Dirceu, Haddad, Gleisi e a “covardia”

Por Valter Pomar (*)

O Globo publicou um texto dizendo que José Dirceu criticou Gleisi Hoffmann e defendeu Fernando Haddad.

O texto de O Globo está aqui:

José Dirceu diz que direita ‘está ganhando disputa’ e critica postura de Gleisi com Haddad: ‘Quase uma covardia’ (globo.com)

Como não acredito no Globo, fui à fonte, que está aqui:

(296) POD13 — PT BAHIA #3 | Com o ex-ministro da Casa Civil JOSÉ DIRCEU – YouTube

São 56 minutos de entrevista, em que Dirceu fala de tudo um pouco, inclusive defende a política econômica do governo.

O ponto de partida é uma “provocação”, feita pelo presidente do PT da Bahia, que foi o entrevistador do podcast.

A pergunta, como é óbvio, tinha como pano de fundo a recente polêmica entre Haddad e Gleisi Hoffmann, acerca do déficit zero.

Ao responder, Dirceu lembrou o óbvio: que a política econômica é do governo, não de Haddad.

Isto é verdade, mas também é verdade que Lula pode mudar a política econômica. E os que defendem mudança na política, têm o direito e  o dever de criticar, até para que Lula possa ponderar outros pontos de vista.

Dirceu diz que o direito de criticar deve ser exercido dentro do Partido, do governo e da bancada. Realmente é o ideal, em se tratando de um partido político atuando sob fogo inimigo: a crítica interna, a defesa pública.

Mas é bom lembrar que nosso partido não é clandestino, não é secreto, não é uma seita onde se possam fazer debates escondidos. Basta ver a repercussão da fala de Dirceu em recente encontro da tendência Avante.

Talvez para resolver este tipo de problema, no passado algumas organizações só permitiam debate em época de congresso; e, passado o debate, quem perdia tinha que fazer autocrítica do seu erro – ter defendido a posição perdedora – e tinha que passar a defender a posição vencedora, tanto interna quanto externamente.

Digressões históricas a parte, no caso da política econômica o debate partidário foi feito com base num fato consumado. E os defensores do “arcabouço fiscal” não demostraram disposição de levar em consideração as críticas. Isto contribuiu para que os parlamentares que apresentaram divergências, votassem a favor, mas fazendo uma declaração de voto.

Quem não leu a referida declaração, pode ler aqui: Em declaração de voto, deputados petistas expõem críticas ao arcabouço fiscal | Página 13 (pagina13.org.br)

Outras pessoas fizeram críticas, votaram a favor, não assinaram a declaração de voto e só retomaram o debate recentemente, quando – na opinião delas – ficara claro que a política de déficit zero resultaria em contingenciamentos e cortes extremamente prejudiciais. É o caso, penso eu, da companheira Gleisi Hoffmann.

Interna ou externamente, o mais importante é que Dirceu defende a política econômica como “realista e pragmática”, “feita a partir da correlação de forças”, um “acordo realista com as forças do mercado”.

Pessoalmente, prefiro ler este tipo de argumento, do que ouvir dizer que o arcabouço fiscal é a melhor política do mundo.

Mas é bom lembrar que era mais ou menos com esse tipo de argumento que Dirceu se referia à política de superávit primário de Antonio Palocci, no início de 2003: uma política conservadora, mas no limite do possível.

Dirceu estava errado naquela ocasião e está errado novamente agora; existia naquela época e existe hoje margem de manobra para fazer uma política mais ousada.

É verdade que naquela época havia mais margem de manobra do que hoje, tendo em vista a “independência” do Banco Central.

Portanto, tanto antes quanto principalmente agora, para fazer algo mais ousado é preciso arriscar, esticar a corda, fazer luta política, mobilizar apoios.

Acontece que, segundo entendi, Dirceu acha que nos marcos da atual política é possível fazer crescer os investimentos públicos. Em tese, seria mesmo possível sob certas condições. Mas como as tais condições não estão se dando, na prática já estamos vendo contingenciamento, reajustes minimalistas etc.

Mas mesmo que haja investimentos, é preciso saber se estes investimentos públicos realmente possíveis, nos marcos do “arcabouço fiscal”, alcançarão o volume necessário e se materializarão no tempo político hábil.

Dirceu não trata disto na entrevista, talvez porque ele esteja vendo tudo na “perspectiva de 12 anos”, de “três governos”.

Este raciocínio tem vários problemas. Um deles é esquecer que já tivemos, no passado recente, um ciclo não de 12, mas de quase 14 anos de governo. E o desfecho foi o que sabemos. Portanto, não basta pensar em termos de médio prazo, é preciso responder aos desafios imediatos. E os desafios imediatos exigem muito mais investimentos públicos.

Quem acha que, fazendo o que estamos fazendo, conseguiremos doze anos pela frente, realmente pode contemporizar.

Mas quem acha que as coisas estão muito difíceis e o tempo corre contra nós, não tem como contemporizar.

Quem acha que o tempo corre contra nós, não tem como achar que o déficit zero é um “mal menor”.

Um, digamos, “deslize” de Dirceu foi ter falado que “no caso do Haddad é quase uma covardia nós não dar apoio total a ele para aprovar todas as medidas que ele queria, pois todas as medidas que ele queria transformam o déficit zero num mal menor, sem essas medidas dele o déficit zero vira contingenciamento e corte”.

Digo deslize, porque não há “covardia” alguma em propor uma alteração na meta, exatamente para evitar contingenciamentos e cortes. O uso do termo “covardia” não cabe e dá pretexto para a imprensa monopolista fazer o que mais gosta: juntaram a palavra covardia com as críticas de Gleisi ao déficit zero e, pronto, a intriga estava feita.

Dirceu deve ter percebido o deslize, pois logo em seguida emendou com elogios (“o PT melhorou muito na gestão da Gleisi”), mas aí já era tarde.

Isto posto, nada do que Dirceu disse na entrevista ao podcast do PT Bahia surpreende quem acompanha suas posições e seu modo de pensar. Até porque, embora ele fale que a situação atual não tem nada a ver com 2003, seu raciocínio estratégico segue o mesmo de então.

Dirceu termina a entrevista ressaltando a importância do PT fazer um congresso. Nisso estamos totalmente de acordo. Mas é bom lembrar que não pode haver tema proibido no congresso, nem ninguém pode ser acusado de covardia por discordar desta ou daquela política.

(*) Valter Pomar é professor e membro do diretório nacional do PT

 

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