Os demônios não estão no Planalto, a não ser o príncipe deles, com quem ela se casou
Por Paulo Sérgio de Proença (*)
Michelle Bolsonaro tem feito aparições frequentes, principalmente em reuniões de caráter religioso, em igrejas e no Palácio; ela convida fieis, organiza cultos, canta, faz orações.
Tudo indica que se trata de uma estratégica de campanha do marido, para conquista de votos de mulheres, sobretudo de mulheres evangélicas pobres.
Em suas intervenções, Michelle mostra a que veio. Suas ideias são reflexo especular do caos cognitivo dos pronunciamentos de seu marido, que vomita os venenos mais letais contra seus adversários. Ela, mesmo assim, procura defendê-lo na campanha eleitoral, em último espasmo de moribundo que luta para viver.
Em 7 de agosto passado, em uma igreja em Belo Horizonte, Michelle disse que o Palácio era governado por entidades malignas (associadas a religiões africanas) antes de Jair Bolsonaro: “aquele lugar foi um lugar consagrado a demônios […] cozinha consagrada do demônio, Planalto consagrado a demônio […] e hoje, consagrado ao Senhor”. Fazendo referência às eleições presidenciais, acrescenta: “é uma guerra do bem contra o mal, mas eu creio que nós vamos vencer porque Jesus venceu na cruz do calvário”.
Ela não esconde as motivações de suas ideias, corroídas de racismo e de intolerância religiosa.
Não faltaram reações de segmentos diversos. A jornalista Mariliz Pereira Jorge, em 9 de agosto, a propósito da associação do Candomblé a trevas, feita na cerimônia de Belo Horizonte, afirmou: “Que Deus é esse?”. E continua, com a indignação de muitos: “Trevas é rachadinha, amizade com miliciano, gente com fome, briga que acaba em morte, orçamento secreto, quase 700 mil mortos pela Covid, exaltação ao jet ski, motociata, ataques ao sistema eleitoral, piada homofóbica Trevas é o delinquente do Bolsonaro como presidente”[1].
Em nota de repúdio, a Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns, que congrega religiosos de diferentes confissões e membros da sociedade civil, expressa profunda preocupação com as declarações da atual primeira-dama, que “ferem o Estado Democrático de Direito, violam a legislação eleitoral e promovem, através da demonização do diferente, a cultura de ódio, colocando em risco a convivência pacifica entre as distintas tradições religiosas e o respeito às diferentes crenças”. A nota acrescenta que essa senhora reproduz antiga prática excludente e “usa a divindade para tornar o semelhante um inimigo desumanizado, ligado a forças nefastas e que podem inclusive ser alvo de violência de forma legitimada”[2].
A nota de repúdio acrescenta que o tom das manifestações de Michelle é característico de regimes fascistas, ao legitimar perseguição religiosa destrutiva, cujo resultado é a desagregação da sociedade pelo império do medo: “este discurso de ódio em nossa pátria, os casos de violência e intolerância religiosa aumentaram de forma vertiginosa nos últimos 4 anos”.
Em desatino que contamina hostes de fieis que sucumbem ao canto da sereia de mantras repetidos em círculos evangélicos, a ainda primeira-dama afirma que “quem está no comando da cadeira presidencial no atual mandato é Jesus” e que, naturalmente, o guardião desse comando seria o seu marido; essa ousadia é no mínimo crime político, pois a Constituição proíbe o casamento de poder com religião, qualquer que ela seja, como deve ser um regime laico decente.
Esses disparates de Michelle Bolsonaro têm finalidade política evidente; querem arrebatar os votos e a consciência de mulheres evangélicas – pobres! Empunhado a gramática religiosa, Michelle escolhe as palavras, os gestos, as circunstâncias. Ela, no fundo, concebe o mundo com a cabeça de macho-branco-cristão, concentração que tem produzido os piores momentos de nossa história, marcada por lances de machismo, de racismo e de intolerância religiosa.
Michelle comete crime teológico. Crime de racismo. Crime de intolerância religiosa. Malversa a Bíblia. Trai princípios elementares do Evangelho. Acendeu no altar dos ídolos, fogo consumidor. Não ficará pedra sobre pedra.
Demoníaca, Sra. Michelle, é a foice da morte empunhada por seu marido, o príncipe dos demônios em forma humana, o anticristo transformado por você em representante de Deus. O demônio, assim, está onde, mesmo?
É oportuno lembrar a expressão bíblica de advertência: “Quem tem ouvidos, ouça”.
(*) Paulo Sérgio de Proença é professor na Unilab-Campus dos Malês-BA
[1] Disponível em : https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2022/08/trevas-e-bolsonaro.shtml
[2] Disponível em: https://www.instagram.com/freirpea/ e em: https://revistaforum.com.br/brasil/2022/8/9/lideres-religiosos-associam-fala-de-michelle-sobre-demnios-no-planalto-ao-fascismo-121419.html.