O debate sobre a Mesa da Câmara na Executiva Nacional do PT

Por Redação Página 13 (*)

Nesse início de 2021, haveria muitos assuntos a abordar, mas escolhemos nos dedicar ao tema que vem incomodando parte do petismo: a participação da bancada do PT no “bloco do Maia”. O incômodo é tão grande que o Diretório Nacional transferiu o assunto para a Executiva Nacional, que transferiu o assunto para a bancada, que já fez várias reuniões, decidiu algumas coisas, mas outras seguem em aberto. O estado da arte: dia 4 de janeiro, segunda-feira, a bancada deve reunir-se mais uma vez.

A partir do relato feito ao Página 13 por Natália Sena, integrante da Executiva Nacional do PT, faremos um apanhado geral do que foi debatido acerca da eleição da Mesa da Câmara, na última reunião da Executiva, ocorrida no dia 15 de dezembro de 2020. Embora tenha ocorrido há 20 dias e muita coisa tenha mudado desde então, foi a última vez em que o debate foi debatido formalmente numa instância partidária.

Natália destacou que a reunião foi muito longa, tratou de vários assuntos, mas o principal tema foi mesmo a eleição da Mesa da Câmara. Chegaram a participar cerca de 20 parlamentares. E a discussão tomou como ponto de partida um informe dado por Ênio Verri, líder do PT na Câmara. Em linhas gerais, ele disse que na Câmara dos Deputados há três grandes blocos: o Centrão, que está junto com a base do governo Bolsonaro; o “Centro-liberal”, ligado ao grupo de Rodrigo Maia; e o que ele chama de “nosso bloco”, que são os seis partidos que compõem a oposição, coordenados pelo deputado José Guimarães, líder da minoria.

Já naquele momento, segundo Ênio, o bloco encabeçado pelo Centrão e que tem o apoio do governo Bolsonaro, tinha o Artur Lira como candidato à presidente. Então, o outro grupo na Câmara, que tem como cabeça Rodrigo Maia, ainda não havia escolhido seu candidato. Vários candidatos disputavam internamente: Agnaldo Ribeiro do PP; Baleia Rossi, que é o presidente do PMDB; Luciano Bivar do PSL; Elmar Nascimento; e Marcos Pereira, do Republicanos, que aparentemente havia brigado com Maia e saído do grupo.

Então no dia 15 de dezembro os dois grupos de direita poderiam vir a ter dois ou mais candidatos à presidência da Câmara. Naquele momento, por exemplo, Marcos Pereira junto com o Republicanos e o Podemos, caso saísse candidato, participaria de um bloco com cerca de 40 deputados. O grupo de Rodrigo Maia, com MDB, Democratas, PSDB, Cidadania e PSL, poderia ter em torno de 160. O grupo de Artur Lira, poderia ter em torno de 162 votos também.

E o “nosso campo” somando todos, tem uns 132 votos, ou seja, poderia embaralhar o jogo da direita e criar mais dificuldades e conflitos entre eles. Mas naquele momento, antes do Natal, segundo Natália, sabia-se que o PSB estava dividido ao meio: metade deles queria ir com Artur Lira, metade com o candidato de Rodrigo Maia. O PDT também estava dividido: o líder defendia ir com o grupo de Maia; já André Figueiredo defendia o nome de Artur Lira. A Rede tem só um voto e devia acompanhar a posição do PDT. E o PC do B iria com Rodrigo Maia.

Já o PSOL, naquele momento, a informação era de que caminhava para lançar uma candidatura. Hoje sabe-se que eles também estão divididos. Parte quer candidatura, parte que ir com o bloco de Maia.

Já no dia 15 de dezembro, a posição majoritária na bancada do PT na Câmara era participar em um bloco da direita. Uma minoria defendeu a constituição de um bloco da esquerda e o lançamento de uma candidatura de esquerda. Segundo Natália, daqueles que defendiam uma participação em um bloco da direita, uma parte defendia o bloco com Lira e outra parte defendia o bloco com Maia. Portanto, o motivo pelo qual se defendia estar em um bloco não dizia respeito a fazer oposição a Bolsonaro. O motivo real, na opinião de Natália, era ocupar espaços dentro da Câmara. Como o regimento da Câmara não garante a proporcionalidade na composição da Mesa, em tese você pode ser o maior partido e ficar fora da Mesa. Por isso, a lógica que prevalecia na maioria da bancada é: participar de um bloco e assim garantir o que é de nosso direito.

Acontece que nem mesmo esses acordos são sempre respeitados, pois o voto é secreto e o deputado de um Partido que compõe um determinado bloco pode votar no candidato do outro bloco; ou pode votar noutro nome que se candidate para disputar com o nome até então preferencial dentro de um determinado bloco. A votação é cargo a cargo, não por chapas.

Contudo, na reunião da Executiva, a posição defendida pela maioria da bancada foi pela integração em um dos blocos, para que fizéssemos o primeiro pedido de cargo depois da presidência. Seria a vice presidência ou a 1ª secretaria ou a secretaria geral. Além disso, por esses acordos, teríamos direito a escolher comissões mais importantes pra ter a presidência. Relatorias de projetos mais importantes. E principalmente, passaríamos a ter incidência na definição da pauta da Câmara de forma mais incisiva.

Segundo Natália, isso pode ser mais desejo do que realidade. Ou melhor, duplamente desejo. Primeiro, porque depende de o acordo ser feito, do bloco integrado ter maioria, dos acordos serem cumpridos etc. Segundo, porque exageram na importância efetiva das posições que possam vir a ser assumidas. Há deputados que acham que estes cargos são “poder” com P maiúsculo. É como se o mundo e a luta de classes girassem ao redor do parlamento.

Por outro lado, e a pauta do povo? Na cabeça dos parlamentares que defendem a composição com a direita, a participação do PT num bloco seria baseada num acordo. Na reunião de dezembro, foi falado de uma pauta em torno do que somos contra e do que queremos: somos contra a privatização da Petrobras, da Eletrobras; contra a autonomia do Banco Central; a entrada do projeto Mais Bolsa Família; a lei de financiamento do movimento sindical, fundo sindical; o respeito às minorias, à Constituição, à democracia na Casa; etc.;

A ideia que prevaleceu na reunião da Executiva, em 15 de dezembro, era montar uma pauta, partir para a negociação com os candidatos, ver qual deles mais se aproximava do nosso projeto, pra que a gente pudesse apoiar um desses candidatos. Quem propunha isso, entendia que essa seria uma maneira de nós ocuparmos um espaço que o partido merece. E que isso permitiria uma maior articulação de poder interno e refletir isso de forma externa.

É importante dizer que quem defende a importância de ocupar estes espaços, não acha que eles sejam pouco importantes, pelo contrário. Humberto Costa, por exemplo, insistiu que não se tratava somente de “cargos”. Mas também reconheceu, explicitamente, que essa ideia de apresentar uma plataforma estritamente do PT não iria prosperar. Mas considerava fundamental ter um presidente, no Senado e na Câmara, que fosse independente em relação ao governo federal, independente em relação ao Supremo Tribunal Federal, que tivesse uma postura de abertura em relação aos movimentos. A pergunta que fica: Alcolumbre foi isso? Maia foi isso? Um nome apoiado por eles será isso?

Contudo, houve posições diferentes na reunião. O companheiro Rogério Correia pediu para apresentar seu voto divergente, baseado na tese de que a disputa em questão tem repercussão mais ampla e para além da disputa de espaços da posição da bancada. Motivo pelo qual Rogério Correia e outros defenderam o lançamento de uma candidatura própria do partido. Rogério deixou claro que, na opinião dele, lançar uma candidatura própria não significava fechar as portas totalmente para outras alternativas.

Aliás, segundo Natália, quem na reunião colocou o pé na porta, destacando o significado de uma candidatura do Bolsonaro ganhando no Senado, ganhando na Câmara Federal, com os movimentos que ele já fez na Procuradoria Geral da República e os movimentos que ele já fez também no Supremo Tribunal Federal, destacando o perigo de termos dois anos com o Bolsonaro tendo “domínio completo em relação às instituições”, foi a minoria da bancada.

Na opinião dele, o motivo é o seguinte: para a maioria da bancada, a questão fundamental é a de ocupar o “espaço devido”. São os cargos, as comissões, as relatorias… Havendo quem defendesse fazer isso via Rodrigo Maia e quem defendesse fazer isso via Arthur Lira. Só depois que a bancada decidiu participar do bloco do Maia é que o tema do “derrotar Bolsonaro” passou a ser utilizado, publicamente, como argumento oficial; e o divertido é que passou a ser utilizado inclusive para criticar a minoria de esquerda que, como destacado, foi quem o tempo todo operou com esta preocupação.

Além do Rogério Correia, outros se posicionaram por outra tática na eleição da mesa diretora da Câmara. Paulo Pimenta deixou claro que, em várias questões fundamentais para o povo, não podemos ter nenhuma ilusão em que Lira e o bloco de Maia tenham alguma diferença. O deputado Henrique Fontana destacou que, inclusive para “negociar uma redução de danos”, a melhor saída é construirmos uma unidade da oposição, lançando uma candidatura”, debatendo ao longo de 30, 40, 50 dias, a nossa visão, o nosso programa, a visão que nós temos sobre o parlamento, para o país. Salientou que, como as direitas estão extremamente divididas, os nossos votos são importantes para desempatar essa disputa.

Ouvindo quem defendeu no dia 15 de dezembro o lançamento de candidatura própria, fica claro que a maioria da bancada escolheu uma tática que enfraquece nosso cacife, nosso peso, pois lançarmos um candidato da oposição não nos impediria de convergir para uma negociação final, ou às vésperas do primeiro turno ou no segundo turno.

Natália Sena também se posicionou na reunião por outra tática. Ela disse que nossa posição não deveria ter como ponto de partida a discussão sobre cargos, espaço na mesa, relatoria, pauta e coisas deste tipo, que certamente com uma candidatura própria teríamos dificuldades. Entretanto, enfatizou que todas as candidaturas postas, diretamente vinculadas ou não ao governo Bolsonaro, são defensoras ferrenhas do programa ultra neoliberal. Inclusive Rodrigo Maia deixou isso muito explícito na entrevista coletiva que ele deu na semana da reunião da CEN.

Natália também lembrou que o campo de Maia saiu fortalecido nas eleições municipais e a nossa primeira resposta a isso não pode ser apoiar esse pessoal na presidência da Câmara. Reafirmou também que a coisa mais importante nesse debate é a grande política, com qual linha política o PT pretende se posicionar nas lutas que a gente vai travar no próximo período, como é que pretende protagonizar alguma coisa nesse contexto e concluiu lembrando que nos discursos é praticamente um consenso que a gente precisa ter protagonismo na luta social, até pra voltar a ter bons resultados eleitorais, então se isso é um consenso, a nossa ação no parlamento poderia e deveria ajudar nisso e não atrapalhar.

Portanto, votar no grupo de Maia, e pior, votar no grupo de Artur Lira na presidência da Câmara atrapalha e atrapalha muito. Confunde. Nos desmoraliza. Por isso, temos que apresentar candidatura própria e temos que apresentar, principalmente, uma plataforma pública, que elenque os pontos que o PT defende pra um Congresso que se possa chamar de democrático. A começar, por exemplo, por pautar os pedidos de impeachment contra Bolsonaro.

Joaquim Soriano, segundo Natália, também defendeu que a esquerda precisa se diferenciar. Concordou com a intervenção do Henrique Fontana, defendeu a demarcação política, a nitidez política e programática que o nosso eleitorado exige. Lembrou que tínhamos acabado de aprovar, na última reunião do Diretório Nacional, uma declaração política dizendo que o fundamental é a gente ir pra rua, para a disputa política e social contra o Bolsonaro. E lembrou que não funciona, na hora de escolher dentro da Câmara e do Senado, uma aliança com aqueles que querem nos derrotar e querem nos extinguir. Outros falaram nessa mesma linha, segundo Natália. Por exemplo, Bohn Gass e Markus Sokol.

O último, segundo o relato, lembrou que na disputa anterior dissemos “petista não vota em golpista” e nesta estaríamos caminhando para fazer uma inflexão e que temos a responsabilidade de apresentar uma candidatura de oposição, senão se aprofundaria um sentimento de que não há oposição no país.

O curioso é que Sokol faz parte de O Trabalho, que mantém uma aliança no Diretório Nacional com a CNB, principal defensora e responsável pela linha política contestada por ele próprio. Outro membro da Executiva, Paulo Teixeira, defendeu soltar uma candidatura da oposição que vá até 30 de janeiro; negociar intensamente esses interesses com os blocos existentes e definir posteriormente.

Já Rui Falcão defendeu que cabe à direção partidária tomar a decisão sobre a sucessão na Câmara e no Senado. Por exemplo: derrotar Bolsonaro e fazer todos os esforços para que a oposição se mantenha unida. Segundo Natália, Rui desmascarou, na fala dele na reunião da Executiva dia 15 de dezembro, a tese dos apoiadores de Lira. Esses começam falando que todos são iguais e, se todos são iguais, acabam optando pelo bloco de Artur Lira. Mas não admitem a outra variante: se todos são iguais, por qual motivo não deveríamos recusar ambos e ter candidatura própria? Rui acrescentou que no nosso “programa para diálogo” devemos exigir que o próximo presidente da Câmara paute um dos pedidos de impeachment; e a inclusão, no regimento da Câmara, da proporcionalidade como cláusula obrigatória.

Também tomaram posição os deputados Célio Moura e Natália Bonavides, cujas posições foram divulgadas, na íntegra, no Podcast A Esperança é Vermelha.

Houve falas também em apoio à candidatura de Arthur Lira, como a de Washington Quaquá. Ele disse que a Globo é o núcleo central do poder dos EUA, do poder financeiro, do capitalismo mais perverso e internacionalizado do Brasil. E a Globo bateu em Artur Lira e defendeu Rodrigo Maia. Segundo Quaquá, para a Globo a candidatura de Lira é contra a Lavajato. E como Quaquá considera que acabar com o lavajatismo é parte central da questão democrática, ele deduz daí toda a posição dele. Criticou o “esquerdismo” de quem acha que a eleição de presidência de Congresso é eleição na sociedade. Quaquá considera que isso seria uma irresponsabilidade com o povo brasileiro e uma “disputa política infrutífera”.

Vários falaram nessa linha. Um deles foi o deputado Odair Cunha, para quem a ideia de que Artur Lira seria candidato de Bolsonaro seria (estamos relatando posições de 15 de dezembro) um “carimbo” dado pelas redes sociais. Por outro lado, Odair disse que Marcos Pereira, Elmar e quem viesse a ser candidato, fosse do PSDB, dos Democratas ou do MDB, seria um erro dizer que esta gente não teria também relações com o governo. Na mesma linha de Quaquá, Odair diz que se a Globo está de um lado, nós do Partido dos Trabalhadores deveríamos pensar muito bem que lado que nós vamos escolher.  Por fim, para Odair, não nos cabe fortalecer a “direita clássica”, que tem programa para o país, que tem projeto para o país, que busca construir a candidatura de Dória ou de Hulk, e dar a eles o palanque da presidência da Câmara.

Outros foram nessa linha, segundo Natália, mas com variações, ou de maneira menos explícita. Entre eles, Nilto Tatto, para quem não há grande diferença entre os dois blocos, e que a Globo trabalha para ter uma disputa de seu bloco contra Bolsonaro em 2022; e o deputado Alencar, com um raciocínio semelhante, ou seja, de que não haveria “diferença” entre os blocos. A conclusão, nas entrelinhas, por mais estranha que possa parecer, é de que então dever-se-ia apoiar Lira, pois ele teria mais chances de vencer. Outros que na reunião de 15 de dezembro adotaram posição pró-Lira, ou pelo menos deixaram as portas abertas para essa possibilidade, foram os deputados Paulão (AL) e Zeca Dirceu (PR).

Vagner Freitas, ex-presidente da CUT, lembrou no dia 15 de dezembro que os direitos dos trabalhadores foram retirados na legislatura de Rodrigo Maia, com apoio de Michel Temer, e tantos outros que hoje compõem a chapa por ele encabeçada. A prisão do presidente Lula também foi durante o processo e durante a gestão na Câmara e no Senado destes que se alinham ao redor do Rodrigo Maia. A espionagem do gabinete da presidenta Dilma Rousseff foi feita igualmente durante a gestão destes que agora se apresentam como direita liberal. Disse que os dois blocos são de direita. Mas essa constatação, como nos outros casos já citados, não foi para defender uma alternativa própria da esquerda.

Durante a reunião da Executiva, os favoráveis a participar do bloco de Maia reagiram dizendo que Arthur Lira estaria “coesionado com o governo” e que a orientação deveria ser derrotar Bolsonaro e Arthur Lira.

No final da reunião, Gleisi Hoffmann encaminhou para que não tomássemos nenhuma decisão na reunião da CEN. E propôs delegar para as bancadas a decisão final.

Mas antes, segundo Natália, houve um debate quente a respeito da proposição, feita por ela e outros, de que a Executiva deveria pelo menos vetar qualquer apoio a Lira. E de outro lado, Guimarães e Quaquá que no limite defendiam votar que não tivesse candidatura própria. Não chegou a ocorrer uma votação formal, prevalecendo a posição proposta por Gleisi Hoffmann mas a posição de Natália foi registrada em ata.

O problema de fundo é que as duas posições que existem na CNB e que são majoritárias na bancada, conduzem o PT a perder protagonismo. No que isso vai dar em 2022, não sabemos. Mas tememos que dê em coisas ruins, já em 2021. Por isso devemos continuar lutando para que o PT lance uma candidatura própria!

(*) redacao@pagina13.org.br

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