Por Lucas Reinehr (*) e Gabriela Affonso Frison (**)
Texto escrito para a edição especial do Jornal Página 13 – Volta às Aulas, publicado em janeiro de 2021.
Desde sua implementação como principal método de ingresso ao ensino superior durante os governos petistas, o Enem se tornou uma prova consagrada para todos aqueles que sonham em entrar na universidade. Embora a prova seja anterior aos nossos governos, foi durante as gestões do PT que o Enem passou por importantes mudanças e, junto com o SiSu e as cotas, formou a tríade da democratização do ensino superior. Foram milhares de filhos e filhas da classe trabalhadora que entraram na universidade através do SiSu, ProUni, Reuni e Fies, permaneceram através do Pnaes e se tornaram os primeiros de suas famílias a segurar um diploma. Para nós, esse processo representa um importante avanço. Para as elites brasileiras, uma ameaça. Por isso, desde o golpe contra a presidenta Dilma, o Enem tem passado por um processo de desmonte.
No Brasil, fortaleceu-se nos últimos anos uma batalha em torno do projeto de educação. De um lado, estão os partidos de esquerda, os movimentos sociais, a juventude trabalhadora e as entidades do campo da educação, que defendem uma escola e universidade para os filhos e filhas da classe trabalhadora, com um projeto democrático e popular de educação, voltado para a superação das desigualdades sociais e a construção de soberania nacional. Do outro lado, estão os grandes conglomerados de educação privada, a rede de cursinhos pré-vestibulares e os reacionários que não aceitam a presença do pobre na universidade. No último período, com a correlação de forças favorável para este campo, crescem ataques e ameaças às universidades, às escolas e ao método de ingresso mais democrático ao ensino superior basileiro mais democrático que já tivemos: o Enem.
Há anos, tenta-se deslegitimar o exame através de supostos vazamentos de prova, falsas polêmicas em torno das questões contidas no teste e outras tentativas esdrúxulas de estigmatizar um mecanismo importante da educação brasileira – que, para ficar claro, também possui suas contradições e limitações. Os principais interessados nisso tudo são os cursinhos pré-vestibulares, que querem ganhar mais dinheiro com ofertas de preparação para vestibulares regionalizados e provas restritas às universidades. Um método mais excludente de ingresso, mas também mais lucrativo.
Se todas essas circunstâncias abordadas acima permeiam e dificultam a continuidade do Enem, o ano de 2020 trouxe um impasse ainda maior: com a pandemia do novo Coronavírus, torna-se inviável realizar a prova sem que haja condições sanitárias para isso. O que teria sido uma decisão óbvia, caso tivéssemos um governo progressista, tornou-se uma luta: os estudantes brasileiros tiveram que pressionar o governo para adiar a prova. As discussões e mobilizações, que se iniciaram em março de 2020, foram majoritariamente virtuais e tinham como principal bandeira o adiamento do exame e a consulta com os estudantes para as novas datas. Após inúmeras articulações, inclusive no Congresso, o MEC de Bolsonaro cedeu e adiou a prova, porém, com uma data que não respeitava as reivindicações dos vestibulandos brasileiros.
Embora a maioria dos estudantes consultados tenha colocado que preferia o adiamento para maio de 2021, o MEC irresponsável de Bolsonaro adiou a prova para janeiro, respectivamente os dias 17 e 24 de janeiro. Neste momento, vivemos um dos maiores picos de mortes e contaminações desde o início da pandemia. Praticamente não há isolamento e muito menos segurança para os estudantes e trabalhadores brasileiros. Apesar do cenário caótico, que nos mostra tragédias diariamente em nosso país, como a recente falta de oxigênio nos hospitais de Manaus, Bolsonaro e seu governo acreditam que não há com o que se preocupar e que a prova deve ser mantida.
A UBES entrou com um processo no Ministério Público pelo adiamento e a decisão da justiça foi de que cada cidade decida se pode realizar a prova ou não, definindo que o INEP faça uma aplicação posterior para estes casos. Algumas cidades já declararam não terem condições de realizar a prova, como Manaus, que está passando pela crise da falta de oxigênio e lidando com uma mutação mais forte do vírus. No entanto, o presidente do INEP ainda não garantiu uma aplicação posterior para estes estudantes e até mesmo declarou publicamente que esses teriam o Enem 2020 cancelado. O adiamento parcial do enem, ou cancelamento, não atende às reivindicações dos estudantes. Isto causará um desequilíbrio entre os vestibulandos em coisas como tempo de preparação, ferindo o princípio de isonomia do Enem.
É nesse quadro que, mais uma vez, os estudantes brasileiros, junto com movimentos populares, artistas e outras lideranças, se mobilizam por um novo #AdiaEnem e por um #EnemSeguro. A realização do exame neste momento representa mais um ato de genocídio desse governo que não possui compromisso algum com a vida e quer dificultar o ingresso da classe trabalhadora no ensino superior. Adiado ou não, este já é um Enem excludente: em função da pandemia, muitos estudantes ficaram desamparados e já não vislumbram entrar na universidade. Muitos sequer puderam se inscrever no teste. Já outros tiveram acompanhamento, aulas remotas de cursinhos caros e condições para se preparar. A encruzilhada na qual se encontra o Enem é desafiadora. São muitas questões em jogo: a manutenção do exame, um processo excludente e, principalmente, milhares de vidas. Manter a data da prova é ser conivente com a morte de milhares. Precisamos de uma nova data, dialogada e planejada diretamente com a UBES, a CNTE e com o conjunto dos estudantes secundaristas. Manter o governo Bolsonaro é ser conivente com o genocídio, com o processo de exclusão das universidades e muito mais. Nesta encruzilhada, não há outro caminho que não seja a luta pelo adiamento do Enem e a derrubada do governo Bolsonaro.
(*) Lucas Reinehr é diretor da UNE
(**) Gabriela Affonso Frison é estudante do IFSul Sapucaia do Sul e diretora da UBES
(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.