Por Douglas Roberto Mai, Gabriel Galdino, Giovane Zuanazzi, Gustavo Pringi, Mateus Lazzaretti e Mateus Santos (*)
Neste 1º de abril, completam-se 56 anos de um dos momentos mais truculentos de nossa História: o Golpe Militar de 1964. Os “Anos de Chumbo” que se seguiram, deixaram marcas que perduram até hoje no Brasil. Estas marcas, cada vez mais visíveis, tem sido alvo, especialmente nos últimos anos, de um intenso revisionismo, fortemente marcado pelo negacionismo histórico e, não raras vezes, pelo saudosismo do período. Apesar da derrota política sofrida pela Ditadura, ela própria foi capaz de articular o processo de transição à democracia. Sem nenhum tipo de punição, agentes do Estado que sequestraram, assassinaram e torturam seguiram suas vidas, sem pagar pelos crimes cometidos.
No Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, os coturnos seguiram atuando. Hoje, os “fantasmas do passado” voltam a nos assombrar — ou, melhor dizendo, aparecem com maior tranquilidade, embora nunca tenham se recolhido. Mais uma vez, faz-se fundamental a tarefa de lutarmos contra o esquecimento e contra o revisionismo. Como disse certa vez Peter Burke, “a função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer”. Entendemos que a luta contra o Capital e contra a Ditadura deve ser também uma luta contra o esquecimento. Para a classe trabalhadora, é vital conhecer o seu próprio passado, para poder elaborar um projeto de futuro. Pensando nisso, elaboramos o mini-dossiê abaixo:
Conjuntura do Golpe: ameaça comunista?
Quais motivos fizeram com que o golpe militar de 1964 fosse possível? A que deve-se a vitória dos golpistas e a permanência da ditadura por longos 21 anos? Uma das chaves para compreender esta questão diz respeito à conjuntura da época. Um dos primeiros pontos a destacar é que a participação dos militares na política brasileira era uma constante: 1964 não foi um raio em céu azul. Em realidade, ao menos desde a Proclamação da República, frequentemente militares conformaram-se como figuras centrais da política nacional e foram decisivos em diferentes momentos.
Se pensarmos no fim do Estado Novo, por exemplo, temos ali exemplos da influência militar. Por um lado, as pressões sofridas por Getúlio por parte de militares que compuseram seu governo — como é o caso de seu Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. Por outro, o significado da volta dos pracinhas que lutaram contra o fascismo e que foram vistos pelo governo como uma ameaça política. De fato, se olharmos as eleições de 1945 veremos que a disputa deu-se entre dois militares: Eurico Gaspar Dutra e Eduardo Gomes.
Depois, com a vitória de Getúlio Vargas nas eleições seguintes, a presença e a pressão de militares também seria constante, ao lado de importantes setores do grande empresariado e da mídia. Posteriormente, a posse de Juscelino Kubitschek foi ameaçada por parte dos militares brasileiros e, por outro lado, garantida por uma forte movimentação política e militar, liderada pelo general Lott. Semelhante situação ocorrerá em 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros: novamente os militares participaram ativamente da disputa política aberta. Legalistas e golpistas, atuando dia e noite para fazer prevalecer (ou não) a Constituição. O processo da Campanha da Legalidade, especialmente no Rio Grande do Sul, mas não só, com as ameaças de bombardeio e a mobilização do Exército e da Brigada Militar demonstra, uma vez mais, a recorrência da importância e da participação dos militares no Brasil.
Internacionalmente, o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, protagonizada entre a URSS e os EUA, não tardou em influenciar a conjuntura brasileira. Frente a crescente influência e estatura moral dos comunistas no mundo, o imperialismo, destacadamente o estadunidense, não tardou em acelerar e intensificar uma campanha massiva de difamação da URSS e do socialismo, além de financiar organizações e partidos que pudessem combater os comunistas pelo mundo. A América Latina, neste sentido, foi um dos alvos preferenciais dos EUA, principalmente após a vitória da Revolução Cubana em 1959.
No Brasil, intensificou-se a propaganda anticomunista. Cresceu a relação estabelecida entre militares brasileiros e agentes da CIA, obtendo grande destaque a chamada Escola das Américas, voltada à formação de militares de países latino-americanos, sempre preparando-os para golpes contra governos que não alinhavam-se totalmente com os EUA ou que ameaçavam seus interesses.
O principal alvo da sanha dos militares golpistas seria o governo de João Goulart, em 1964. Após vencer, em 1963, o parlamentarismo imposto como condição para que a Constituição fosse seguida, as pressões sobre o governo seguiram crescendo. A lei das “remessas de lucro”, assinada por Jango em 1962, já havia causado imenso desconforto para as empresas estrangeiras. O cenário nacional era de acirramento da luta política e o discurso de Jango na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, anunciando as Reformas de Base, como pressionavam os movimentos sociais à época, foi visto como um ponto de não retorno para os golpistas.
Sob uma falsa ideia de que estavam a combater o comunismo, os militares atentariam em 01 de abril de 1964 contra a democracia e contra as propostas de combater a desigualdade social e construir uma nação soberana e justa. As reformas, propostas em um delicado momento da história nacional, foram utilizadas como subterfúgio para o golpe — que, em realidade, já vinha sendo preparado há muito tempo. E ocorreria independente da “radicalidade” do governo e de suas propostas: afinal, tratava-se de uma contrarrevolução preventiva. Mesmo sem “inimigo vermelho”, era necessário combater o comunismo. E, ontem como hoje, comunistas eram todos os que lutavam por democracia e direitos sociais.
A perseguição contra a esquerda brasileira, que tinha conhecido poucos momentos de legalidade, especialmente para os comunistas (recorrentemente postos na ilegalidade, perseguidos, presos e torturados), intensificou-se. A esquerda, comunista ou não, já estava sofrendo a opressão e perseguição do medo que tinha se instalado. Convertida em inimiga do povo, vítima de todo tipo de repressão e propaganda mentirosa, com uma grande deturpação do conceito de esquerda e do que seria o comunismo.
Essas deturpações do debate sobre esquerda e comunismo no Brasil, incentivaram um medo sem fundamento de que o comunismo está se instalando no Brasil, atingindo principalmente as classes médias urbanas, fortemente estimuladas à manifestar-se contra o governo. Apesar disso, como apontava pesquisa do Ibope, realizada em 1964, Jango seguia tendo maioria na população. Desta forma, para garantir seus desejos, a elite brasileira, subserviente aos mandos e desmandos estadunidenses, puxou o freio do Brasil e instalou, pelas mãos dos militares, uma nova ditadura, conservadora e elitista, com a promessa de recuperar uma economia fragilizada — em parte pela própria sabotagem dos empresários e do imperialismo. Dizendo proteger a democracia, resguardando a família e os bons costumes, além de proteger a sociedade de um inimigo imaginário, os militares mais uma vez entraram em cena. Desta vez para coordenar os principais cargos do Estado por 21 anos.
Organização política e os mecanismos de repressão
Instaurada a Ditadura, o 1º de abril deu início também a uma forte repressão aos partidos, sindicatos e demais organizações de esquerda, o que seria uma das principais marcas do período. Já na madrugada daquele dia, os militares mostravam a que vieram: metralharam e incendiaram a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) na Praia do Flamengo (RJ). No ano seguinte, 1965, dando sequência a política de repressão, a Ditadura decreta o Ato Institucional número dois (AI2), que ampliava os poderes do presidente, intervia no poder judiciário, além de cassar e interditar os partidos existentes na época (ou ao menos até o golpe), permitindo a existência de dois partidos: A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O sistema bipartidário, como ficou conhecido, é frequentemente traduzido como: de um lado o partido do “sim”, e do outro o partido do “sim, senhor”. Dessa forma, a Ditadura mantinha as instituições “funcionando” sem, contudo, ter qualquer tipo de ameaça relevante vinda daí.
Os Estados Unidos também tiveram um papel fundamental no golpe, treinamento dos militares e no apoio ao regime. Naquele contexto de Guerra Fria, polarizada entre EUA e União Soviética (URSS), e especialmente depois da Revolução Cubana de 1959, o comunismo se tornou a principal arma de propaganda e amedrontamento das classes médias urbanas, e orientados dentro da Doutrina de Segurança Nacional (DSN), elemento central (naquele tempo e até os dias atuais) da formação nas escolas das Forças Armadas, onde se prioriza o combate ao “inimigo interno”. Essa tática serviu como base para alavancar as diretrizes econômicas capitalistas das elites e conter, por meio da repressão e tortura, aos brasileiros que se colocassem contra o regime e, portanto, representassem alguma ameaça à estabilidade da influência estadunidense na região.
Durante os anos de Ditadura, a oposição ao regime se organizou de diferentes formas, dentre elas buscando participar da “oposição consentida” ingressando no MDB, através da arte e música, a denúncia internacional a partir do exílio, ou optando pela luta armada, em guerrilhas urbanas e rurais, como por exemplo a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) e o Organização Revolucionária Marxista Operária (POLOP) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que lutaram de norte a sul desse país por mais democracia e pelo restabelecimento do estado democrático de direito e livre organização partidária, com isso enfrentaram duros ataques dos órgãos de repressão, treinados e subsidiados pelos americanos e por consórcios de grandes empresários, como na Operação Bandeirantes (OBAN).
As práticas de tortura eram sumárias e desumanas, as mais conhecidas eram o pau de arara, choques elétricos nos ouvidos nos ouvidos e em partes íntimas e afogamentos que levavam a morte de diversos militantes, estudantes e todos que se colocassem contra ao projeto ditatorial. Dentre as ações promovidas pelos militares, merece destaque também a que ficou conhecida nacionalmente com a Chacina da Lapa, que 1976 dizimou o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), deixando nítido que nenhuma ameaça à política econômica da Ditadura ou ao arco de alianças da qual o Brasil fazia parte, seria tolerada.
A luta dos trabalhadores e a derrota política da Ditadura
A História do período da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985) é um dos temas que mais gera disputa. De um lado, os setores militares, já desde aquele período, desprendem inúmeros esforços para fazer predominar sua versão sobre os fatos, apontando o ocorrido no dia 1º de abril como uma “revolução redentora”, necessária à época para evitar a ameaça comunista (tema que será melhor abordado no próximo tópico). Do outro, a historiografia brasileira, produzida por intelectuais e nas universidades, especialmente após a expansão dos cursos de graduação e pós-graduação em História, tentando desenterrar os fatos, com acesso a documentos antes sigilosos, recolhendo relatos, indo atrás das fontes, aplicando a ciência.
Dentro dessa disputa pela memória da Ditadura, há um fenômeno muito recorrente (não só nesse tema), e que geralmente faz parte da historiografia oficial: o apagamento da resistência e da ação da classe trabalhadora. Muito pouco se fala, por exemplo, que às vésperas do golpe, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), convocou uma greve geral para parar o país em defesa da democracia e pela manutenção do mandato de Jango, e que este ordenou que se evitassem tais mobilizações, para que não houvesse um banho de sangue. Isso, obviamente, não impediu que diversos operários e ferroviários fossem detidos. Normalmente vemos a atuação dos partidos, sindicatos, Ligas Camponesas, do Movimento dos Agricultores Sem Terra (MASTER) somente até o momento de reivindicação das reformas de base.
A repressão instaurada com o golpe, parece ter levado junto a memória, e tirado de cena a classe trabalhadora. De fato, todo o aparelho de censura e o regime do medo fizeram diminuir e muito a atuação política destes atores sociais, e houve um apagamento deliberado de qualquer sinal de resistência que pudesse “subverter” o povo. A mão de ferro da Ditadura recaiu com mais vigor sobre os movimentos que decidiram pegar em armas contra o regime, cujo exemplo mais simbólico é a Guerrilha do Araguaia, implacavelmente combatida pelos militares. A escassez de fontes sobre essas resistências, no entanto, não é justificativa para que se ignore o papel ativo desempenhado por estudantes e trabalhadores, em especial nos anos finais da Ditadura.
Um exemplo disso é o que corre no imaginário comum sobre o fim da Ditadura Militar. Não são poucos os intelectuais e cidadãos, mesmo os de esquerda, que acreditam que a Ditadura só acabou porque os militares “cansaram” do poder e decidiram entregá-lo de volta à sociedade civil. Ou que tudo não passou de uma simples transição lenta, gradual e negociada, cuja prova é a extensão da Anistia também aos torturadores. A estas pessoas precisamos recordar das greves do ABC Paulista. Dez anos depois das grandes greves de Osasco (RJ) e Contagem (MG), quando se pensava que o movimento operário estava liquidado, os trabalhadores tomaram as rédeas da história em suas mãos. Óbvio que não se tratou de um movimento espontâneo e arrebatador.
Alguns trabalhos historiográficos sobre os metalúrgicos do ABC mostram que o movimento sindical passou por um árduo trabalho para reverter a desmobilização que imperava entre a classe operária até a metade da década de 1970. As condições de vida apertavam cada dia mais, reinava o despotismo dos patrões, o salário mal dava pra subsistência. A qualquer sinal de mobilização, os operários eram prontamente reprimidos e o sindicato era posto sob intervenção. No final dos anos 70 a atuação da Ditadura não mudou. O que o período trouxe de novidade foram as explosivas e massivas greves operárias, retomadas com toda força e sob a liderança do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, que tinha como presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se consolidou com a maior liderança que a classe trabalhadora já produziu até hoje em nosso país. Lula chegou inclusive a ser preso pelos militares, o que, contudo, não conseguiu liquidar a organização daqueles que estavam cansados da exploração e lutavam por sua sobrevivência.
Aquele movimento não conseguiu tudo o que queria, várias vezes teve de encerrar greves sem ter atendidas todas as suas reivindicações. Seu grande mérito, no entanto, é ter sido, juntamente com a organização estudantil, um dos principais responsáveis pela derrota política da Ditadura. E isso é importante percebermos. Embora a Ditadura não tenha sido efetivamente derrubada, ela foi politicamente derrotada. Além da deterioração das condições econômicas, pioradas pelo esgotamento do “milagre econômico”, os trabalhadores e trabalhadoras cobravam mais democracia, tanto na relações trabalhistas quanto no país.
Percebendo que as coisas não mudariam enquanto os próprios trabalhadores não chamassem para si a responsabilidade, iniciaram ainda em 1979 um debate que culminou, em 1980, na criação de um partido político, o Partido dos Trabalhadores. Com esse espírito e essa força de atração exercida sobre os movimentos do campo, sindical, estudantil e outros setores que lutaram contra a Ditadura, o PT se tornou uma das principais ferramentas de organização da classe trabalhadora, junto à Central Única dos Trabalhadores (CUT), cumprindo um papel fundamental na elaboração e disputa em cima de alguns pontos fundamentais da Constituição Federal Cidadã, de 1988.
Portanto, nos apropriando dessa história, precisamos ter a certeza: manter sempre viva a memória coletiva da classe trabalhadora é tão importante quanto a formulação de um projeto de sociedade a ser construído. O capital opera deliberadamente o esquecimento, especialmente na era da acumulação flexível, pois precisa incutir o imediatismo e o presentismo, lógica de funcionamento do capital financeiro com a busca de lucros imediatos. Portanto, a luta contra o capital é também uma luta contra o esquecimento. É por isso que precisamos, nesse momento em que se retoma com saudosismo a Ditadura, contrapormos tais narrativas fantasiosas e criminosas, recuperando nossa própria história. E isso não é apenas papel das historiadoras e historiadores, mas de toda e qualquer pessoa que deseja construir um mundo novo, mais justo e igualitário, um mundo socialista.
Marcas da História e ausência de memória? O saudosismo aos “Anos de Chumbo”
Enzo Traverso nos oferece importantes reflexões e análises sobre o estudo da memória enquanto objeto histórico e, acima de tudo, sua natureza seletiva e passível de ser classificada ao longo do tempo. Ao analisar os contornos assumidos pela lembrança do nazismo e do fascismo na Alemanha, em Israel e, sob uma perspectiva mais ampla, no chamado mundo ocidental, o historiador italiano demonstrou como a formação da memória não se encontra dissociada das relações de poder, estando a serviço de projetos políticos e culturais das mais diversas naturezas.
Ao assumir isso e, pensando especificamente os processos revisionistas em torno da Ditadura Militar brasileira, as concepções defendidas por setores do Palácio do Planalto e com adeptos em parcela da sociedade se inserem num quadro de encontro entre presente e passado, tanto do ponto de vista da trajetória mais recente, como também abrangendo recortes temporais mais longos.
Em primeiro lugar, essa dissociação entre História e Memória, característica do relacionamento entre duas dimensões distintas de ver o passado, encontra no passado histórico uma das muitas justificativas. O silenciamento enquanto política de Estado, reflexo de um processo de Anistia que se estendeu também aos torturadores, fez da ditadura uma abstração na memória da sociedade brasileira. Para muitos, predominaram lembranças das experiências individuais, associadas ou não ao regime. Ao conversar com quem viveu aqueles anos, é possível encontrar desde considerações econômicas, como o chamado Milagre Econômico e sua crise posterior, até menções às políticas de segurança pública. De relato em relato, a ditadura se tornou um quebra-cabeça pouco montado pela sociedade. Um processo que, por conta da própria ação pública de seus contemporâneos e sucessores, pareceu ser incapaz de reconstrução de uma visão global e política do processo.
Isso, contudo, foi parcialmente contornado diante de dois esforços. A expansão dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em História pelo país, as próprias mudanças na historiografia sobre a Ditadura Militar, do ponto de vista quantitativo e qualitativo (novas temáticas, metodologias e fontes), proporcionaram a emergência de uma variedade de estudos bastante interessante. Por meio da produção dos historiadores, em maior ou menor medida, atores individuais e coletivos puderam se colocar na condição de partícipes deste processo histórico, seja na condição de vítimas ou de agressores. A História escrita esteve a serviço do registro de um passado que parecia distante da reflexão de muitos homens e mulheres ou mesmo próximo demais para ser mexido naquele momento.
Outro esforço notório, no âmbito político, foi a constituição da Comissão Nacional da Verdade (2011). Em que pese às controvérsias em torno de possíveis limitações em sua atuação, tal medida possuiu um peso simbólico significativo. Ao promover o resgate da ditadura das catacumbas da opinião pública, a referida Comissão reacendeu os debates em torno deste processo histórico, especialmente quanto às construções de narrativa. Mais do que isso, foi uma oportunidade de fazer justiça àqueles que morreram ou sofreram sob o manto da injustiça e dos arbítrios.
Em meio às novas culturas de mobilização que marcam a política brasileira desde 2013, a Ditadura se transformou ainda mais em uma memória polarizada e alvo de constante reconstrução. O saudosismo foi reacendido em setores da sociedade brasileira. A lamentável experiência brasileira entre 1964 e 1985 foi ascendida ao plano ideal, isto é, usada como elemento de contraponto e modelo diante das supostas mazelas nacionais, apontadas por setores de extrema-direita.
Na aparente luta contra a corrupção, uma defesa da moralidade das Forças Armadas. Nos discursos em prol de novas políticas de segurança pública, a crença na ordem enquanto um pilar dos militares. Nas discussões em torno do desenvolvimento do país, referências à política econômica empreendida por alguns governos de nossa era ditatorial. Por esse discurso, os militares assumem quase uma condição vanguardista, homens que estariam à frente do tempo e de sua sociedade, com suposta legitimidade para empreender as transformações necessárias.
Sabemos bem que não foi assim. Na história política brasileira, o regime militar, mais uma vez, externou as fragilidades das instituições e da funcionalidade dos poderes. Este também representou uma das fases mais sombrias para uma República que, ainda em 2020, encontra-se em constante esforço de reafirmação; levou à morte física e social de muitos brasileiros e brasileiras.
Historiadores e outros setores da intelectualidade brasileira foram convocados para uma verdadeira guerra entre ciência e desconstrução. No combate ao revisionismo, o horizonte deve ser a construção de uma efetiva consciência histórica sobre a Ditadura. Nesse verdadeiro casamento entre História e Memória, o ensino ampliado, a produção acadêmica e a disputa de opinião pública são algumas das melhores ferramentas. No militante ofício do historiador, a produção não pode se resumir a mera construção textual, mas estar a serviço da busca por uma narrativa que não pode ser negada.
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Vivemos tempos de negações a memória, a história e a ciência, e é muito importante perceber que esse “movimento” é algo constante dentro do capitalismo, não é à toa. Pois esse processo é fundamental para a manutenção das desigualdades e das opressões dentro do mesmo. Isso fica evidente quando temos no chefe de estado uma pessoa que simboliza exatamente isso. A política de “esquecimento e mentira” tem raça e tem classe, e como principal objetivo manter a classe trabalhadora e as pessoas mais pobres do país sem a instrução e sem o conhecimento sobre o passado perverso de nossa elite e das instituições que ainda hoje dominam esse país, portanto é tarefa central nossa possibilitar a consciência histórica sobre nosso passado e a consciência social e humana sobre nosso presente e futuro.
Para que nunca se esqueça, para que nunca mais se repita!
Ditadura Nunca Mais!
Para aprofundar no tema, deixamos algumas indicações:
Dossiê organizado pelo Marxismo21 com artigos, livros, teses e dissertações acadêmicas, vídeos e filmes: https://marxismo21.org/50-anos-do-golpe-de-1964/
Documentário O dia que durou 21 anos: https://youtu.be/RVnf3Ap7guQ
Filme Lamarca: https://youtu.be/9d9qFqDxQZ4
Documentário Linha de Montagem, sobre as greves operárias do ABC: https://youtu.be/svh-lGcSDmU
Filme Eles não usam black-tie: https://youtu.be/Uzl2K1bDRog
Filme Batismo de Sangue: https://youtu.be/c8ep3AJYdms
Filme Zuzu Angel: https://youtu.be/TUv1BTLBSBQ
Debate: Memória e história do movimento guerrilheiro do Araguaia: https://www.youtube.com/watch?v=RSQ-l8n5zPE#action=share
Dcumentário Massacre na Lapa: https://www.youtube.com/watch?v=yb18UUWuDbc&feature=youtu.be
Documentário Memórias do Chumbo Brasil : https://www.youtube.com/watch?v=cViE1fZ3tzA&feature=youtu.be
(*) Sobre os autores:
Douglas Roberto Mai, estudante de História na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e militante da Juventude da Articulação de Esquerda (JAE);
Gabriel Galdino, estudante de História na Universidade Federal Fluminense (UFF) e militante da JAE
Giovane Zuanazzi, graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e militante da JAE
Gustavo Pringi, estudante de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e militante da JAE
Mateus Lazzaretti, estudante de História na Universidade Federal de Santa Maria UFSM) e militante da JAE
Mateus Santos, mestrando em História Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e militante da JAE