O ensino remoto na UEMS: um projeto de evasão anunciado

Por Jefferson Mateus (*)

 

O ensino remoto na graduação e na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, assim como em muitas outras instituições, ocorreu de forma não planejada e com pouco diálogo com os estudantes cotistas e de baixa renda. Estes foram os mais afetados pela falta de acesso a acessórios tecnológicos, espaço adequado de estudo e internet. É importante contextualizar o perfil dos acadêmicos e localidade na qual está a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, sendo esta Instituição de Ensino Superior (IES) com maior percentual de estudantes indígenas da região Centro-Oeste do MS, segundo levantamento da Revista Quero Bolsa, parceira do Guia da Faculdade do Estadão.  A UEMS é a sexta universidade com maior presença indígena no Brasil e a 14ª IES com mais acadêmicos indígenas – com o percentual de 4,76% de estudantes indígenas, em relação ao número de matriculados na Universidade. A universidade está dividida em 15 unidades espalhadas pelo estado, possuindo um caráter de universidade interiorana.

O Estado de Mato Grosso do Sul concentra suas atividades econômicas no agronegócio e a lógica produtivista é marcada no cotidiano da vida da população que vive nesse estado, no qual a produção de soja e gado valem mais que a vida. Esse elemento é extremamente violento com os pequenos produtores do campo  e com as comunidades indígenas que travam lutas pelo direito à terra. Além disso, a qualidade de vida de grande parte dos moradores desse Estado é defasada, principalmente no interior faltando subsídios para se ter serviços de qualidade como de internet, o que já era um problema para os estudantes antes da pandemia com o ensino presencial e se agravou ainda mais com o ensino remoto.

Grande parte dos acadêmicos da universidade são residentes de áreas rurais, sendo assim, a possibilidade de conexão com a internet se torna mais precária, além de que por ser uma universidade cujas vagas são ocupadas em sua maioria por estudantes de baixa renda, sendo esses trabalhadores,  muitos desses discentes são mães ou pais, possuindo mais uma jornada quando estão em suas moradias. Pelo fato de estarem em um curso presencial e por suas dificuldades financeiras, muitos não possuem espaço de estudo em suas residências e nem aparelhos tecnológicos. Antes da pandemia, estes estudantes utilizavam a biblioteca e o laboratório de internet. A universidade, infelizmente, optou por implementar uma modalidade emergencial remota às pressas, sem diálogo com a comunidade acadêmica e principalmente sem considerar a diversidade socioeconômica entre os estudantes. Com isso, não ofereceu estrutura para estes discentes se adaptarem ao ensino emergencial, ignorando as subjetividades sociais dos mesmos, implementando uma modalidade de ensino limitada e excludente.

As aulas presenciais foram suspensas no dia 18 de março e, junto a essa decisão, já estava sendo implantado o ensino remoto sem nenhum planejamento da universidade, enquanto as demais instituições de ensino suspendiam o ano letivo por tempo indeterminado propondo nesse período um plano para a execução do ensino remoto. A UEMS impôs o ensino a distância sem oferecer formação aos docentes para este período, também não propondo ações para os acadêmicos sem acesso estudarem nesse período.

Esse primeiro período de ensino remoto foi até o dia 18 de maio, após isso as aulas foram suspensas até a reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) que ocorreu nos dias 18 e 19 de julho. Nesta reunião, foi votada a não suspensão definitiva do calendário letivo e também qual proposta iria dar continuidade ao ensino remoto. Após essa reunião, o CEPE definiu plataformas virtuais para o ensino remoto e alterou o calendário do ano letivo de 2020. Também foi assegurado que todos estudantes teriam acesso aos conteúdos das disciplinas, seja participando de aulas síncronas, por videoconferência, ou assíncronas. Porém, as ações da instituição se basearam em organizar um plano logístico de entrega das atividades impressas aos estudantes sem acesso e oferecer um auxílio internet no valor de 60 reais, valor insuficiente para o pagamento de mensalidade de internet e compra de aparelhos tecnológicos.

É importante apontar como este projeto de ensino remoto precariza a educação, considerando principalmente a quantidade de evasão ou trancamento da matrícula nesse período, além  de muitos acadêmicos terem um ano letivo composto por “caderno de atividades”, uma espécie de apostila, sendo este método de aprendizagem meramente conteudista, no qual a socialização do processo de ensino é negada. O ensino remoto foi mantido pela maioria dos conselheiros do CEPE da instituição como única maneira possível de continuidade ao calendário acadêmico, afirmando a necessidade de dar sequência ao ano letivo, pois as questões jurídicas e financeiras pela qual a instituição depende não asseguram o pagamento de bolsas aos acadêmicos e nem salários aos docentes, administrativos e terceirizados. Entretanto, ficou nítido o quanto a pandemia foi utilizada como justificativa para a imposição de um modelo de ensino neoliberal e excludente.

Anos atrás, a UEMS se tornou pioneira nas ações afirmativas para os indígenas e a terceira no Brasil com cotas para negros e negras no ensino superior, porém essas políticas e as memorias saudosistas não são o suficiente para de fato ter uma universidade democrática, considerando principalmente o fato da mesma ter agido de forma excludente e irresponsável ao vetar desses acadêmicos o direito ao ensino de qualidade, pois muitos sem acesso não veem outra alternativa a não ser a evasão ou se submeter a uma péssima qualidade de ensino. Essa é a prova de que a luta e a conquista pelo acesso à universidade não se dá apenas com a vaga, pois deve haver políticas que assegurem condições de estudo para estes estudantes democratizando também os métodos didáticos de ensino.

Embora a pandemia tenha exigido adaptação das universidades, a forma como essa adaptação aconteceu foi resultado de escolhas. Algumas instituições optaram por suspender as atividades e dialogar com seus estudantes antes de tomar decisões precipitadas em relação ao ensino remoto. No caso da UEMS, a ausência de diálogo e de preocupação com os estudantes mais vulneráveis acarreta uma triste e problemática realidade que devemos combater: a evasão de muitos estudantes. Não há como o campo da educação atravessar a pandemia sem a criação de políticas públicas que pensem a permanência dos estudantes e garantias concretas nesse período difícil. Para obter essas conquistas, devemos fortalecer a nossa luta em defesa de uma educação democrática e de qualidade. Com ou sem pandemia.

(*) Jefferson Mateus é estudante de Ciências Sociais na UEMS e militante do movimento estudantil na universidade.


(**) Textos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da tendência Articulação de Esquerda ou do Página 13.

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