Por Varlindo Nascimento (*)
Por esses dias assistia a uma entrevista de Darcy Ribeiro no Roda Vida feita ainda em 1988, no meio do governo Sarney e no calor da constituinte. Em certo momento, quando se debatia sobre formas políticas, um jornalista que, confesso, não me ative ao nome, fez aquela comparação tão comum na contemporaneidade das fake news atribuindo valor igual ao comunismo e ao nazi-fascismo. O que se materializa hoje em dia em frases como “O nazismo é de esquerda”.
De certa forma ver esse tipo de revisionismo criminoso sendo praticado tão a cara dura 32 anos atrás me deu uma certa sensação de alívio. Alívio no sentido de que esse nível de extrema ignorância de uns e leviandade de outros não é um mal exclusivo da minha geração.
Há que se ressaltar que Darcy Ribeiro não se contrapôs a colocação do entrevistador, nem fez qualquer juízo de valor sobre o proferido. O que me levou a interpretar seu consentimento e concordância.
Pois bem, do ponto de vista prático e concreto é importante que façamos algumas ponderações de base historiográfica:
1. O fascismo eclodiu na Europa com o fim da Primeira Grande Guerra, ao mesmo tempo em que as classes operárias desses países se organizavam em torno dos partidos comunistas articulados na Terceira Internacional. O sucesso da Revolução Russa e o caos econômico e social em países como Itália e Alemanha fez com que as burguesias desses países se aliassem a extrema direita como uma forma de freio ao socialismo.
2. O regime hitlerista teve amplo apoio da burguesia alemã, desde a ascensão ao cargo de chanceler até o apoio material e ideológico fornecidos ao regime pelo capital industrial local. Um incêndio na sede do parlamento alemão (Reichstag), em 1933, serviu como argumento para Hitler reprimir os comunistas, perseguir dirigentes e militantes e decretar a proibição do partido.
3. A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) foi um prenúncio da Segunda Guerra. As burguesias de Inglaterra e França não moveram uma palha em defesa do regime republicano espanhol, que só contavam com alguma ajuda da União Soviética. Por sua vez, Alemanha e, principalmente, Itália deram forte apoio logístico às tropas do general Francisco Franco, o que foi determinante para a vitória dos fascistas. A omissão das duas maiores burguesias europeias mostra o quanto o fascismo não era um problema, mas uma solução contra anarquistas e comunistas.
4. Ao final da Guerra, Portugal e Espanha, que estavam na zona de influência direta das potências ocidentais, permaneceram sob os regimes fascistas de Salazar e Franco, respectivamente. Isso é explicado pela débil condição econômica e militar desses países que não representavam ameaça do ponto de vista militar. Para as grandes potências era muito mais conveniente um regime de tipo fascista forte na repressão interna, porém fraco externamente, do que abrir a possibilidade de as forças representantes da classe operária e do campesinato tocarem adiante um processo revolucionário de base socialista.
Os exemplos históricos vão muito além dos apresentados aqui, e isso precisa ser evidenciado. Se observarmos bem, vivemos uma época semelhante àquela que permitiu a eclosão da Segunda Guerra. A crise de 2008 colocou em xeque a sobrevivência do capitalismo, que, em função disso, precisou abrir mão de certos aspectos liberais para impor uma agenda agressivas de reordenamento do seu sistema de exploração e, consequentemente, garantir a sua reprodução. É exatamente neste contexto que os modelos de tipo fascista, ou com características do fascismo, começam a ascender novamente em uma série de países, inclusive o Brasil. Neste sentido, a realidade dos fatos nos prova que o fascismo é apenas, ao fim e ao cabo, uma forma específica que a burguesia apresenta em tempos de crise do capital para reorganizar as suas formas de exploração.
(*) Varlindo Nascimento é militante petista em Recife, bacharel em Geografia, pós-graduado em Sindicalismo e Trabalho.
Link da entrevista no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=6r7QDo9yHJk