Incômoda alienação

Por José Burato (*)

As necessidades impostas pelo sistema político brasileiro geram a alienação (no sentido generalizado) dos partidos de esquerda, porque de fato eles se tornam coisas diferentes daquilo que ideologicamente formam as suas bandeiras de luta – suas essências. Essas necessidades são aceitas pelos partidos como naturais e imutáveis, demonstrando ainda mais o grau de alienação que cada um deles atingiu.

Tudo é gradual, inclusive essa perda de identidade, que tanto é individual quanto coletiva. O sistema político, que é uma blindagem da classe dominante, não permite autonomia partidária, basta olharmos para o passado e para o presente e verificarmos a interiorização dos valores sistêmicos nos partidos de esquerda (talvez não todos, mas certamente os mais expressivos atualmente). Isso, para satisfação burguesa, torna algumas palavras malditas: socialismo e revolução, por exemplo; e outras benditas: crescimento econômico, paz social, ordem e tradição, entre outras. Não deixa de ser uma colonização com formato diferente, em que o colonizado xinga o colonizador, mas a ele se submete totalmente, aceitando tudo, principalmente o seu jogo político-sistêmico e tipo de vida por ele (colonizador) imposto.

É triste perceber que o processo de alienação penetra e toma as estruturas dos partidos políticos que deveriam ser mais radicais em favor da classe trabalhadora, tornando-os mais do mesmo, ou, pior ainda, tornando-os “feitores dos colonizadores políticos”. Para além da mera execução de tarefas, onde está o poder decisório da militância para as questões fundamentais? A publicidade voltada tanto para a militância quanto para as massas se reduz à esperança (de um/a salvador/a da pátria), aos repúdios, a um moralismo estranhamente adequado à manutenção sistêmica.

Ainda reproduzimos o sistema, continuaremos a reproduzir, falamos e falaremos muito em direitos humanos, por exemplo, mas não discutiremos os significados humanos, o sentido de ser humano.

Continuaremos a debater as reformas estruturais da sociedade capitalista dependente brasileira, como se discute um remédio para aliviar os sintomas de uma doença qualquer, sem discutir, contudo, sua verdadeira causa e a eliminação definitiva dessa causa. Nesse sentido, podemos citar as várias teses apresentadas para a transformação da segurança pública, que fortalecem a crença em sua humanização por meio de medicamentos incríveis para os sintomas indesejáveis. Esses medicamentos baseiam-se na esperança em “salvadores/as” ou/e novos modelos; ou simplesmente aceitam que o princípio conservador de que fiscalização, leis e punições possam assegurar instituições de segurança totalmente legalistas e humanizadas.

Essas discussões são apegadas mais à eficácia, menos ao significado humano. Tendo a segurança pública novamente como exemplo, verificamos que por mais que seja citada e defendida, a prevenção da violência e criminalidade é restrita apenas às suas formas secundária e terciária. Essa demasiada preocupação com leis, polícias e prisões em detrimento da prevenção primária (que procura tratar e prevenir o mal em sua raiz), revela ignorância ou má-fé política – de qualquer forma, revela alienação. Daí se torna mais conveniente discursar (sem discutir com a militância) sobre a questão armamentista, sobre os CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador), razoavelmente fácil de resolver, do que se comprometer com (miseravelmente) políticas públicas que transformem a realidade brasileira em sua questão socioeconômica, melhorando com isso a segurança social.

Sim, sim, voltamos ao gargalo! É impensável essa transformação diante dessa realidade brasileira capitalista dependente, formada por uma classe trabalhadora superexplorada, o que, se não fosse a aludida alienação em que nos encontramos, seria certamente a discussão prevalecente em nosso partido e nos demais que se autodenominam socialistas.

Vencemos uma luta importante este ano, novas e mais terríveis lutas vêm por aí. Possamos contar com um partido político desalienado, fiel aos seus princípios e leal à militância; possamos formar uma militância desalienada e merecedora de um partido assim, porque as lutas que teremos pela frente exigem isso de nós.

Feliz e desalienado 2023 para todos e todas!

(*) José Burato é militante petista e da AE São Bernardo do Campo (SP)

 

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