Por Gilson Moura Henrique Junior (*)
Quando começamos a militar temos como programa máximo a revolução socialista e a reorganização da classe como dirigente de um novo sistema.
Com o tempo, nosso cansaço de idas e vindas, de lutas cotidianas, de escaramuças internas e externas, o peso das muitas contas, sejam boletos ou dos preços das escolhas políticas e pessoais que fazemos, cobra um certo ceticismo sobre o nosso sonho final, embora não o afaste.
Muitas vezes e muitos de nós passamos a ter o pragmatismo das alianças nas lutas e na institucionalidade que toma caminhos discutíveis, muitas vezes em nome de um cálculo onde os fins justificam os meios.
Essa expressão atribuída tanto a Maquiavel quanto a Stalin, mas cuja autoria não é exata, muitas vezes é entendida como paráfrase invertida de São Tomás de Aquino, é tida como a síntese do pragmatismo, mas não o do cálculo de passos em nome do projeto final de avanço da organização da classe, o que rebaixa a política em nome do atendimento exclusivo dos planejamentos de curto ou médio prazo e nem sempre colados no cotidiano a luta de classes.
Em nome do que é tido como prático, tratamos de seguir o manual de quem entende que o plano só existe se atingir píncaros de difícil acesso, sendo qualquer outros morros menores, atingidos pelo grosso das massas organizadas, tratados como objetivos menores.
Por vezes os alpinistas perdem dedos, braços, amigos, aliados, noções de tempo e espaço, perspectiva de classe, mas alcançam o Everest, e lá, animados com a serotonina da vitória, não se perguntam porque estão lá e o que os levou a chegar até ali.
Na ânsia do alpinismo, se esquecem de viver o caminho.
Vivemos na esquerda muitas vezes essa situação em que companheiros perdem a ideia do caminhar em nome da ultrapassagem da linha de chegada.
A ideia de que vivemos tudo o que vivemos até hoje por causa da luta de classes e da representação da classe na institucionalidade, e o que isso necessita, o que precisamos cuidar a partir disso, morre diante da euforia do resultado final.
Perceber o que precisamos cuidar no grande projeto, para que não percamos o que somos nesta guerra, é fundamental pro revolucionário.
Como diz a música: a gente vai contra a corrente até não poder resistir, na volta do barco é que sente o quanto deixou de cumprir.
Essa lição não está na canção apenas para falarmos da luta contra a ditadura cantada por Chico Buarque, mas como um memento mori, uma lembrança de que vamos todos morrer, uma tradição romana para que as conquistas dos generais não alterasse a perspectiva de sua finitude e de que Roma era maior que cada um deles.
Esse memento mori é fundamental para que nossa perspectiva revolucionária não se perca nas vitórias mundanas cotidianas, nas eleições que vêm e vão, mas que não são o objetivo final.
Por que chegamos aqui? O que nos trouxe até aqui? Não são perguntas retóricas.
Uma das motivações da trajetória que tomei e que me trouxe ao PT é a perspectiva de que através de políticas públicas e investimento na melhoria da vida do povo estamos mais perto da Revolução que distantes dela, mas não avançaremos para esta Revolução sem que isso tenha uma política ideológica voltada para ampliar ferramental teórico para nossos companheiros de classe perceberem a si mesmos como parte de uma classe cujos objetivos finais são diferentes e divergentes dos da burguesia.
Outra coisa é a compreensão de que somos a geração que traz consigo a memória de tempos onde lutar por seus direitos era um defeito que mata e seremos quem deixará como legado uma outra memória, cujo significado nossos companheiros que virão terão a responsabilidade de compreender, fornecer e criar, levar consigo.
Nosso legado precisa entender que somos o que chegou até aqui, trazendo o legado de quem veio antes de nós e vamos deixar uma herança para quem virá, mas como fazer tudo isso,e entender tudo isso, perdendo nas vitórias e nas derrotas o significado do que nos trouxe até aqui?
Crítica e autocrítica são elementos e passos fundamentais para revolucionários, são a base que nos fornece o horizonte de expectativas máximos e mínimos, que nos permite planejar as ações, e sem planejamento não se chupa um Chicabon, e fornece meios de transformar a sociedade em seus espaços micros e máximos.
Sem crítica e autocrítica não entendemos o caminho que nos fez vencer ou perder eleições, disputas internas em sindicatos, universidades ou o que nos fez nos perder nos caminhos da luta diária.
Na hora da derrota precisamos da serenidade de entender erros e acertos, corrigir os primeiros e amplificar os segundos. Na hora da vitória a mesma coisa, acrescentada do memento mori , da lembrança de que ainda somos falhos, de que somos mortais, de que somos frágeis, de que tudo que é sólido, desmancha no ar.
Além disso, é preciso lembrar Gonzaguinha:
Ê ê, quando o Sol nascer
É que eu quero ver quem se lembrará
Ê ê, quando amanhecer
É que eu quero ver quem recordará
Ê eu, não posso esquecer
Essa legião que se entregou por um novo dia
Ê eu quero é cantar essa mão tão calejada
Que nos deu tanta alegria
E vamos à luta
(*) Gilson Moura Henrique Junior é petista, membro do núcleo Estudantil da UFPEL da AE Pelotas, doutorando em História pelo PPGH – UFPEL, pai de autista e torcedor do Fluminense.