Por Valter Pomar (*)
Recomendo enfaticamente a leitura da entrevista concedida por Orlando Silva ao jornal Folha de S. Paulo e publicada na edição de 12 de agosto de 2020.
Na entrevista, Orlando Silva nos informa que fará uma campanha com “dimensão nacional”, mas “levando em conta a realidade local”. Diz que é preciso “aprender com o povo”, “ser mais humilde”, “reconectar com o povão”, “estruturar um projeto político popular renovador para a cidade de São Paulo”, “pisar no barro”, “voltar a fazer trabalho de base, preocupar menos com lacração na internet e mais com a organização do povo”, “aprender com as comunidades religiosas e neopentecostais”, “resgatar o que foram marcas dos movimentos progressistas, como mutirões, iniciativas populares de saúde e de creche”, levar para a campanha “a indignação de quem conhece os problemas do povo de viver, não de ouvir dizer”, tendo como foco “ajudar primeiro quem mais precisa”.
Além disso, propõe “gerar oportunidades para a população negra”, “geração de vagas”, “dar fôlego aos pequenos comerciantes e às pequenas empresas”, “moratória nos grandes contratos”, “auditar o subsídio ao transporte público” que “não dá pra manter no nível de hoje”. Defende um “transporte de alta capacidade, com expansão das malhas metroviária e ferroviária”. E critica a gestão João Doria/Bruno Covas, que “passará à história como uma gestão nula para a cidade de São Paulo”. Algumas destas afirmações poderiam ser feitas, com maior ou menor radicalidade, pelas candidaturas do PT e do PSOL.
Perguntado sobre a diferença entre ele, Tatto e Boulos, Orlando Silva diz que “pode haver identidades porque compomos o mesmo campo. Mas uma liderança política negra enfrentar o racismo estrutural é diferente de uma que ouve dizer o que é o racismo”. E acrescenta: “O PT é parte do passado. E o PSOL é uma espécie de PT retrô, dos anos 1980. Vou, com a minha experiência de vida e pessoal, valorizar a minha condição de negro e debater a representatividade na política. Não serão os brancos que vão romper com o racismo estrutural”.
Um raciocínio bastante ousado, considerando o papel que o PT teve na eleição de Orlando Silva como deputado federal, no ano de 2018. Mais ousado ainda, levando-se em conta que Orlando Silva é alto dirigente de um partido que está para fazer meros 100 anos de nascimento. E, principalmente, por demarcar com seus concorrentes de esquerda, desqualificando seus partidos e demarcando sua “condição de negro”.
Se a posição municipal e atual expressa por Orlando for, também, a posição nacional e futura do PCdoB, isto sinaliza para uma ruptura da aliança entre petistas e comunistas nas próximas eleições presidenciais.
Mais grave ainda, sinalizaria para uma adesão dos comunistas às teses de Ciro Gomes, para quem o PT seria o verdadeiro responsável pela vitória de Bolsonaro.
Segundo Orlando, os eleitores de Bolsonaro seriam “no máximo 20% do eleitorado”, sendo que há “gente que ainda observa Bolsonaro com simpatia porque não vê alternativas e, ao mesmo tempo, não quer voltar ao passado”.
E quem seria o passado? Bidu: o PT, claro!
Não tenho dúvida de que a unidade entre PT, PCdoB e o PSOL é uma condição para construir uma saída de esquerda para a crise nacional.
Mas para que possa construir esta frente, nosso Partido dos Trabalhadores terá primeiro que sobreviver. Sobreviver aos ataques dos que desejam nos destruir. Sobreviver aos ataques dos que desejam anular nossa influência. E sobreviver aos ataques dos que, no campo de esquerda, desejam nos superar.
E como chumbo trocado não dói (muito), recomendo a Orlando Silva estudar a trajetória de Roberto Freire, especialmente no final dos anos 1980, início dos anos 1990. Talvez fazendo isso, Orlando Silva perceba o quanto ele próprio está meio, como é mesmo, “retrô”.
Não vou recomendar, porque sei que ele conhece, ouvir Orlando Silva. Este seguramente faz parte do passado, como o PT faz, mas continua bom. E o PT segue sendo, como o Orlando cantor algum dia foi, das multidões.
Para quem não conhece, segue um belo texto a respeito: https://piaui.folha.uol.com.br/orlando-silva-o-cantor-das-multidoes/
(*) Valter Pomar é professor da UFABC e membro do diretório nacional do PT