Em tempos de guerra, a esperança é vermelha
Texto de apresentação da chapa ao Diretório Nacional e da candidatura de Valter Pomar à presidência nacional do Partido.
“E no centro
da própria engrenagem
inventa a contra mola
que resiste”.
(Primavera nos Dentes, Secos e Molhados)
Vivemos tempos de guerra. Guerra de ricos contra pobres. Guerra de empresários contra trabalhadores. Guerra do agronegócio contra camponeses, indígenas e quilombolas. Guerra de latifundiários urbanos contra o povo sem teto. Guerra de especuladores contra aposentados. Guerra de machistas contra as mulheres. Guerra de racistas contra negros e negras. Guerra dos intolerantes contra os LGBT. Guerra de conservadores contra a juventude. Guerra de fascistas contra as liberdades democráticas. Guerra da ignorância contra a educação libertadora. Guerra dos imperialistas contra as nações periféricas. Guerra do capitalismo contra a humanidade. Guerra da morte contra a vida em nosso planeta.
A classe trabalhadora, o povo pobre, camponeses, indígenas, quilombolas, sem teto, aposentados, mulheres, negros e negras, os LGBT, a juventude, os democratas, os povos de todo o mundo precisamos vencer esta guerra. Só assim teremos um mundo em que caibam todas e todos, só assim teremos igualdade, liberdades democráticas, soberania, integração, outro mundo possível, o socialismo. Ou vencemos esta guerra, ou será a barbárie.
Nossos inimigos têm a seu favor o Estado, os grandes meios de comunicação, o poder econômico, a manipulação dos corações e mentes, o imperialismo. Nós, das classes oprimidas e dominadas, temos a nosso favor a organização. É a organização que nos permite conscientizar, mobilizar, lutar, resistir, é a organização que nos permite, mais cedo ou mais tarde, conquistar o poder para as classes trabalhadoras poderem construir um novo Brasil e um novo mundo.
Quando criminalizam o pensamento de esquerda, reprimem os movimentos sociais, sufocam o sindicalismo, matam Marielle, prendem Lula, tentam cassar a legenda do PT, nossos inimigos buscam inviabilizar a organização da classe trabalhadora. Frente a cada um destes ataques, nossa resposta é e continuará sendo organizar, inclusive e principalmente organizar um partido para tempos de guerra, o Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras.
Um PT capaz de retomar a confiança da maioria da classe trabalhadora brasileira e dos setores excluídos pela lógica capitalista. Um PT capaz de organizar uma frente política e social de esquerda, para lutar contra o governo Bolsonaro, contra o conjunto das forças golpistas, contra o capitalismo e todas as formas de opressão e dominação. Um PT militante, com centenas de milhares de quadros políticos conscientes do seu papel histórico, atuando no dia a dia dos mais variados espaços, organizando núcleos, setoriais, zonais, sindicatos, associações, movimentos de luta dos mais variados matizes. É este o PT que precisamos extrair do 7º Congresso.
Para tanto, devemos começar nos libertando de todas as ilusões. A ilusão dos que acreditavam que se a esquerda desistisse da revolução e do poder, a direita desistiria dos golpes e das ditaduras militares. Que se desistíssemos da expropriação dos capitalistas, estes aceitariam a distribuição de renda e poder. Que se deixássemos de lado o anti-imperialismo, os Estados Unidos e seus aliados aceitariam a integração regional e respeitariam nossa soberania. Que se a esquerda fosse campeã do republicanismo e do “estado de direito”, o outro lado abriria mão do “estado da direita”.
O preço das ilusões, todos sabemos: o golpe de 2016, Lula preso, um cavernícola na presidência, o Brasil e a América Latina regredindo. Apesar disso, há setores que resistem em fazer a autocrítica das ilusões!
Dizem que o golpe foi causado porque Dilma não soube “dialogar”; que as forças armadas apoiaram o golpe porque foram “provocadas”; que a condenação e prisão de Lula foram obra apenas de Moro e Dallagnol, não do “partido do judiciário”, do “partido da mídia” (Globo à frente), do “partido dos generais” e do grande Capital. Que Haddad seria eleito se atraísse o “centro”; que o governo de Bolsonaro é frágil; que a libertação de Lula depende apenas de convencer este ou aquele juiz; que o grande empresariado já se deu conta de que era feliz e não sabia.
A cada derrota, os semeadores de ilusões buscam novas. Não conseguem perceber que na luta de classes vale a máxima: se queres a paz, prepara-te para a guerra.
Lula pode ser libertado, Bolsonaro pode ser derrotado, nossos inimigos podem ser divididos, podemos derrotar a direita nas eleições de 2020 e 2022, podemos voltar a governar o país. Mas para isso, só há um caminho: lutar, lutar e lutar. E os que vivem no mundo das ilusões, não conseguem lutar adequadamente.
A luta será mais ou menos longa, a depender do que ocorra no mundo; das divisões na coalizão golpista; e, principalmente, de nossa capacidade de conscientizar, organizar e mobilizar a classe trabalhadora. É esta capacidade que precisamos extrair do 7º Congresso.
Sendo tão importante, não admira que o 7º Congresso do PT venha sendo palco de muitas batalhas: da democracia contra a fraude; do partido de luta, contra a legenda eleitoral; do partido antissistema, contra a politicagem tradicional e fisiológica; da oposição radical, contra a frouxidão; das reformas estruturais e do socialismo, contra a socialdemocracia e o social-liberalismo.
O 7º Congresso é, também, a batalha contra quem deseja “virar a página do golpe”, se curvar às conveniências, escolher atalhos que terminam em becos sem saída, fazendo péssimos acordos para evitar os riscos inevitáveis de toda boa luta. Em resumo, o 7º Congresso é a batalha entre quem cultiva ilusões e quem semeia esperanças.
Ao inscrevermos nossa chapa ao Diretório Nacional e a candidatura do companheiro Valter Pomar à presidência nacional do PT, reafirmamos o conjunto das propostas e das posições que constam na tese “Em tempos de guerra, a esperança é vermelha”.
A conjuntura internacional segue tensa. Há dois fatores fundamentais de tensão. Por um lado, crescem os sinais de que pode ocorrer algo de gravidade similar aos fatos de 2008. Por outro lado, a tensão político-militar: no momento, com o foco nas relações entre EUA, Arábia Saudita e Irã. O pano de fundo da tensão segue sendo o conflito entre Estados Unidos e China, em torno da hegemonia mundial. Como parte do ambiente de tensão, operam a extrema direita e o fascismo.
A tensão internacional tem fortes rebatimentos na conjuntura da América Latina. Nos próximos meses teremos três eleições presidenciais importantes: o cenário é promissor para o campo popular, especialmente na Argentina, porém mais complexo no Uruguai e Bolívia. Na Colômbia, o governo estimula o massacre dos antigos guerrilheiros das Farc, perpetrado por organizações paramilitares. A situação segue instável e tensa na Venezuela: por um lado, o governo consegue produzir um acordo com setores da oposição; por outro lado, há uma escalada do conflito fronteiriço com a Colômbia, agravada pela decisão – tomada por uma maioria de governos liderados pela direita — de invocar, contra a República Bolivariana, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR). De conjunto, a esquerda latino-americana enfrenta e seguirá enfrentando uma situação muito diferente daquela aberta entre 1998 e 2003, com a eleição de Hugo Chávez, Lula e Kirchner.
No plano nacional, prossegue a ofensiva do governo e da maioria conservadora do Congresso contra os direitos sociais, contra as liberdades democráticas e contra a soberania nacional. A lista de maldades é longa: a reforma da previdência caminha para ser aprovada no Senado; facilitou-se o porte de armas para os latifundiários; a base de Alcântara está sendo “ofertada” aos Estados Unidos; voltam as privatizações; o ataque contra os direitos trabalhistas e sindicais prossegue; aumentam as ações e ameaças de censura a filmes e outras produções culturais, como o caso do filme Marighela e da Bienal do Rio de Janeiro; até mesmo o autofinanciamento das entidades estudantis por meio da carteirinha da UNE está ameaçado. Como resultado das ações do governo, crescem o desemprego, a informalidade, a miséria, a desassistência por parte dos serviços públicos (destacadamente na saúde), crescem o feminicídio e a violência policial, aumenta o envenenamento por agrotóxicos e as queimadas proliferam na região amazônica e no cerrado.
Por outro lado, a piora nas condições gerais do país e da população reforça e amplia o repúdio ao governo Bolsonaro. Mas isto não deteve, nem derrubou o governo, que demonstra até agora alta resiliência, conseguindo avançar na aprovação de seus projetos e segue tratando, a sua maneira, dos problemas que vão surgindo no seu caminho. A crescente impopularidade do governo não está sendo acompanhada de uma ampliação das mobilizações sociais. Pelo contrário, depois da aprovação da reforma da previdência na Câmara dos Deputados, houve um refluxo nas lutas sociais. Há uma dispersão de iniciativas e pautas, uma dificuldade de mobilizar amplas massas, o risco de que votações importantes na Câmara passem inclusive com pouco protesto social. É como se parcelas importantes do povo e da militância não acreditassem ser possível, ao menos neste momento ou por este caminho, deter ou derrotar o governo Bolsonaro. Alguns setores atuam como se determinadas derrotas fossem inevitáveis e contra elas não fosse importante pelo menos marcar posição.
A piora no ambiente social é acompanhada por crescentes conflitos entre os diferentes setores que apoiaram a eleição de Bolsonaro. Em parte esses conflitos decorrem de diferentes posições existentes no golpismo, por exemplo, entre os que querem destruir toda a institucionalidade prevista pela Constituição de 1988 (vide o tweet de Carlos Bolsonaro, falando da impossibilidade de mudar o país através da via democrática) e os que querem preservar esta institucionalidade (que, diga-se de passagem, foi a mesma que praticou o golpe, viabilizou a prisão de Lula e permitiu a eleição de Bolsonaro).
Frente às ameaças fascistas e de aprofundamento do estado de exceção, na ausência de fortes lutas sociais e na presença de conflitos intergolpistas, uma parte da esquerda brasileira está sendo novamente atraída para a crença de que a crise teria solução “por dentro” da institucionalidade e “através” de alianças com setores de centro-direita. Em todos os partidos de esquerda, se intensifica a movimentação relativa às eleições 2020 e 2022, há novas expectativas de que o STF delibere favoravelmente sobre Lula, cresce a polêmica sobre a natureza da frente (“democrática” ou “popular?”) necessária para derrotar o bolsonarismo.
Nesse contexto, o PT é vítima de um “cerco em formato de pinça”. Por um lado, a extrema direita, liderada pelo bolsonarismo, continua operando com o objetivo de liquidar o petismo. Recentemente, Olavo de Carvalho chegou a dizer que o problema do país não é a corrupção, é o Foro de São Paulo; e que todos os partidos a ele ligados, a começar pelo PT, deveriam ser impedidos de funcionar. Por outro lado, a centro-direita busca cooptar setores da esquerda para uma espécie de “bolsonarismo sem Bolsonaro”. Ciro Gomes voltou a atacar Lula e o PT, deixando claro que com ele (Ciro) na presidência o petismo continuaria a ser tratado como uma quadrilha. Um movimento chamado “Direitos Já” é lançado, com a participação de FHC, Anastasia e outros do gênero, mas sem Lula Livre. Governadores ligados à oposição, como Flávio Dino e Rui Costa, buscam se posicionar como candidatos desta frente “democrática” (uma “democracia” entre aspas, em que o tema da prisão política de Lula é tratado como questão menor).
Tanto a esquerda em geral, quanto o PT, estão divididos entre defensores de duas táticas: os que defendem uma “frente democrática” com a centro-direita e os que defendem uma frente democrático-popular. A rigor, trata-se de polêmica semelhante às ocorridas em outras épocas: participar ou não do Colégio Eleitoral? Assinar ou não a Constituinte? Apoiar ou não o governo Itamar? Naquelas polêmicas, o Partido Comunista do Brasil adotou as posições que está adotando agora, numa atitude que é coerente com sua visão programática e estratégica, que paradoxalmente reproduz a essência das posições da Declaração de Março de 1958 do antigo PCB.
Já o Partido dos Trabalhadores, que em outras conjunturas optou por demarcar o campo de classe, mesmo que a custa de relativo e passageiro isolamento, hoje está sendo arrastado para a posição de “quinta roda do carro”, na qual endossaria outro “pacto por cima”, legitimaria um novo “pacto das elites”, aprofundando a linha de conciliação de classes que no passado recente conduziu o Partido a pesadas derrotas, aceitando secundarizar as pautas da classe trabalhadora e dar centralidade à versão descafeinada da chamada “pauta democrática”, onde se fala de democracia sem Lula Livre e sem liberdade de organização popular.
Nossa posição é nítida: na encruzilhada entre uma nova transição conservadora e um duro e difícil enfrentamento, o PT deve liderar o enfrentamento. Se não houvesse outros motivos, bastaria este para justificar a nossa chapa ao DN e nossa candidatura à presidência do Partido.
A situação interna do PT – em que setores importantes defendem posições que, no limite, sacrificam o conjunto do Partido — só pode ser compreendida levando em conta três fatores. Por um lado, o ambiente geral de refluxo das lutas sociais, totalmente diferente do que ocorria nos anos 1980, quando o PT recusou ser aliado subalterno da frente comandada pelos liberais. Por outro lado, a inércia de quase 25 anos (1995-2019) de uma estratégia de centro-esquerda, que leva muitos petistas a tentar repetir o que acham que teria dado certo no passado, sem atentar para o fato de que a história não se repete, salvo como tragédia ou farsa. Hoje, repetir a tática dos anos 1990 seria “dar as mãos” para quem apoiou o golpe contra Dilma, apoiou a condenação e prisão de Lula, apoiou ou lavou as mãos frente à eleição de Bolsonaro e, principalmente, apoia o programa ultraliberal que castiga o povo. Finalmente, como terceiro fator, há o alto nível de institucionalização e burocratização das direções partidárias, o que facilita atitudes de “baixo risco” cujo único objetivo é preservar espaços e cargos.
Nas bancadas parlamentares, nos governos, na tática eleitoral, na campanha Lula Livre e nos movimentos sociais, fica clara a existência de duas táticas no interior do PT: a tática de acúmulo de forças através da oposição e do enfrentamento social; e a “tática” de baixar o perfil e esperar a onda passar, mesmo que à custa da capitulação e adaptação, explicando-se assim a fragilidade e dubiedade com que muitas vezes a campanha Lula Livre é tratada por setores da direção petista.
A tática da oposição e do enfrentamento só terá êxito se for respaldada por uma ampla mobilização social. Esta mobilização virá, mais cedo ou mais tarde, e é neste sentido que devemos concentrar nossos esforços e investir nossas energias. E é com esta orientação que vamos participar dos congressos estaduais e do congresso nacional do PT, assim como do congresso nacional e dos congressos estaduais da CUT.
A batalha pela mudança de rumos do PT, pela superação da estratégia de conciliação, pela elaboração de uma tática e uma ação política capaz de libertar Lula e derrotar o Bolsonaro, passa pela disputa do 7º Congresso do Partido dos Trabalhadores. É para contribuir nisto que inscrevemos a chapa “Em tempos de guerra, a esperança é vermelha” e a candidatura do companheiro Valter Pomar à presidência nacional do Partido.
Nossa chapa e candidatura seguem abertas ao diálogo com todos os setores do Partido que defendem posições semelhantes às nossas. A maioria numericamente “absoluta” que resultou do PED de 8 de setembro, maioria vitaminada por irregularidades e fraudes de diversos tipos, ainda está longe de ser uma maioria política.
Embora coincidam na estratégia, os setores do Partido que “venceram” as eleições internas de 8 de setembro de 2019 estão divididos acerca da tática. Isto ficou evidente na polêmica pública entre Rui Costa, a executiva nacional do PT, o senador Jaques Wagner e o próprio Lula. O senador Wagner achou “totalmente descabida” a resolução adotada pela executiva nacional contra as posições anti-partidárias do governador Rui. No fundo da polêmica, mais do que uma divergência política, está saber quem deve ter a “última palavra” sobre a posição do PT: as instâncias partidárias ou os mandatários eleitos pelo partido?
Outro exemplo de divisão acerca da tática aparece nas contraditórias declarações da presidenta Gleisi Hoffmann, de um lado, e do ex-candidato a presidente Fernando Haddad, de outro lado, acerca do movimento “Direitos Já”. Finalmente, há a política de alianças em 2020: faremos ou não alianças com partidos golpistas? Faremos ou não alianças com partidos que defendem que Lula deve continuar preso? Responder a estas questões é uma das tarefas centrais do 7º Congresso.
Como temos dito desde 2015, vivemos tempos de guerra. O grupo que hoje controla a direção nacional do PT não se preparou para isto. Muito pelo contrário, seguiu adotando uma estratégia equivocada e superada, incapaz de reposicionar o PT na nova etapa da luta de classes. Por isto, sofremos derrotas estratégicas entre 2016 e 2018. Hoje seguimos pagando o preço disto. Reverter a situação, libertar Lula, derrotar e derrubar a coalizão golpista, retomar o governo e a caminhada em direção a um Brasil democrático, popular e socialista não é assunto para uma corrida de cem metros, mas sim para uma maratona com obstáculos.
O centro da questão segue sendo colocar a classe trabalhadora em movimento, em defesa de seus direitos, liberdades, objetivos imediatos e históricos. Fazê-lo depende em boa medida de o PT mudar sua linha política e seu método de funcionamento.
É isto que queremos do 7º Congresso: um PT à altura de conduzir a luta da classe trabalhadora para derrotar o governo Bolsonaro, libertar Lula e construir um Brasil democrático, popular e socialista.
Lula Livre!!! Viva o Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras!!!
Segue arquivo com a nominata da chapa: CHAPA DN –