Educar também é lutar

Desafios dos profissionais de educação na retomada do governo Lula

Por Fátima Lima (*)

A vitória eleitoral de Lula, que passou a exercer desde o dia 1º de janeiro o terceiro mandato de presidente da República, trouxe a esperança de mudanças no quadro de desmonte das políticas sociais e a notícia alvissareira da revogação de medidas antipopulares e recessivas pavimentadas pelo governo golpista de Michel Temer e ampliadas intensamente pelo governo neofascista de Bolsonaro.

No educação, após quatro anos de guerra ideológica-cultural contra as escolas e a universidade, com a troca de cinco ministros envolvidos em polêmicas e escândalos, de aprofundamento da pauta neoliberal, traduzida em cortes e contingenciamentos no orçamento da educação e ampliação das privatizações em todos os níveis e modalidades de ensino, é necessário que o MEC reestabeleça o diálogo com a sociedade e os profissionais de educação e assegure que a gestão democrática da educação seja o princípio estruturante das mudanças na política educacional.

Piso salarial nacional sob ameaça

Na vertente neoliberal, os direitos conquistados pelos profissionais de educação, como o piso salarial nacional e 1/3 da jornada para as atividades extraclasse, foram sistematicamente ameaçados e descumpridos. Por isso, a Confederação Nacional da Educação (CNTE) vem destacando a premência de reinstalação, no âmbito do MEC, do Fórum Permanente para o Acompanhamento da Atualização Progressiva do Valor do Piso Salarial Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica, como espaço institucional onde representações dos gestores da educação básica pública e dos trabalhadores são chamados a acompanhar o cumprimento da meta 18 do PNE.

As tentativas do descumprimento do reajuste do piso, anunciado em 15% pelo ministro Camilo Santana, deve se constituir num dos pontos de tensão para os sindicatos, entidades de classe dos profissionais de educação e para o governo.  Isto porque, a Marcha dos Prefeitos, ocorrida em Brasília entre os dias 27 e 30 de março, apresentou como ponto de pauta o não pagamento do piso, sob o argumento de falta de recursos nas prefeituras. Vale ressaltar que o piso salarial do Brasil se destaca, conforme aponta o Relatório Education at a Glance 2021da OCDE, como um dos piores do mundo, ficando atrás de 40 países, dentre os quais México e Hungria. Este dado confirma a precarização salarial do magistério no Brasil.

Revoga já!

O projeto reacionário e conservador vigente no último mandato presidencial elegeu a educação como o campo estratégico para disseminação de uma pauta profundamente ideológica, alinhada à direita e à extrema-direita, ancorada em princípios neoliberais e conservadores. Sob esta diretriz, a disputa do campo educacional foi marcada pela implantação de políticas e ações que tiveram como escopo a hegemonização de um projeto autoritário para a educação, a deslegitimação da autonomia docente, a rejeição da pluralidade de concepções pedagógicas, a negação da ciência, a formação de um ethos juvenil alinhado à direita e a estigmatização da escola pública, laica e universal.

Nesta esteira, uma série de medidas foram fomentadas e implementadas no país, com apoio de setores conservadores e privatistas da sociedade, a fim de cercear o trabalho docente, constranger a gestão democrática e transferir recursos da educação pública para setores privados.  Estes foram os marcos da capilarização do movimento Escola Sem Partido, que se transformou em projetos de leis nas casas legislativas de estados e municípios em todas as regiões do país; da criação do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), formulado no âmbito do MEC e do Ministério da Defesa; e das tentativas de regulamentação da educação domiciliar (homeschooling), modelo de ensino calorosamente defendido pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, ferrenho porta-voz do conservadorismo e da desqualificação dos professores, da educação escolar e da universidade, durante o governo Bolsonaro.

É certo que a extinção do PECIM e os posicionamentos do STF, contrários ao Projeto Escola Sem Partido e a educação domiciliar, são passos importantes para a extinção do entulho conservador no contexto de retomada da democracia e da reconstrução das políticas educacionais. Mas os princípios que fundamentaram, fortaleceram e estimularam estas formulações ainda estão latentes na disputa ideológica que continua sendo travada na sociedade, exigindo vigilância dos profissionais de educação e gestores educacionais.

No campo do revogaço, com o MEC sob o comando do PT, a expectativa dos profissionais de educação, estudantes, pesquisadores da área educacional, movimentos sociais e setores progressistas da sociedade é que a revogação do “novo” ensino médio seja tratada como prioridade na pauta do governo.

A reforma do ensino médio foi apresentada por meio da Medida Provisória 746/2016 pelo governo golpista de Michel Temer e convertida na Lei 13.415/2017, sob forte resistência dos estudantes que ocuparam as escolas em 2016. O movimento estudantil contestava a ausência de debate com as comunidades escolares e sociedade sobre uma medida que altera profundamente o currículo, compromete as trajetórias escolares e as escolhas no mundo do trabalho.

Sob este aspecto, vale ressaltar que os itinerários formativos, integrantes do currículo do “novo” ensino médio, são organizados por meio de vários arranjos curriculares, desenvolvidos conforme as condições locais, sendo possível estabelecer parcerias com instituições, fundações e organizações privadas que comprovem notório saber, mesmo que não tenham formação no campo da educação.

Desta forma o “novo” ensino médio ataca a carreira e a profissão docente e amplia a clivagem entre os estudantes das escolas públicas e privadas de ensino, profundamente desiguais nas condições de acesso, na cobertura do corpo docente e nas suas estruturas físicas e dependências.

Para retomar a educação democrática, popular e universal, compromisso do governo Lula, é preciso dar andamento ao revogaço, construir e implantar uma nova base nacional curricular que valorize a diversidade, a pluralidade de ideais e a autonomia docente.  Da mesma forma, é preciso assegurar melhores condições de trabalho e valorização dos profissionais de educação, profundamente precarizados no projeto conservador, de direita e neoliberal que foi derrotado nas urnas.

(*) Fátima Lima é coordenadora do setorial de educação do PT do RJ

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