Boletim interno da Direção Nacional da
tendência petista Articulação de Esquerda
1) Resolução sobre a situação política
Nos dias 18 e 19 de março realizamos uma reunião da direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda. O primeiro ponto de pauta desta reunião foi um debate sobre a situação nacional e internacional. Apresentamos a seguir uma “ajuda memória” de nosso debate a respeito, acompanhado de algumas resoluções adotadas.
Ajuda memória
1/Devemos contribuir para que a esquerda brasileira, especialmente o Partido dos Trabalhadores, retome uma perspectiva estratégica. Ou seja, precisamos retomar o debate sobre como alcançar nossos objetivos de médio e longo prazo, o que inclui obviamente reafirmar quais são estes objetivos.
2/Devemos combater a postura que consiste em restringir o debate ao curto prazo, aos objetivos conjunturais e táticos. Os que adotam e defendem esta postura curto prazista em geral se consideram “realistas”, ou seja, atentos a correlação de forças. Acontece que para um partido de esquerda, que pretende transformar a realidade, é tão importante determinar a correlação de forças, quanto é importante determinar como alterar esta correlação de forças em favor das classes trabalhadoras. Mas isso só é possível de fazer quando se quer definir e alcançar objetivos de médio e longo prazo. E quando se pensa a política como movimento, de forma dialética.
3/É preciso atenção para a evolução da situação internacional.
4/Recomendamos a leitura dos artigos publicados na mais recente edição da revista Esquerda Petista, abordando a situação dos Estados Unidos, a China, a Rússia, a Europa, a África, a Palestina, a América Latina, bem como analisando o conjunto da situação mundial. Recomendamos, em particular, atenção para as mobilizações em curso na França, bem como para a crise que afeta vários bancos, em particular nos Estados Unidos e Europa.
5/A situação internacional confirma a postura crítica que adotamos frente ao governo Biden, totalmente distinta daqueles que esperavam que este governo fizesse “uma revolução no capitalismo”, seja no sentido do crescimento, seja no sentido do bem-estar. Pelo contrário, a economia dos EUA segue controlada pelo complexo Wall Street/Pentágono, o que empurra a classe dominante daquele país, não importa quem esteja no governo, para a guerra como suposta solução para os seus desafios internos e externos.
6/Erram os que alimentam ilusões sobre os EUA, erram os que consideram seu governo atual como nosso “aliado”. Assim como erram aqueles que apostam na Europa como suposta aliada. Erram, igualmente, os que defendem que adotemos políticas “progressistas” e “social-liberais”: a esse respeito, basta observar as dificuldades enfrentadas pelos governos Macron e Boric.
7/Nosso “aliado tático” no plano mundial é o bloco liderado pela República Popular da China. Aliado tático porque os interesses da China coincidem parcialmente com os nossos: tanto a nós quanto a eles, interessa derrotar os EUA. Mas a nós interessa derrotar os EUA, como parte do processo que visa mudar profundamente o lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho e do poder. E transformar o Brasil em potência mundial choca, em alguma medida, com interesses da própria China.
8/Nossos aliados estratégicos são os povos latino-americanos e caribenhos. Motivo pelo qual é inaceitável que nosso Partido e nosso governo tratem como se fossem inimigos, países, governos e partidos defensores da integração regional. Nossos inimigos são os imperialistas. O Brasil deve ser proativo na busca de soluções para os problemas dos países da região, com destaque para Argentina, Venezuela, Colômbia, México, Chile, Bolívia, Cuba e Nicarágua.
9/Vista de conjunto, a situação internacional aponta para uma escalada do conflito geopolítico, inclusive no plano militar; e para a persistência da crise econômica latu sensu, como se está constatando na situação de grandes bancos nos EUA e Europa. As políticas de estímulo, generalizadas na época da pandemia, não resultaram no crescimento esperado: a verdade é que há uma crise estrutural do capitalismo.
10/É preciso lembrar sempre que o Brasil vive uma crise estrutural, de múltiplas dimensões, mas que tem seu vetor principal na desindustrialização. O país voltou a ter uma participação industrial no PIB similar a dos anos 1920; mas naquela época 80% da população vivia no campo. Hoje 80% da população vive nas cidades e, por isso, é materialmente impossível superar a crise, se nossa economia seguir primário-exportadora.
11/Alcançar nossos objetivos (soberania nacional, bem estar social, liberdades democráticas, desenvolvimento e socialismo) implica em derrotar três inimigos: o neofascismo, o neoliberalismo e o imperialismo. Por exemplo: se queremos reindustrializar o país, não basta derrotar os neofascistas. E se queremos derrotar os neofascistas, é preciso superar o ambiente social e cultural imposto pelas políticas neoliberais. E se quisermos derrotar ambos, neofascismo e neoliberalismo, será preciso derrotar também seus patronos imperialistas. Isso não é contraditório com definir, a cada momento concreto, quem é o inimigo principal; assim como é correto definir, em cada situação, o sentido do golpe principal. O erro consiste em confundir alianças pontuais e alianças táticas, com alianças estratégicas.
12/Nosso governo nacional e nossos governos estaduais, eleitos em 2022, resultaram de uma vitória muito difícil, alcançada numa disputa na qual participamos com uma política de frente ampla, que tratou parte dos neoliberais como se fossem nossos aliados estratégicos.
13/O mais grave não foi ter feito esta aliança – a qual nos opusemos; o mais grave foi não ter discutido o que fazer para, no momento seguinte, derrotar os aliados de ontem. Por exemplo: a direção nacional de nosso Partido não quis debater o que fazer com a independência do Banco Central; não quis debater o que fazer com as Forças Armadas. Importante destacar que justamente essas questões, que não foram debatidas, ganharam enorme importância desde o início do nosso governo.
14/Ainda sobre o tema das alianças, destaque-se o imenso tempo e esforço gastos construindo uma federação que – como a vida demonstrou – não serviu para os propósitos a que se propunha.
15/Não podemos aceitar que o limite máximo de nossos governos seja o socialiberalismo na economia e o progressismo na política. Se aceitarmos esses limites, estaremos contribuindo para sofrermos uma derrota brutal em 2024 e em 2026.
16/É preciso reconhecer os limites da correlação de forças, é preciso fazer mais e melhores políticas públicas, mas ao mesmo tempo é preciso criar as condições para avançar, criar as condições para fazer reformas estruturais que alterem as estruturas de poder, renda e riqueza, que mudem o lugar do Brasil no mundo, não apenas no plano simbólico, mas principalmente no plano material. O debate sobre o Banco Central, sobre a Petrobrás, sobre a Eletrobrás, sobre a política fiscal, de juros e tributária, deve ser feito a partir desta perspectiva.
17/Embora muito esteja sendo feito, embora muito mais possa ser feito, a verdade é que a correlação de forças institucional é estruturalmente desfavorável. Se não houver mobilização de massas, se não houver uma grande onda de lutas sociais, nosso horizonte de possibilidades continuará limitado.
18/Por isso, uma grande questão é o que podemos fazer, a partir das posições que ocupamos, no sentido de estimular a mobilização social.
19/Apesar da derrota que sofreu no dia 8 de janeiro, a extrema direita segue presente, forte e com capacidade de mobilização superior à nossa. Além disso, a direita neoliberal tradicional está extremamente ativa, pressionando – por dentro e por fora do governo – para que nada mude. Além disso, o imperialismo também faz intensa pressão. Por tudo isto, não podemos subestimar os riscos em 2024 e 2026, nem tampouco os riscos de novos levantes da Casa Grande.
20/Tampouco devemos subestimar os riscos decorrentes da guerra e da crise bancária; assim como não devemos minimizar a gravidade da situação envolvendo a segurança pública e o sistema carcerário. A população carcerária cresceu, desde 2003 até hoje, de 200 mil presos para cerca de 1 milhão. Isso revela o fracasso de uma política de segurança baseada na militarização e no punitivismo.
21/As chances de ocorrer uma grande onda de lutas sociais aumenta muito se forças como o PT, a CUT e o MST contribuírem neste sentido.
22/A força do PT é inegável, atestada nas pesquisas e no fato de – nas nove eleições presidenciais ocorridas desde 1989, inclusive – termos vencido 5 vezes e ficado em segundo lugar nas outras 4. Entretanto, é preciso dizer que – mesmo no terreno eleitoral – enfrentamos dificuldades.
23/Nosso melhor resultado eleitoral nas disputas presidenciais, em termos de votos válidos, foi em 2002. Em 2022, vencemos por uma diferença de apenas 2 milhões de votos de vantagem; além disso, fomos derrotados na maioria dos estados; mesmo nos estados onde vencemos, há sinais de perda de força; e nos parlamentos e nos municípios, o resultado passado e a perspectiva futura são ainda mais preocupantes.
24/Além das dificuldades eleitorais, o PT apresenta outros sinais de perda de vitalidade: a estatização das finanças partidárias, nas quais é mínima a contribuição militante; o predomínio da dinâmica eleitoral (“partido dos anos pares”); a autonomização crescente dos parlamentares e governantes eleitos, por sobre as direções e a militância em geral; a conversão de muitas de nossas tendências internas em cooperativas de parlamentares; a crescente subordinação do nosso partido à dinâmica e aos hábitos institucionais e parlamentares; o horizonte cada vez mais curto, em que “estratégico” passa a ser pensar na próxima eleição.
25/Nosso principal problema é a redução de nossa influência organizada na classe trabalhadora, para o que influi a distância crescente entre a composição social de nosso eleitorado e a composição social da cúpula nacional do Partido.
26/Episódios deprimentes, como fotografias com genocida, oração em solenidade, parlamentar protegendo o fazendeiro amigo, devem nos servir como alertas de que precisamos de profundas mudanças estratégicas e organizativas, não da “construção de narrativas”, tampouco de um “reposicionamento de marca”.
27/Para agravar o rol de dificuldades, temos o adiamento do PED (adiamento que alguns querem estender para os municípios); a existência da Federação (que alguns querem ampliar), além da implacável biologia.
28/A situação da CUT e do conjunto do sindicalismo merecem redobrada atenção. Temos uma das taxas de sindicalização mais baixas de nossa história, em torno de 10%. Ademais, o movimento sindical demostra baixa capacidade de mobilização. O mundo do trabalho mudou profundamente nas últimas décadas e anos, o que impõe grandes dificuldades objetivas.
29/Não se deve esquecer que segue extremamente difícil a situação da classe trabalhadora, em particular das mulheres, dos negros, dos moradores das periferias e da juventude trabalhadora.
Resoluções
1/Devemos defender o governo Lula, os governos estaduais e municipais petistas, a atuação de nossas bancadas e de nosso Partido, bem como devemos defender a atuação dos partidos de esquerda, dos sindicatos e movimentos sociais. Isso inclui lutar para que nossos governos (municipais, estaduais e federal) cumpram o programa e implementem políticas em defesa dos interesses e necessidades do povo, inclusive em temas como o pagamento dos pisos. No caso específico do governo Lula, é preciso insistir na construção, não apenas de um plano estratégico, mas também de um núcleo de governo.
2/Devemos pressionar em favor de uma politica econômica reindustrializante, uma politica alicerçada na ampliação dos investimentos públicos, a serem viabilizados através de uma reforma tributária que penalize os ricos, ao mesmo tempo que isente os pobres e reduza a carga tributária sobre os chamados setores médios. O novo marco fiscal, caso não seja coerente com isto, deve ser criticado publicamente, no sentido de sua alteração.
3/Devemos contribuir para a retomada da mobilização social, dando especial atenção neste momento para temas como a revogação da chamada reforma do ensino médio, a luta pelo cumprimento do piso (enfermagem e educação) e, também, para a construção de uma campanha de massas em favor de que os ricos paguem impostos. Devemos apoiar, estimular e também propor iniciativas em torno do 31 de março/1 de abril, do abril de lutas, do primeiro de maio.
4/Devemos contribuir para que a militância se mantenha motivada e mobilizada. Isso foi decisivo para a vitória de 2022 e será igualmente decisivo para as vitórias em 2024 e 2026. Motivar a militância inclui combater publicamente as posturas que atropelam o estatuto partidário e a democracia interna. Depois de definir um vice sem realizar um encontro nacional, depois de compor o governo sem considerar diversos setores do Partido, depois de prorrogar os mandatos das direções, agora se cogita rasgar decisões congressuais acerca do número máximo de mandatos parlamentares consecutivos.
2/Expediente
Orientação Militante é um boletim interno da Direção Nacional da tendência petista Articulação de Esquerda. Responsável: Valter Pomar. A direção da tendência é composta por: Mucio Magalhães (PE) acompanhamento do PI, PE, PB e SE; Valter Pomar (SP), coordenação geral, comunicação e acompanhamento das regiões Sudeste e Norte e do Maranhão; Damarci Olivi (MS), finanças; Daniela Matos (DF), formação, cultura, LGBT e acompanhamento do MT e GO; Natalia Sena (RN), acompanhamento da bancada parlamentar e dos Estados do RN, CE, BA e AL; Jandyra Uehara, sindical e acompanhamento dos setoriais de mulheres; Patrick (PE), acompanhamento da juventude, do setorial de combate ao racismo, do MS e DF; Júlio Quadros (RS), acompanhamento dos setoriais de moradia, rurais e da região Sul. Comissão de Ética: Jonatas Moreth(DF), titular; Sophia Mata (RN), titular; Izabel Costa (RJ), suplente; Pere Petit (PA), suplente