Por um ME para tempos de guerra!

*por Lucas Bomfim, Ian Ribeiro, Heloisa Vilela e Roberto Nery

Entre os dias 6 e 10 de fevereiro de 2019, aconteceram em Salvador eventos gerais das entidades nacionais do movimento estudantil. Paralelamente à 11ª BIENAL da UNE – Festival dos Estudantes, a UNE, a UBES e a ANPG fizeram seus conselhos e encontros nacionais, sendo eles o 15° CONEB da UNE, o ENUBES e o 4° Encontro Nacional de Grêmios da UBES e o 8° Encontro da ANPG, respectivamente.

Como sabemos, será cada vez mais difícil erguermos grandes eventos das nossas entidades, visto a perseguição e criminalização pautada pela direita conservadora e neoliberal, representada principalmente na figura de Jair Bolsonaro. Por isso, a politização desses deveria ser de central importância para todas as organizações do movimento estudantil. Principalmente o CONEB, realizado novamente depois de um vácuo de 6 anos, após muita pressão dos campos de oposição da UNE. O Conselho deveria ser o maior fórum político da UNE, por mobilizar toda rede do movimento estudantil, tendo como figuras fundamentais os Centros e Diretórios Acadêmicos, além da presença de vários grêmios e APGs de diversos estados.

Era função da UNE, da UBES e da ANPG agitar uma grande agenda de luta pautada pelo debate profundo da realidade das nossas escolas e universidades. Mas infelizmente isso esteve longe de ser a tônica dos encontros. Além do já marcante esforço para desmobilização feito por quem comanda nossas entidades estudantis há vários anos, as dificuldades estruturais imperaram em todos dias. Não houve a garantia de transporte e alimentação no horário, com filas intermináveis; a falta de segurança nas festas, como em vários casos de assédios e furtos – alguns inclusive feito pelos próprios “seguranças”; muito pouco foi garantido apesar de um abusivo preço cobrado na inscrição (entre 100$ e 200$ por estudante, sem desconto para assistidos e cotistas); e essas dificuldades que fizeram com que praticamente todas as programações iniciassem com uma a duas horas de atraso e que sensação de segurança fosse raridade.

Inclusive, tentamos aprovar como moção na plenária final uma carta de mulheres, que foi apresentada ao conjunto das forças, barrada sistematicamente pela UJS, por considerar que fazia críticas agressivas à organização do evento. Carta essa que daremos publicidade ao final do texto, para que fique registrado as críticas e se dê voz às mulheres¹, visando melhores encontros no futuro.

Mesmo com isso, eram marcantes os debates lotados, na sua maioria por estudantes não organizados, demonstrando o quanto a base queria participar e aprofundar sobre os temas colocados. Porém, mesmo com vontade, na maioria das vezes não foi garantido espaço de fala àqueles não organizados, uma vez que poucos poderiam falar e era dado prioridade às organizações que já constroem a UNE. Estas, por sua vez, nem estavam em peso nos espaços. Além disso, grande parte destes coletivos priorizaram, paralelamente, sua auto-construção. Destaque negativo para o Encontro de Grêmios da UBES, que não abriu o debate, simplesmente submeteu uma resolução à sua executiva, sem oportunidade da base incidir sobre o documento.

Os debates, em geral, foram muito pautadas por atritos conjunturais, como o apoio do PCdoB a Rodrigo Maia na Câmara dos Deputados e da responsabilização do PT e seus governos pelas ações do governo Bolsonaro, inclusive com expressiva fala de Ciro Gomes no palco principal dizendo que o Partido dos Trabalhadores é uma organização criminosa e que Lula está preso, numa constante desmobilização da pauta “Lula livre” e do ato convocado. Mas isso não foi suficiente para fazer com que a JPT tivesse uma postura diferente frente a UJS.

Não defendemos que o Movimento Estudantil seja pautado somente por disputas conjunturais entre a esquerda, mas sim que este seja pautado pela realidade. Como afirmamos várias vezes, não faremos oposição por oposição, porém também não comporemos a unidade pela unidade, somente para que se saia bem na foto. Desde antes do Campo Popular (que fizemos parte desde sua fundação em 2013 até seu fim em 2017), defendemos uma construção consequente para nossas entidades, que as prepare para tempos de guerra. Hoje, consideramos ser possível somente fora do campo majoritário que atualmente constrói a UNE, a UBES e a ANPG, por todas as críticas colocadas aqui e em outros momentos. E com esse espírito fomos fomos para a plenária final.

Como todos sabem, nossa aliança prioritária é com as forças que compõem a Juventude do Partido dos Trabalhadores, partido que defendemos e construímos no dia a dia enquanto tendência e militantes. Porém, hoje não temos acordo com o projeto que a maioria das forças petistas tem tocado para a UNE, ao se somar ao campo da majoritária e ser responsável direto pelo imobilismo e incapacidade das entidades refletirem no cotidiano dos estudantes brasileiros.

No esforço da unidade, dialogamos o máximo possível. Construímos uma análise de conjuntura comum, com uma plataforma mínima em defesa de Lula Livre, da UNE e da classe trabalhadora. Inclusive, em certos momentos chegou-se a cogitar uma unidade entre todos os campos, o que não foi possível, mas muito pelo nosso esforço quase todas as teses de conjuntura apresentadas – com exceção da apresentada pela CST – pautam a prisão política de Lula. Já a tese de educação apresentada não tinha grandes polêmicas. Dessa forma, defendemos as teses de Conjuntura e Educação em conjunto com a JPT e a majoritária.

Como colocado na tese de conjuntura que assinamos: “Para que a UNE lidere esse processo de resistência, defendemos que a unidade é a bandeira da esperança! Somente de mãos dadas, caminhando lado a lado e resguardando o espaço para as divergências, é que estaremos no rumo certo, apontando para dias melhores”. Acreditamos nisso. Porém, consideramos que essa unidade deva ser real, ou seja, deva ter materialidade no dia a dia das e dos estudantes. Sem isso, essa unidade é frágil e não nos prepara para os tempos de guerra que estão postos, não nos prepara para os desafios de enfrentar um governo Bolsonaro, uma reforma da previdência e uma CPI da UNE, e todo restante que virá.

Dessa forma, não é possível defender unidade em torno de algo que não acreditamos, sem base na realidade. A tese de Movimento Estudantil apresentada pela majoritária da UNE coloca ações que foram inexistentes e/ou fracassadas no último período como um grande sucesso para a retomada da construção no dia a dia dos estudantes – como a UNE Volante. Para aquelas e aqueles que constroem DCEs, CAs e DAs no dia a dia, a participação e incidência da UNE é muito diferente daquela pintada pela majoritária. Contudo, não significa que o movimento estudantil esteja inativo, visto a reação na linha de frente contra o fascismo e também ocasionada nas universidades na última campanha presidencial.

Assim, nosso movimento foi de defender a tese de Movimento Estudantil com aqueles que têm uma visão mais próxima da nossa, de críticas à condução das entidades e seu funcionamento, apesar de diferenças conjunturais. Construímos esse texto com PCR, PSOL e PCB – partidos que, em sua maioria, tem se recolocado na conjuntura e também, no esforço da unidade, colocaram a nossa plataforma mínima no programa de Conjuntura e ME apresentados, reafirmando o nosso compromisso na defesa de Lula e do Partido dos Trabalhadores.

Nesse CONEB, nós da Juventude da Articulação de Esquerda, optamos por uma tese que convida todo estudante brasileiro a construir uma entidade mais comprometida com a luta diária das e dos estudantes e que convoca a UNE para a luta nas ruas em defesa do Lula, por justiça a Mariele, por liberdades democráticas e justiça social. Como diz o próprio texto, essa é uma tese que reforça que a União Nacional dos Estudantes precisa estar “à altura dos desafios que o momento nos exige, é necessário que as bases sejam o centro do protagonismo da entidade, fortalecendo o diálogo direto com os estudantes”, ao contrário do que é feito pela atual majoritária em vários de seus espaços, inclusive demonstrado nesse CONEB e ENG da UBES. Defendemos uma UNE e UBES PARA TEMPOS DE GUERRA!

“Fazemos um chamado a todo movimento estudantil consequente para construímos uma nova realidade para nossa entidade. Devemos disputar corações e mentes para construirmos uma outra perspectiva de futuro, para que da nossa resistência possa
surgir uma mudança real, que resgate a esperança na construção de um novo mundo.”
Tese de Movimento Estudantil apresentada e defendida pela
Juventude da Articulação de Esquerda no 15º CONEB da UNE, Salvador, 2019

Lucas Bomfim, Diretor da União Nacional dos Estudantes
Ian Ribeiro, Diretor do DCE UERJ
Heloisa Vilela, Diretora do DCE USP
Roberto Nery, Diretor da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais

¹ MOÇÃO DE REPÚDIO
Viemos por meio desta demonstrar nossa indignação diante da falta de segurança vista e vivida principalmente pelas mulheres durante a 11° Bienal da UNE. Após recorrentes episódios de assédio, intimidação, LGBTfobia e agressão, o silêncio da comissão organizadora prevalece.
Percebemos que o público geral tinha livre acesso ao principal alojamento deixando mulheres expostas e inseguras. A pulseira de identificação não era requisitada para acesso ao alojamento e ao transporte fornecido. Entendemos como imprescindível a proteção dentro dos espaços de uso comum para o bem estar de todas e todos estudantes. Independentemente do público externo, a quantidade e o despreparo da segurança não foi capaz de atender a demanda do público.
Em nenhum momento a comissão organizadora procurou uma ou um representante de força para construir uma comissão de segurança para fazer o espaço ser mais confortável para todas e todos. Reafirmamos nosso compromisso com o combate a todo tipo de opressão dentro e fora da esquerda. Exigimos que se faça justiça por todas e todos que foram violentados nesse evento.

Salvador, fevereiro de 2019

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