Saída da Crise? Não na Eleição

Por Stephanie Weatherbee Brito (*)

Fila em banco de alimentos em São Francisco, EUA

Faltam apenas 90 dias para a eleição presidencial nos Estados Unidos, mas se olharmos para os principais jornais, comentaristas políticos e temas centrais do debate político dos últimos quatro meses, não aparenta ser um ano eleitoral. A crise profunda que o país vive desde abril, devido ao coronavírus, e desde o 25 de maio, a partir do assassinato de George Floyd, têm tirado a centralidade da eleição presidencial.

A crise atual é grave, sendo que aproximadamente 4,6 milhões pessoas contraíram o novo coronavírus; até agora, 154.859 (dados da John Hopkins University) morreram pela doença e 51 milhões (https://www.sfchronicle.com/business/article/More-than-50-million-have-filed-for-unemployment-15412510.php) estão desempregados devido à crise econômica que a pandemia contribui fortemente para aprofundar.

Soma-se a esse quadro, o recente levante nacional que teve o assassinato de George Floyd como estopim; tal levante guarda suas raízes na lógica racista do capitalismo norte-americano. Mais de 15 milhões de pessoas saíram às ruas durante cinco semanas, possivelmente configurando o maior levantamento social na história do país (https://www.nytimes.com/interactive/2020/07/03/us/george-floyd-protests-crowd-size.html). Porém, apesar do caráter radical das mobilizações, a falta de um instrumento político que proporcione direção e tenha a capacidade de acumular força, o ganho político das manifestações provavelmente será do Partido Democrata.

O Partido Democrata vive a sua própria crise, tanto pelo desgaste do seu “projeto neoliberal com face progressista”, como pelo fortalecimento da extrema direita no país. Uma debilidade fundamental do Partido Democrata na atualidade é a dependência que este tem dos eleitores que perderam seu acesso ao voto, como parte de um retrocesso histórico ao qual o próprio Partido Democrata fez pouca oposição. Desde 2010, 23 dos 50 estados no país têm aprovado leis que suprimem o voto dos mais pobres, e particularmente da população negra. A partir das novas leis, milhares de eleitores têm sido apagados dos registros, o processo de cadastramento para participar nas eleições é mais complicado, os dias e horários durante os quais se pode votar tem se reduzido e mais de 800 locais de votação foram eliminados.

Estas medidas restritivas à participação eleitoral correspondem à crise do sistema político e a necessidade de implementar reformas antipopulares tal como programas de austeridade que são imprescindíveis para preservar a ordem capitalista e neoliberal depois da crise de 2008, a qual não resultou em reformas do sistema financeiro. O Partido Democrata tem sido o arquiteto do projeto que visa a preservação da ordem econômica sob hegemonia do capital financeiro e, ao mesmo tempo, tem sido conivente com o retrocesso democrático já

mencionado. Assim, o ascenso de Trump está relacionado com o declive do Partido Democrata, sendo que Trump recebeu quase a mesma quantidade de votos que o candidato Republicano Mitt Romney em 2012. Enquanto Trump tem conseguido preservar a base eleitoral que o elegeu em 2016, os Democratas precisariam mobilizar aqueles eleitores que não são mobilizados facilmente e que nos últimos 20 anos só a eleição de Obama em 2008 conseguiu mobilizar.

Em 2008 Obama representava uma mudança importante da consciência política do país e uma transformação progressista do Partido Democrata. Depois de oito anos na presidência, Obama demostrou ser uma continuação do projeto neoliberal e, inclusive, um aprofundamento de políticas conservadoras, tanto no plano econômico como na política externa. Hoje, Obama é fundamental para a preservação do status quo no Partido Democrata, evidenciado na intervenção de Obama nas primárias, onde foi fundamental para a eleição de Biden como candidato.

O que essa movimentação por dentro do partido mostrou é que, para a ala conservadora do Partido Democrata, é preferível 4 anos mais de Trump, do que 4 ou 8 anos de Sanders. Foi evidenciado, a partir de muitas pesquisas, que Trump seria vitorioso em uma contenda contra o Biden, e que Sanders era um candidato mais forte. Porém, nas semanas antes das eleições primárias de março, foi clara a mobilização dos meios de comunicação alinhados ao Partido Democrata e das figuras de destaque do Partido, para evitar a vitória do Sanders.

Isso não garante a vitória de Trump em novembro, ainda que Biden seja um candidato evidentemente débil. A profunda crise sanitária, econômica e social que o país vive tem golpeado a popularidade de Donald Trump. Porém, ainda não é claro se a indignação contra Trump é capaz de mobilizar os/as eleitores/as à votar por um candidato que pouco tem manifestado soluções à crise atual.

(*) Stephanie Weatherbee Brito é sindicalista mexicano-estadounidense.

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