Página 13 publica texto de balanço da direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda sobre o desenvolvimento do projeto Nova Primavera até o momento. Boa leitura!
Sobre o Projeto Nova Primavera
A tendência petista Articulação de Esquerda realizou duas plenárias nacionais com militantes que participam do projeto Nova Primavera. Nestas reuniões, foi feito um balanço ao mesmo tempo positivo e crítico da iniciativa.
Consideramos muito importante o esforço organizado e nacional em favor da formação política e da organização de núcleos de base. Por outro lado, o programa Nova Primavera – composto por uma jornada de formação de educadores/as, de criação de núcleos e por um processo de conferência – apresenta problemas. Alguns desses problemas são inevitáveis num projeto que está começando, outros derivados da situação geral do Partido, e há também aqueles problemas derivados de questões organizativas e da concepção do programa.
Os problemas não diminuem a importância da iniciativa e defendemos que toda a militância petista deva se esforçar pelo seu sucesso, sem prejuízo de correções de rumo e ajustes.
Para contribuir nesse sentido, a tendência petista Articulação de Esquerda apresenta o texto a seguir, que tem o objetivo de contribuir: 1/com a Conferência Nacional de formação do PT e 2/com a organização dos núcleos de base do Partido.
Este documento ainda está em processo de debate e, portanto, agradecemos as sugestões e críticas.
A conferência nacional de formação política do PT
A secretaria nacional de formação política do PT está convocando uma conferência nacional que tem o objetivo de construir o Sistema Nacional de Educação e Formação Política do PT. O calendário tentativo desta conferência é o seguinte:
*até 15 de junho: lançamento do texto-base e do regulamento da conferência;
*julho, agosto e setembro: etapas zonais e municipais da conferência;
*em outubro: etapas estaduais.
*novembro: etapa nacional.
É muito importante o engajamento de todos e todas nesse processo. Afinal, dos rumos do PT depende, em boa medida, os rumos do Brasil. E uma mudança nos rumos do Brasil terá um impacto imenso sobre a América Latina e, por tabela, sobre o mundo.
A história do PT é parte da história do Brasil, mais exatamente da história do Brasil República, mais precisamente do período que inicia com uma dupla crise: a crise do desenvolvimentismo conservador e a crise da ditadura militar.
Sem aquela dupla crise, não teriam ocorrido as condições que tornaram possível surgir um partido como o PT: um partido legalizado, um partido de massas, um partido popular, um partido com protagonismo do operariado industrial, um partido democrático, um partido com múltiplas tendências internas, um partido socialista.
O PT foi criado em 1980 e ao longo dos últimos 41 anos nosso partido sofreu muitas transformações, cujo pano de fundo é o que ocorreu no Brasil e no mundo depois de 1980. Processos como a financeirização e a desindustrialização, o avanço do neoliberalismo e a crise do socialismo afetaram profundamente o PT, tanto no plano objetivo quanto no plano subjetivo.
O PT manteve seu caráter de massas, mas hipertrofiando sua dimensão eleitoral e reduzindo sua presença organizada. Manteve seu caráter militante, mas com destaque para a dimensão política profissional (dirigentes profissionalizados, e principalmente comissionados em governos e parlamentos). Manteve a defesa do socialismo, mas cada vez mais apenas como “horizonte” e cada vez menos como alternativa concreta para os problemas estruturais do país. A noção de conquista do “poder” foi se convertendo em sinônimo de conquistar “governos”. A estratégia revolucionária baseada em grandes lutas sociais foi sendo substituída pela atuação nas instituições e nos processos eleitorais. Cresceu no interior do PT a influência dos “setores médios” e o abandono da ideia segundo a qual devemos impor uma derrota de conjunto à classe dos capitalistas.
Ao longo destes 41 anos de história, como evoluiu a formação política num partido com esta trajetória e com estas características?
As práticas de formação política do PT têm origem em várias fontes: as experiências das igrejas (principalmente católica), das organizações originadas da tradição comunista e das atividades acadêmicas e para-acadêmicas.
É preciso lembrar, também, que a imensa maioria dos eleitores, dos filiados, dos militantes e dos dirigentes do PT não foi formada pelas estruturas de formação do próprio Partido. A maioria da nossa base social obteve sua formação política através de outros meios, entre os quais: 1/ as lutas políticas e sociais (a luta é uma grande educadora); 2/ o esforço individual de releitura do que é transmitido pelos meios de comunicação e pelos espaços formais de educação; 3/ atividades dos movimentos sociais, sindicatos, igrejas progressistas, tendências partidárias; 4/ a participação na vida partidária (congressos, encontros, reuniões, debates etc.).
Portanto, apenas uma minoria dos petistas obteve sua formação através das atividades formais de educação política do próprio Partido, ou seja, através de atividades das secretarias de formação, atividades formativas da Fundação Perseu Abramo e cursos “encomendados” a outras entidades (como ocorria, no passado, na relação do PT com o Instituto Cajamar).
Em alguma medida esse fato – o de que apenas uma minoria dos petistas obteve sua formação através das atividades formais de educação política do próprio Partido – reflete características e dificuldades objetivas e inerentes a um partido como o nosso. Mas também reflete o compromisso efetivo do Partido com a criação de uma política de formação político-ideológica própria.
O que demonstra tal compromisso efetivo? Os recursos humanos e materiais efetivamente colocados à disposição da tarefa. Houve momentos na história do Partido em que a formação política foi vista efetivamente como prioridade e isso se materializou, por exemplo, na criação do Instituto Cajamar (1986-1996).
Depois de 1996 houve várias tentativas de retomar o compromisso efetivo com a formação. A criação da Fundação Perseu Abramo, a criação da Escola Nacional de Formação e a criação do Programa Nova Primavera são sinais disto. Mas até o momento não atingimos o patamar de compromisso efetivo que existia na segunda metade dos anos 1980, época da criação do Instituto Cajamar.
Além de uma redução no compromisso efetivo, houve mudanças no próprio conteúdo da formação, entendendo por isso o conjunto do processo pedagógico e seus resultados.
Por exemplo: quando analisamos ao longo do tempo os cursos de formação política do Instituto Cajamar, os cursos da Escola, os “mestrados” da Fundação Perseu Abramo e inúmeras outras atividades formativas do Partido, percebemos ao longo destes 41 anos a redução da formação político-ideológica em favor de uma formação “técnica” em políticas públicas e de capacitação para exercer mandatos.
Nem sempre estas mudanças estão explícitas nas resoluções do PT sobre o assunto, até porque nem sempre as resoluções refletem a realidade, nem expressam as divergências. Pelo contrário, as resoluções em geral nos pintam geralmente melhor do que somos. A esse respeito, recomendamos a leitura da compilação (publicada pela Editora Página 13) de todas as vezes em que as expressões “formação política” ou “formação” – com sentido de formação política – aparecem nas resoluções do partido. Recomendamos, também, a leitura do texto: “A política de formação do Partido dos Trabalhadores”, elaborado pela Secretaria Nacional de formação política em 1988. Em nossa opinião, mais de 30 anos depois, este texto segue um bom roteiro para nossa Conferência nacional de formação.
Finalmente, chamamos a atenção para uma velha verdade: organização é política concentrada.
Uma linha política concentrada em disputar eleições, fazer alianças com partidos conservadores, gerir mandatos, executar um programa que não toca nas estruturas do capitalismo, terá enormes dificuldades para implementar um programa de formação política militante e de organização de núcleos de base.
É positivo que mais de 6 mil filiadas/os tenham se inscrito na Jornada Nacional de Formação de Educadores e Educadoras. A criação e posterior manutenção de 6, 60 ou 600 núcleos será um grande avanço. Mas a pedagogia, o método, não resolverá os problemas dos desafios políticos e organizativos do PT.
As atuais debilidades de organização de base do PT não são oriundas de problemas pedagógicos e sim de escolhas políticas, mais precisamente de linha política. Esta linha diz respeito à estratégia e à concepção de partido derivada desta estratégia. A linha atual do PT é o principal obstáculo para o sucesso do programa Nova Primavera no eixo dedicado à um amplo processo de criação de núcleos de base. E tende a ser um limitador para o processo de conferência para discutir um sistema de formação política para o Partido.
Não consideramos possível mudar a maneira como o Partido se organiza e funciona na base, e executar um sistema de formação política sustentador de tal mudança, mantida a linha política geral atualmente existente no Partido.
Organização é política concentrada. Logo, não há harmonia possível entre formar massivamente militantes e ao mesmo tempo o partido continuar funcionando em bases prioritariamente eleitorais.
Um dos motivos pelos quais o Instituto Cajamar fechou, em 1996, é que a lógica que anima a formação massiva de militantes não é – no limite – compatível com a lógica que converte os militantes em filiados-eleitores.
Por isso, o esforço correto do projeto Nova Primavera, em favor da formação política e da organização de núcleos precisa ser acompanhado de um debate sobre a necessidade do PT construir uma nova estratégia de luta pelo socialismo no Brasil.
Uma estratégia adequada aos tempos abertos no dia seguinte ao segundo turno de 2014, pela ofensiva golpista, pelo impeachment, pela condenação/prisão/interdição de Lula, pela eleição fraudulenta de Bolsonaro e pelas contrarreformas ultraliberais e neofacistas.
A formação dos núcleos de base
Uma demonstração da contradição entre o esforço do Nova Primavera e a estratégia ainda predominante no PT é a dificuldade que estamos enfrentando – na jornada – no sentido de construir núcleos de base.
Na história dos partidos socialistas, encontramos duas dinâmicas diferentes: os partidos que se organizam para disputar eleições e os partidos que se organizam para disputar o poder. Estes últimos são capazes de disputar eleições, mas não apenas isso. Se organizam para dirigir transformações estruturais da sociedade e por isto buscam se organizar em todos os “terrenos” possíveis: locais de trabalho, de moradia, de estudo, de comunicação, cultura e lazer etc.
A dificuldade que muitos integrantes da Jornada estão demonstrando, seja de compreender, seja de implementar a construção de núcleos de base, seja de articular os núcleos às dinâmicas partidárias, revela o quão profundamente o nosso Partido se transformou, desde os anos 1980. Hoje, precisamos de uma imensa “fisioterapia”, de um imenso exercício de RPG para reaprender a fazer organização de base. A essência da dificuldade não é pedagógica, é política: trata-se de compreender que núcleos de base só fazem sentido numa perspectiva de organizar a luta social e disputar o poder.
Nessa perspectiva, a tendência petista Articulação de Esquerda – além de continuar empenhada no Nova Primavera, na jornada de formação de educadores/as, no processo de conferências e, na criação de núcleos – decidiu estimular a realização de um curso nacional de formação intitulado: NÚCLEOS DE BASE: O QUE SÃO, PARA QUE SERVEM E COMO ORGANIZAR.
Concluímos informando que tão logo a SNFP informe o calendário definitivo, pretendemos contribuir com textos nossos – coletivos ou individuais – para o processo de conferência de formação do Partido, assim como para a Tribuna Livre do programa Nova Primavera.
A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
1 de junho de 2021