O movimento docente e o governador professor

Por Luena Monteiro Oliveira (*)

O então estudante Jerônimo Rodrigues. Foto: Acervo pessoal

São cerca de 45 mil professores na rede estadual pública de ensino da Bahia. Esse conjunto de trabalhadores da educação assistiu, ao final de 2022, à eleição do primeiro professor a se tornar governador da Bahia. Passado o primeiro ano da eleição, os reflexos da chegada ao poder de Jerônimo Rodrigues ainda não foram sentidos pela comunidade escolar da Bahia, não cumprindo com as expectativas da categoria.

Em 17 de agosto de 2023, o movimento docente entrou em paralisação para reivindicar o pagamento adequado dos valores devidos aos professores a título de precatórios do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). A Bahia foi o único estado do Nordeste a pagar os precatórios determinados pela justiça sem o devido pagamento dos juros, o que é injustificável para um governo de esquerda.

A questão em torno do repasse do Fundef, no entanto, não é a única reivindicação em pauta na Bahia quando se trata da categoria dos professores. Com a implementação do piso salarial dos professores, ano a ano, observa-se um achatamento da tabela salarial, o que implica na descaracterização da progressão da carreira de educador. Além disso, o auxílio-alimentação da categoria está congelado desde 2019, desprezando a perda decorrente da inflação. Também há pouca oferta de cursos de aperfeiçoamento para progressão na carreira, tais como os mestrados profissionais e os cursos do Instituto Anísio Teixeira, que, no último período, foram ofertados de forma reduzida.

Ao que parece, o carro-chefe do governo estadual, quando se trata da Educação, vem sendo a reforma de escolas e a construção de novos complexos educacionais para o ensino em tempo integral, política que se iniciou no governo Rui Costa e que prossegue em execução pelo governo Jerônimo. O processo de reforma das escolas, no entanto, é algo tocado de modo completamente alheio à comunidade escolar, sem levar em conta a demanda de alunos e professores e de forma que nem mesmo os colegiados escolares e as direções das escolas têm informações sobre o que vai ser realizado nos colégios.

Consequentemente, a Bahia segue pontuando entre os últimos lugares nos índices do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), no que encontramos que somente blocos e tijolos não são o suficiente para a superação das questões pedagógicas que atingem a maioria da população de alunos que se encontra em condições de vulnerabilidade nem para superar os enormes desafios que as trabalhadoras e trabalhadores da educação enfrentam cotidianamente. A gestão territorial dos núcleos de educação é ocupada por sujeitos que não têm um olhar sensível para práticas de ensino, gerando grande crítica por parte do professorado, que se vê acuado a cumprir tarefas que não ajudam a construir uma educação emancipatória.

No que se relaciona ao currículo, não há a devida implementação na rede estadual da lei 10.639/03, que obriga a oferta de ensino da história africana nas escolas. Por outro lado, a reforma educacional do governo Temer introduziu componentes curriculares cujos professores não tiveram formação pedagógica durante a graduação, e nem recebem formação continuada para tal. A Educação Especial, voltada para jovens com necessidades especiais (como TDAH, TEA e com superdotação), tem pouca estrutura e acompanhamento pedagógico.

Diante desse quadro, o movimento sindicalista na Bahia, quando se trata da representação dos professores, sofre com inúmeros problemas. Décadas de comando do mesmo agrupamento político à frente da organização sindical trouxe burocratização e afastamento das pautas da categoria. A APLB (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia) é hoje dirigida pela CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil). O próprio conjunto dos trabalhadores da educação tem enorme dificuldade de se afastar da pauta salarial, não se interessando por discussões outras que envolvam o orçamento ou o currículo, por exemplo. A relação do governo estadual com o movimento docente apresenta-se bastante contraditória para um governo eleito pela esquerda: nos anos recentes, a prática recorrente é a de cortar o ponto dos trabalhadores que ingressam em greves ou participam de assembleias sindicais, para além do discurso oficial do ex-governador Rui Costa invariavelmente jogar a sociedade contra os professores que se manifestam politicamente.

Do ponto de vista humano, a educação é ato de libertação quando engajada a serviço de uma leitura crítica da realidade. A professora militante tem no espaço de sala de aula seu primeiro lugar de intervenção na realidade. Ter um professor governador é aguardar que o chão da sala chegue aos espaços de poder que possam alargar nossa possibilidade de mudar a realidade. Quando faltar a boa vontade do governo, temos um instrumento ainda mais pedagógico: a greve, pois professores mobilizados também estão ensinando!

(*) Luena Monteiro Oliveira é professora da rede estadual de ensino da Bahia desde 2005

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *