Desindustrialização e problemas atuais

Por Wladimir Pomar (*)

Parece haver algum consenso, entre forças democráticas e populares, de que a direita reacionária coloca o Brasil diante de crescentes dificuldades econômicas e sociais, pioradas com a pandemia do Covid19. Empenhada em subordinar o país aos projetos de dominação norte-americana, ela aplica uma política neoliberal extremada, que tenta não só liquidar as forças democráticas e populares, completar o desmonte da indústria, e transformar o agronegócio numa suposta ”verdadeira indústria nacional”, como também imolar parte considerável da pobreza, que a força a gastar.

É verdade que isso não é muito diferente da antiga e tradicional política de subordinação de épocas passadas. Por muitos anos, impuseram o subdesenvolvimento econômico, impedindo o país de se industrializar e lhe impondo a manutenção de um sistema econômico semelhante ao colonial, produtor e exportador de produtos primários. Política que só mudou nos momentos em que o próprio capitalismo dirigente adotou mudanças nas relações com os subdesenvolvidos.

A industrialização varguista foi arrancada para contar com o Brasil na II Guerra Mundial. As industrializações dos anos 1950 e, depois, dos anos 1960-1970, ocorreram em função de reestruturações das próprias potências capitalistas. Para manter altas taxas médias de lucro em suas empresas, implantaram indústrias em países atrasados, de forças de trabalho mais baratas.

Por outro lado, o surto de industrialização brasileira dos anos 1960-1970, da ditadura militar, teve que contar com profunda reforma tecnológica e social na agricultura. Para ter grandes contingentes de pessoas na constituição da nova e ampla força de trabalho barata exigida pelas indústrias estrangeiras, era necessário deslocar milhões de camponeses, então a maior parte da força de trabalho do país.

Essa população, até então subordinada como foreira, rendeira, meeira etc, plantava nas terras latifundiárias com a obrigação de pagar, por tal “favor”, com uma parte (principalmente meia ou terça) da colheita, e com o trabalho de alguns dias nos plantios do latifundiário (cambão). Para expropriá-la de seus instrumentos de trabalho, expulsá-la das terras em plantava e dos locais em que vivia, seria necessário mecanizar e modernizar a agricultura latifundiária. O que foi realizado pelo Estado ditatorial militar, através de fortes investimentos facilitados pelo Banco do Brasil.

As terras latifundiárias foram mecanizadas e modernizadas, tornando “desnecessária” a presença de milhões de lavradores reais, e “necessária” sua expulsão da própria região em que viviam. Em pouco menos de uma década, grande parte da população rural, então 64% do total do país, deslocou-se para as zonas urbanas em processo de industrialização. O que a reduziu, desde os anos 1980, para cerca de 16% da população nacional.

Aquela industrialização gerou empregos e chegou a conformar uma forte classe operária, em especial no sudeste do país. Classe que rompeu, pela força da organização e do combate grevista dos anos 1970 em diante, a lei de ferro de baixos salários imposta pela ditadura, desempenhando papel vital na substituição da ditadura militar por um regime democrático formal, numa verdadeira virada histórica.

Por outro lado, embora as empresas estrangeiras tivessem continuado a operar como oligopólios, tal virada também rompeu as condições ideais, até então vigentes, de atração de novos investimentos industriais. Até então, os investidores externos não enfrentavam a concorrência de empresas nacionais, mantinham elevadas transferências de valores para o exterior, aumentavam a dependência do país a financiamentos externos, inclusive para a infraestrutura demandada pelas indústrias, mas já não contavam com uma mão de obra tão barata quanto à oferecida por países asiáticos e africanos.

Em tais condições, a transferência de plantas industriais, completas ou segmentadas, começou a atingir àquelas presentes no Brasil. E o governo brasileiro de então, ao invés de adotar um processo de investimentos mais articulado e independente, decidiu adotar o neoliberalismo do Consenso de Washington como política de Estado, impulsionando ainda mais a reversão do processo de industrialização.

Assim, ao contrário dos países que utilizaram a industrialização para conformar-se como fortes países independentes, o Brasil ingressou numa desindustrialização paulatina, que continuou, mesmo em ritmo mais lento, durante os governos petistas. Com isso, o país perdeu a magnitude que possuía nos anos 1970, tornando-se incapaz de tomar parte na crescente inovação tecnológica que revolucionou os processos produtivos e os modos de vida de muitos países.

Também ao contrário do que supõem alguns estudiosos, o aumento do desemprego da força de trabalho brasileira não está relacionado, como nos Estados Unidos, à crescente incorporação dos avanços tecnológicos que elevam a produtividade e produzem o desemprego estrutural. Na concorrência mundial por mão de obra mais barata, o Brasil está perdendo não só seus instrumentos industriais produtivos, mas também as condições científicas e tecnológicas de produzir mais riquezas.

Como a alta burguesia brasileira continua se apropriando de parte crescente das riquezas através do sistema financeiro, embora a produção de riquezas materiais do país esteja em queda, ela sequer se preocupa com a desindustrialização e com a crescente precarização da força de trabalho. Assim, não são apenas os neoliberais que se confundem com essa realidade. Muitos críticos do neoliberalismo acabam concordando com essa corrente ao acharem que, com o crescimento da economia do conhecimento, a indústria teria perdido seu lugar e não mais deveria ser considerada questão chave para o desenvolvimento.

Simplesmente ignoram que a indústria, mesmo totalmente acionada por robôs, continuará sendo imprescindível para produzir os bens e mercadorias essenciais para a geração de novas riquezas e a continuidade da vida humana. O problema consiste em que, sob o capitalismo, a intensificação da produtividade também “produz” desemprego crescente. Portanto, o desenvolvimento crescente da ciência e da tecnologia tende a afastar do processo produtivo a maior parte da força humana de trabalho. Tal resultado cria uma brutal contradição, mantida a propriedade privada das forças produtivas, entre o aumento da capacidade produtiva e o aumento da incapacidade humana, com o desemprego, de absorver o produzido.

Dizendo de outra forma, gera-se uma imensa capacidade de produção (e consequente capacidade de oferta) e, ao mesmo tempo, uma crescente e brutal incapacidade de consumo. Mas, se isso é um problema em elevação em países como os Estados Unidos e alguns outros na Europa, ainda não o é no Brasil. Aqui, as questões presentes para elevar a renda nacional referem-se à desindustrialização crescente e à dependência do agronegócio e da mineração ao mercado internacional.

Portanto, a desindustrialização faz com que o Brasil, de forma crescente, retorne a uma condição pior do que a que vivia nos anos anteriores a 1950. Condição agravada pelo fato de que a população urbana engloba hoje 84% de sua população total. E, como veio à tona com a pandemia do Covid19, muito mais do que a metade dela é constituída de pobres sem emprego permanente, vivendo em condições urbanas mais do que precárias. Enquanto isso, a população rural é de apenas 16% do total, e sua parcela dedicada à produção de alimentos para o mercado interno é, cada vez mais, asfixiada pela expansão do agronegócio majoritariamente exportador.

Para piorar, as recorrentes crises globais capitalistas tendem a se tornar cada vez mais destrutivas e a atacar principalmente os países com indústrias enfraquecidas e economias dependentes dos mercados internacionais de matérias primas. E, como tem mostrado a experiência das crises dos anos 1980, 2008, e da pandemia de 2020, elas prejudicam de forma penosa justamente os desempregados e os trabalhadores precarizados.

Para piorar mais ainda, a antiga e recorrente intenção neoliberal de privatizar as empresas estatais vai na contramão de qualquer perspectiva de retomada do crescimento econômico efetivo nos próximos anos. Com as privatizações, o Estado perde fortes instrumentos não só geradores de riqueza, mas também indutores do desenvolvimento científico e tecnológico. Como a experiência do Brasil e de vários países evidencia, empresas estatais atuando nos mercados internos de forma concorrencial, entre si e com empresas privadas nacionais e estrangeiras, induzem mais emprego e mais crescimento interno, e exercem papel orientador no desenvolvimento.

Por isso, os programas de privatização, anteriores e o atual, se mostraram danosos. O que o Brasil precisa é que o Estado seja colocado a serviço de toda a população e não de um pequeno grupo de ricaços. Isto é, seja orientado a aproveitar a globalização capitalista impondo aos investidores internacionais condições de parceria equitativas que incluam transferência de novas tecnologias, regras estritas para exportação de dividendos, tratamento adequado da força de trabalho, e prazo para renovação dos acordos de funcionamento.

Ou seja, que o Estado tenha papel efetivo no desenvolvimento industrial, mantendo-se na perspectiva de geração de riqueza social e atuando de forma efetiva para a redistribuição mais equitativa dessa riqueza. Sem isso, o rumo pode se tornar cada vez mais caótico, a exemplo do que está ocorrendo com a Renda Básica Emergencial, imposta ao bolsonarismo pelo Covid 19.

 Sua efetivação se tornou caótica e criminosa porque os atuais agentes governamentais desconhecem a situação real da enorme população brasileira de baixa ou nenhuma renda. Supõem que tal população tem equipamentos técnicos para acessar contas via online e receber a merreca de 600 reais para sobreviver à pandemia. Com isso, agravam ainda mais os ambientes de desastres humanos já em curso. Tudo, na suposição de que possam exclamar “E Daí!”, sem serem punidos por tais crimes.    

(*) Wladimir Pomar é jornalista e escritor.

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