Para onde caminha a educação brasileira?

Por Lucas Reinehr*

Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, a educação brasileira tem sido alvo de severos ataques. Iniciado ainda pelas mãos do golpista Michel Temer e aprofundado com o atual governo, o projeto ultraliberal para as universidades e escolas do Brasil tem tentado implementar uma série de cortes e reformas, como a Emenda Constitucional 95 – que afeta investimentos na área por 20 anos -, a Reforma do Ensino Médio, o “contingenciamento de gastos”, o programa Future-se – que está “de molho” – e mais uma série de políticas que visam sucatear as instituições de ensino e almejam sua privatização. Junto a isso, o atual Ministro da Educação, Abraham Weintraub, grita aos quatro ventos frases escandalosas, revelando descaradamente seu autoritarismo e descompromisso com a educação pública.

Até aqui, nenhuma novidade, pois os ataques à educação tem um papel central no governo Bolsonaro e tem sido peça chave no rearranjo capitalista, que visa ampliar seus lucros com a mercantilização do ensino. O que há de novo, entretanto, é a situação de isolamento que vivemos no Brasil há cerca de dois meses em função da pandemia do novo Coronavírus. Em virtude do distanciamento social, universidades e escolas pelo país inteiro suspenderam suas atividades presenciais no final de março e permanecem até agora sem condições de retorno – uma vez que as mortes pela Covid-19 seguem aumentando e o governo faz questão de contribuir com a proliferação do vírus, ao invés de combatê-lo.

Enquanto a situação pandêmica é vista de forma apreensiva pela classe trabalhadora e pelos setores populares, os representantes do projeto ultraliberal enxergam nesse momento uma brecha para ampliar a precarização das condições de trabalho e agilizar o processo de sucateamento da educação pública. No dia 18 de março, por meio do Diário Oficial da União, o Ministério da Educação emitiu uma portaria permitindo e orientando as instituições federais de ensino a adotarem modalidade de ensino remoto por 30 dias, podendo ser renovado posteriormente. O resultado disso, quase dois meses depois, é de que somente 6 das 69 universidades federais adotaram essa modalidade de ensino. Apesar do número reduzido até então, outras universidades se sentem pressionadas e começam a debater alternativas.

Em um país com imensas desigualdades, onde 30% da população não tem acesso à internet – e os outros 70% acessa em diferentes condições – e que muitos estudantes ainda dependem dos laboratórios e equipamentos da universidade para realizar seus trabalhos, adotar a modalidade de ensino remoto nesse momento é ser conivente com uma decisão excludente e que precariza o ensino público. Quando falamos sobre o ensino básico, essa situação se agrava ainda mais: cerca de 6,5 milhões de estudantes não possuem acesso à internet, além de viverem em realidades diversas: zonas rurais, comunidades quilombolas e periferias urbanas. Muitos que, além de não terem acesso à internet, ou mesmo possuindo acesso a internet, não possuem um computador – apenas celulares – ou um espaço físico adequado para estudo. Esse quadro de desigualdade e falta de acesso apenas reforça o caráter elitista das decisões do MEC e de alguns governos estaduais, que mesmo tendo essas informações, preferem ignorá-las com vistas a implementar uma medida “emergencial” de ensino – ou melhor, de exclusão.

Para nos aprofundarmos nesta discussão, devemos ter clara a diferenciação entre o Ensino à Distância (EaD), que também vem ganhando força no Brasil nos últimos anos, especialmente pelos grandes conglomerados privados de educação, e o ensino remoto que se propõe neste momento. O EaD, enquanto modelo existente anterior à pandemia, possui suas especificidades, especialmente quando vinculado às universidades e institutos federais, através dos polos da Universidade Aberta do Brasil. Essa modalidade de ensino, apesar de limitada e de possuir suas contradições, tem uma metodologia específica, conta com polos de apoio, com tutores e é subsidiada por encontros presenciais. O que está sendo proposto durante a pandemia é pior que o EaD: são atividades remotas para quem pode acessá-las, sem o suporte de laboratórios – o que seria grave, dada a situação de isolamento -, sem uma metodologia própria e sem capacitação dos professores. Ou seja, no meio de uma pandemia, a proposta do MEC e de algumas universidades é de substituir todo planejamento voltado para cursos presenciais por algo “emergencial” que ninguém sabe o que é. Um grande “salve-se quem puder”. Uma proposta anti-democrática, anti-pedagógica e que desconsidera a realidade das universidades e dos estudantes – inclusive a fragilidade psicológica em que muitos se encontram nesse momento.

Se, por um lado, há gestores e professores preocupados com o vínculo entre os estudantes e as instituições de ensino e com a função social da universidade neste momento, por outro lado, existe a tentativa de implementar medidas “emergenciais” com ambições a médio e longo prazo. A proposta do MEC, seguida acriticamente por algumas universidades – ou de forma subordinada, especialmente onde há interventores -, não vem de forma isolada e com a preocupação de amenizar os supostos prejuízos da pandemia no calendário letivo. A implementação de um modelo de ensino remoto neste momento orientado pelo MEC vem acompanhado de um projeto político que já é de precarização e privatização do ensino. Vem na esteira de um projeto que rechaça e desconsidera a importância de áreas do conhecimento, como as ciências sociais e humanas e as artes. Acompanha um projeto que quer entregar as universidades e institutos federais nas mãos da iniciativa privada, aprofundando o ensino tecnicista e o reconfigurando o modelo bancário de educação para a atual fase do capitalismo. O que os representantes do projeto ultraliberal de educação fazem nesse momento é o experimento que necessitam para justificar as mudanças planejadas para nossas universidades e institutos federais nos próximos anos.

O que está em jogo, portanto, não é apenas um semestre ou ano letivo. É o futuro da educação brasileira no pós-pandemia. Há, obviamente, questões urgentes que precisam ser discutidas e resolvidas, como a situação dos estudantes mais vulneráveis nesse momento, além da qualidade da formação. Devemos garantir a manutenção do pagamento de bolsas de assistência estudantil, como já defendeu o Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), ligado à Andifes, além da criação de auxílios emergenciais. Ser contra a assistência estudantil nesse momento, independente da manutenção do ensino de forma remota, é optar pela expulsão dos estudantes da universidade. Além da assistência estudantil, a garantia de igualdade na formação e a precarização do trabalho docente também devem estar no centro de nossas discussões neste momento, dentre outras questões que vêm sendo ponderadas pelas entidades estudantis e sindicatos docentes.

Porém, o que não pode acontecer, é o que Weintraub e sua corja planejam para a educação no período posterior à pandemia. Ou seja, a precarização do ensino, a extinção da modalidade presencial de determinados cursos de graduação – especialmente aquelas ligadas às ciências sociais e humanas -, mais restrições e cortes nas políticas de assistência estudantil e a privatização das nossas universidades. Esse combate deve ser feito de forma articulada, conjunta e envolvendo todo o campo da educação – estudantes e trabalhadores.

As universidades brasileiras não devem se render às chantagens do MEC ou adotar, de forma precipitada, alternativas ao ensino presencial que desconsiderem um diálogo amplo com as categorias envolvidas e que seja articulado nacionalmente. Devemos preservar o caráter público, gratuito e de qualidade das universidades, sem abrir brecha para equívocos que poderão prejudicar nossas instituições a longo prazo. É importante que os órgãos assessores da Andifes, especialmente seus fóruns e colégios de pró-reitores, estejam em diálogo constante com as entidades estudantis nacionais – como UNE, UBES e ANPG -, com o ANDES e com a CNTE, buscando articular ações e construir um plano nacional para a educação durante esse período. Além disso, existem reivindicações fundamentais nesse momento: a revogação da EC 95, a liberação das verbas do PNAES e a participação das entidades estudantis no novo calendário do Enem – e não a proposta de 30 a 60 dias, como quer Weintraub.

Somado a essas ações, é imprescindível que o movimento estudantil acumule forças e seja um dos principais protagonistas pela derrubada do governo Bolsonaro. O futuro da educação brasileira não depende apenas de nossas propostas, mas essencialmente da derrubada desse governo, seu projeto político e seus representantes. Gritar #ForaBolsonaro e fazer a denúncia das atrocidades desse projeto, mais do que nunca, é tarefa fundamental de todos aqueles e aquelas que têm compromisso com a educação pública, a soberania nacional e a vida.

É importante que nesse momento nós possamos dar respostas aos anseios de milhares de estudantes e trabalhadores da educação, porém, estas não podem ser respostas simples. Devemos combater as tentativas de precarização do ensino do MEC, e ainda assim, garantir que a universidade pública cumpra sua função social nesse momento, principalmente através da pesquisa científica de combate ao Coronavírus e da extensão que colabore para a superação da pandemia. No que diz respeito ao ensino, não há motivo para precipitar-se e adotar uma modalidade de ensino insuficiente, mal formulada e supostamente emergencial. O que deve ser estimulado nesse momento são as potencialidades entre estudantes e universidade, sem condicionar qualquer iniciativa de aprendizagem à avaliação – o que agrava a exclusão nesse momento. A resposta ao anseio de muitos deve ser formulada de maneira coletiva, levando em conta as diferentes realidades das instituições de ensino brasileiras, mas tendo como princípio a participação democrática de todos os sujeitos do campo da educação. Somente assim seremos capazes de formular um plano para a educação que não apenas dê conta de atravessar a pandemia, mas estimule a retomada de uma educação democrática e popular no período posterior.

*Lucas Reinehr é diretor de Assistência Estudantil da UNE e militante da JPT

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