem filiados prefeitos de direita ao PSB antes da oficialização da federação, o PT será obrigado a apoiar);
iv/também sobre a chapa majoritária em 2024: naqueles municípios onde os partidos federados não tiverem o prefeito em 2024, poderá ter “preferencia” a candidatura do partido que tinha o prefeito no mandato anterior, ou seja, em 2016-2020 (na prática, os prefeitos eleitos pelo PSB no ano de 2016, surfando na onda do golpe, terão “preferência” frente aos nomes do PT);
v/ainda sobre a chapa majoritária em 2024: onde houver mais de uma candidatura, a decisão final será da executiva nacional da federação (eliminando totalmente a autonomia do PT, pois a decisão local será tomada não pelo Diretório Municipal, nem pelo Diretório Estadual, nem mesmo pelo Diretório Nacional do próprio PT, a decisão será tomada pela executiva nacional da federação).
25.Além disso tudo, a proposta em negociação – sempre lembramos, proposta que não foi aprovada por nenhuma instância do PT – prevê que o funcionamento das bancadas parlamentares seria regulado por uma “resolução política” a ser aprovada pela tal Assembleia geral.
26.Embora tudo esteja em negociação, fica evidente pela proposta acima comentada que estamos diante de medidas que afetarão profundamente a autonomia do Partido, especialmente nos estados e municípios.
27.Sabendo disso, os negociadores agitam uma “cenoura compensatória”: uma suposta revisão estatutária no ano de 2023. Aliás, na reunião do Diretório Nacional do PT realizada em 16 de dezembro de 2021, uma importante dirigente afirmou explicitamente que – se nada der certo com a federação – poderíamos “alterar a lei “que criou as federações. O que revela um grau de “experimentalismo” que, na nossa opinião, é totalmente irresponsável: frente aos problemas imensos decorrentes de montar uma “federação” no afogadilho, promete-se mudar futuramente tudo, fingindo esquecer que “depois” os problemas todos já terão gerado seus efeitos negativos.
28.Um dos efeitos negativos será o seguinte: “o partido que transferir recursos públicos a outro da mesma federação poderá ter suas contas desaprovadas em razão da aplicação irregular desses recursos, o que tornará inócua eventual utilização de uma das agremiações como intermediária para a prática de irregularidades”.
29.Ou seja: depois de muito lutar para que o TSE não aplicasse, ao DN do PT, as responsabilidades decorrentes de atos cometidos pelos diretórios estaduais e diretórios municipais do próprio PT, estaremos agora – com a federação – diante de uma situação ainda pior: poderemos ser responsabilizados por atos cometidos por diretórios municipais e estaduais de outros partidos!!!
30.Além disto, para entrar ou para sair da federação, é preciso o “deferimento do pedido pelo Tribunal Superior Eleitoral”. E mesmo se houver o tal deferimento, o artigo 7º diz assim: “O partido que se desligar da federação antes do tempo mínimo previsto no caput do art. 6º desta Resolução ficará sujeito à vedação de ingressar em federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes e, até completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário”. Ou seja: a história segundo a qual se não der certo, depois a gente pede para mudar a lei, consiste em uma operação de altíssimo risco. Se não der certo, a única coisa garantida é que estaremos amarrados por 4 anos.
31.A resolução do TSE afirma o seguinte: “Art. 11. As controvérsias entre os partidos políticos relativas ao funcionamento da federação constituem matéria interna corporis, de competência da justiça comum, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral para dirimir questões relativas ao registro da federação e das alterações previstas nos arts. 6º e 7º desta Resolução ou que impactem diretamente no processo eleitoral”.
32.Portanto, as “controvérsias” entre os partidos da federação serão assunto de competência da justiça comum! Caberia a justiça eleitoral interferir “apenas” nos assuntos “que impactem diretamente no processo eleitoral”.
33.No PT, travamos uma batalha permanente com o objetivo de não levar assuntos internos para a justiça. E salvo raríssimas exceções, conseguimos isso. Alguém tem dúvida acerca do que irá acontecer numa federação? Muito provavelmente, haverá judicialização. E não será apenas por motivos políticos, mas também criminais, como já se comentou acima.
34.Vale dizer o seguinte: a proposta em discussão (a tal que não foi aprovada nem debatida previamente por nenhuma instancia do PT) prevê a existência de uma “comissão de presidentes estaduais”; e deixa para a Executiva Nacional da federação a decisão sobre o funcionamento da federação nos municípios. T
35.Se essa proposta for aprovada, viveremos uma hipercentralização do poder numa instância nacional da federação, composta com base na força atual dos partidos na Câmara dos Deputados.
SUFOCANDO A MILITÂNCIA
36.Neste “detalhe” reside, ao nosso ver, o enorme impacto da federação sobre um dos pilares do PT, a saber, a condição de partido militante.
37.Todo mundo sabe que no PT exista, há tempos, uma disputa entre a natureza militante do Partido e a dinâmica institucional, que transfere poder crescente aos governos e aos mandatos parlamentares.
38.Ao longo destes 42 anos, esta disputa entre militância e mandatos esteve presente. E o fato é que, apesar de tudo, continuamos a manter uma dinâmica militante superior a de outros partidos.
39.Pois bem: a “federação” vai sufocar esta dinâmica militante. Não se trata apenas do péssimo exemplo decorrente da proposta de compor a direção da tal “federação” com base na proporção entre as bancadas parlamentares. Se trata de algo pior.
40.Como é público, a “fórmula” em discussão para funcionamento da direção nacional da suposta “federação” seria baseada na proporcionalidade das bancadas, o que hoje implicaria em uma maioria absoluta do PT.
41.Mas a mesma “fórmula” prevê o seguinte: decisões “importantes” seriam tomadas por 2/3, constituindo na prática um direito de veto dos partidos minoritários.
42.No PT, numa situação limite, quando não há consenso, existem alternativas previstas em nosso estatuto. E todas estas alternativas remetem, no limite, para o seguinte ponto: prevalecerá a vontade da maioria dos filiados.
43.Pois bem, caso se constitua a federação, a vontade da maioria dos filiados petistas estaria subordinada à vontade dos parlamentares… de outros partidos! Se esses parlamentares não aceitarem, estará criado um impasse.
44.Acontece o seguinte: o PT ainda é um partido militante, mas a “federação” na prática será uma cooperativa de parlamentares. Portanto, com a “federação” tende a se institucionalizar e a se agravar um problema já existente no PT, que é a submissão crescente do partido-militância ao partido-bancadas. Com um agravante: as bancadas dos outros partidos teriam poder de veto!
45.Na prática, se for aprovada a federação, a vontade da base do Partido estará subordinada à vontade minoritária de outros partidos, mais exatamente à vontade da bancada de outros partidos.
46.Portanto, de cima para baixo e de fora para dentro, se está criando uma regra que afetará profundamente a natureza do Partido. Motivo pelo qual, em nossa opinião, se justifica convocar um congresso do Partido.
47.Afinal, as bases de construção dessa Federação conduzirão a constituição de uma direção baseada no número de parlamentares de cada Partido, ampliando ainda mais o processo de institucionalização do PT, diminuindo ainda mais o papel da base militante de nosso partido e de nossas instâncias, atingindo profundamente a democracia interna do PT.
48.Os que defendem a Federação Partidária com o PSB, uma federação organizada nos moldes descritos anteriormente, estão na prática contribuindo para transformar o PT num partido tradicional.
49.Diante de tamanhas transformações na vida interna do PT, defendemos que haja um amplo debate em todas as instâncias, que nossa militância seja efetivamente consultada.
50.Nesse sentido, fazemos um chamado à nossa militância para que participe ativamente desse debate, defenda a democracia interna e mantenha o PT como um instrumento importante da classe trabalhadora.
Em defesa de um PT militante e democrático!!
A direção estadual da tendência petista Articulação de Esquerda
São Paulo, 9 de fevereiro de 2022