Sobre as eleições do ANDES-SN e a acusação de naturalização do ensino remoto emergencial

Por Maria Carlotto (*)

Nesta semana, o debate em torno das eleições do ANDES (Sindicato Nacional de professores e professoras de ensino superior do Brasil) foi tomado por uma polêmica em torno do ensino remoto emergencial.

A Chapa 1 acusa a nós, da Chapa 2 RENOVA ANDES-SN, de “naturalizar o ensino remoto”. Na visão deles, não só não somos contra o suficiente, como seriamos até mesmo a favor do ensino remoto emergencial.

Eu confesso que olho estarrecida para essa acusação que, inclusive, foi feita diretamente a mim pela Chapa 1 no Debate organizado pela atual diretoria da ADUFABC.

Isso porque o maior desgaste que sofri nos quatro anos em que estive à frente da ADUFABC foi justamente porque, para alguns colegas, como presidente da AD à época, eu deveria ter sido menos crítica ao ensino remoto emergencial na UFABC.

Na visão deles, a diretoria da ADUFABC à época, ao pedir que a discussão fosse feita com mais calma, que o ensino remoto, caso fosse adotado, o fosse com mais garantias e cuidados, na prática, se colocou contra o Ensino Remoto Emergencial. Para alguns poucos, essa seria uma posição elitista, corporativista e sectária do Sindicato. Esses poucos, para minha total surpresa, são hoje apoiadores da Chapa 1, que é absolutamente contrária ao ensino remoto emergencial e, por isso, à qualquer pauta que reivindique limites e direitos para essa modalidade.

É importante frisar que embora a maioria dos colegas da UFABC tenha expresso sua posição com máximo respeito, alguns poucos me acusaram publicamente de ser “lunática” e “fora da realidade” porque o ensino remoto se imporia de qualquer maneira e, se era assim, o deveria ser com máxima urgência e que eu estaria “atrapalhando o processo” . Esses colegas mais radicais reivindicavam que o ensino remoto seria uma forma de proteger os estudantes, os maiores prejudicados pela paralisação das aulas. Estou retomando esse debate porque, para minha total surpresa, como eu disse, os colegas mais agressivos na defesa do ensino remoto na UFABC são, justamente, os poucos que hoje apoiam a chapa 1, que teve a coragem de me acusar de naturalizar o ensino remoto emergencial. Confesso que não consigo entender, por mais que tente.

Na UFABC, foi uma luta interna para mostrar, primeiro, que nossa posição, como diretoria, não era nem corporativa, nem elitista e nem sectária. Segundo, para sustentar que a função do Sindicato é defender os docentes, preservando direitos. Terceiro, para insistir que, como uma Associação de Docentes, tínhamos obrigação de debater as implicações pedagógicas, políticas e trabalhistas do ensino remoto, suas possíveis perdas em termos de condições de trabalho, de direitos, de qualidade pedagógica e de democratização do acesso e permanência no ensino superior público.

Acho que apesar de muito duro e, para mim, terrivelmente doloroso e pessoalmente destrutivo, o saldo político do debate foi positivo. Construímos, como instituição, um modelo de ensino remoto mais regulamentado, aumentamos a consciência interna dos problemas, criamos algumas políticas de minimização de danos, inclusive com levantamento de dados e informações sobre o impacto do ensino remoto sobre docentes e discentes.

Podíamos ter avançado muito mais, mas esbarramos justamente no fato de que, nacionalmente, o ANDES-SN se recusava a debater esse tema e ficamos completamente isolados. Isso porque, para a atual diretoria do ANDES-SN, que a Chapa 1 defende e reivindica, todo e qualquer debate sobre esse tema é sinônimo é “naturalizar” essa modalidade de ensino.

Resultado?

Não temos, nacionalmente, nenhum acúmulo nesse tema.

Não realizamos, como sindicato nacional, nenhum levantamento dos impactos do ensino remoto sobre a categoria como um todo, nem em termos econômicos, nem do ponto de vista da saúde física e mental, nem das desigualdades que atingem sobretudo as mulheres, que em geral são as responsáveis pelo trabalho de reprodução social, com o cuidado da casa, dos idosos e das crianças.

Também não sabemos quais os efeitos do ensino remoto sobre a qualidade do ensino ofertado, nem sobre exclusão de docentes e estudantes, nem sobre a isonomia das condições de trabalho.

Não sabemos qual a posição da maioria dos docentes antes e depois dessa experiência.

Não temos dados sobre o impacto no orçamento das universidades da adoção do ensino remoto.

Não temos nenhuma pauta de reivindicações para o MEC, em qualquer direção que seja.

Resultado?

Nesta semana o MEC publicou duas portarias (as 433 e 434) criando grupos de trabalho para expandir o ensino à distância nas universidades federais.

E qual a posição da Chapa 1? Dizer simplesmente “nós avisamos”, reafirmando o de sempre: que o ANDES-SN deve ser contra o ensino remoto por princípio e que isso basta.

É realmente estarrecedor.

Se essa posição prosperar, vamos ser completamente atropelados mais uma vez e a substituição do Ensino Presencial pelo Ensino à Distância vai se impor sem resistência.

E se for por uma questão de aviso, também podemos dizer que nós, da Chapa 2, também avisamos.

Avisamos que havia uma política do governo federal para substituir matrículas presenciais por matrículas à distância e que, justamente por isso, as Associações Docentes locais e o ANDES-Sindicato Nacional precisam enfrentar esse debate. Precisam ouvir os docentes e construir com eles, e não contra eles, uma posição comum. Precisam ter coragem de sair da torre de marfim da falsa coerência e fazer política de verdade. Precisam ter uma pauta nacional para o MEC sobre o trabalho na pandemia. Precisam ter dados. Precisam qualificar seus argumentos. Precisam conhecer a realidade para intervir, com eficácia, sobre ela.

Mas não, o caminho da demagogia parece mais fácil. Muitos dos docentes que nos acusam de “naturalizar o ensino remoto” estão, nas suas universidades, trabalhando nessa modalidade. Alguns até defendem isso internamente. Mas, nacionalmente, nos acusam de naturalizar essa modalidade simplesmente por exigir que o sindicato seja sindicato e defenda os docentes, a qualidade do seu trabalho e a própria universidade pública.

(*) Maria Carlotto é professora da UFABC e candidata à terceira vice-presidente nacional da Chapa 2 RENOVA ANDES-SN

 

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