Por Lucas Reinehr (*)
No mês de outubro, foi encaminhado aos secretários e secretárias estaduais da Juventude do PT um documento solicitando o mapeamento de candidaturas jovens do Partido dos Trabalhadores. O ofício está relacionado ao projeto “Representa!”, que de acordo com o documento, é um “movimento para reunir jovens petistas que estão dispostos/as a botar a cara nas urnas e disputar as eleições e câmaras de vereadores, e porque não, para prefeituras”. No documento, solicita-se que, num primeiro momento,seja feito um mapeamento de todos os pré-candidatos/as que tenham até 35 anos – com uma inscrição via formulário -, a criação de um grupo no WhatsApp e que sejam eleitas, em cada estado, pessoas para se inserirem no “Coletivo Nacional do Movimento Representa”.
A justificativa utilizada para impulsionar o projeto é de que, mesmo o PT sendo o partido que mais reelegeu deputados, a renovação da bancada foi inferior a 30%. Aliado a isso, acrescenta-se o fator de que apenas dois dos seus deputados eleitos para a Câmara Federal têm menos de 35 anos. Para solucionar o problema da pouca participação de jovens nas cadeiras legislativas e executivas, a Secretaria Nacional da JPT apresentou o projeto como alternativa, espelhando-se em projetos de “renovação política” utilizados pela direita, como o RenovaBR e o Movimento Acredito.
O projeto, que visa incentivar candidaturas jovens do Partido dos Trabalhadores, lançará em breve uma plataforma que permite inscrições voluntárias com o objetivo de conhecer e dar melhor projeção aos jovens interessados na disputa. De acordo com o ofício, o intuito é “formar uma bancada de renovação numerosa e comprometida com as causas do povo, sem vacilação na hora de defender direitos”. A motivação para o Representa surge a partir da premissa de que movimentos como o RenovaBR, Agora! e outros deram certo – independente da orientação político-ideológica – uma vez que elegeram candidaturas como as de Tábata Amaral e Kim Kataguiri. Entretanto, esses movimentos estão sendo vitoriosos porque essas candidaturas são financiadas por grandes empresários, pela interferência estadunidense a partir dos think tanks e crescem sob o manto da aversão aos partidos políticos, a partir de uma perspectiva “movimentista”.
Apesar de já ter sido aprovado pela Executiva Nacional do PT e de ter o aval de setores da JPT, acreditamos que o Representa, nesse formato,corresponde a um projeto desvirtuado da concepção de candidatura e política que o Partido dos Trabalhadores deveria ter.
Em uma conjuntura cada vez mais acirrada, onde a institucionalidade demonstra cada dia mais suas limitações, investir em um projeto que fomenta a participação da juventude em candidaturas desta forma pode ser perigoso. Acreditamos que as candidaturas, seja para vereadores, seja para prefeitura, devem ser fruto de uma construção militante e estar vinculadas à organicidade no Partido, não resultado do voluntarismo e personalismo, como o projeto propõe. Nesse sentido, entendemos que as candidaturas da tendência petista Articulação de Esquerda, sejam jovens ou não, devem passar obrigatoriamente pelas instâncias da tendência e são uma construção coletiva. Independente da participação no Representa, é importante que nossos militantes jovens compreendam que essas candidaturas devem ser,inicialmente, discutidas dentro da tendência.
O projeto traz, também, uma série de informações contraditórias em sua apresentação. Fala, em determinados pontos, sobre candidaturas de jovens petistas que possuem organicidade nos movimentos, porém, ao mesmo tempo, apresenta cartões de divulgação do Representa que incentivam jovens a se filiarem ao PT. Ou seja, se propõe a construir candidaturas de jovens filiados ao PT, mas ao mesmo tempo sugere que jovens não-filiados/simpatizantes se filiem para construir suas candidaturas.
Ademais, outro objetivo do Representa é contribuir para a formação de novos quadros para dirigirem o partido no futuro. A questão é: queremos quadros parlamentares ou quadros partidários? Para o atual formato do projeto, a criação de novos quadros passa pela disputa eleitoral e pela eleição de parlamentares.
Ainda que seja importante o encorajamento de candidaturas jovens e a participação da juventude na política, esse encorajamento deve se dar de uma forma que integre a juventude nas discussões da política, na construção do partido e na construção de uma militância real que transpasse a questão eleitoral. Dar centralidade à questão eleitoral de uma forma semelhante aos projetos que estão vinculados a partidos como o PDT e o Partido Novo pode ser perigoso e acabar transformando o PT em um “partido de aluguel”, em que a busca seja pela candidatura e não pela construção política e partidária. A centralidade do Representa não é um projeto político petista, é a ideia da renovação e da representatividade juvenil, o que faz coro à ideia de que é preciso renovação para se alterar a política.
Outro ponto problemático apresentado pelos pressupostos do Representa é que se sucumbe o projeto político de organização para se trabalhar as potencialidades do jovem (indivíduo) como uma figura da renovação política a partir de “construções de ideias inovadoras que tenham capacidade de impactar no processo eleitoral”, como diz o documento de apresentação do projeto. Nesse sentido, acreditamos que o projeto Representa tem inúmeros pontos que demonstram uma concepção muito problemática sobre a disputa eleitoral. Numa conjuntura em que o neoliberalismo avança não apenas no plano econômico, mas também no plano cultural, fomentando o individualismo e a meritocracia, é papel da juventude fortalecer espaços de construção coletiva, como o Partido, as associações de juventude, o movimento estudantil, as setoriais de juventude dos sindicatos, os núcleos de base, etc. A juventude trabalhadora sofre cada dia mais com a precarização e o desemprego, e por isso, é papel da JPT contribuir para a auto-organização da juventude trabalhadora, atrair mais jovens para a construção do partido e para que haja uma militância real, calcada na luta social e na construção de um país socialista.
Apesar das problemáticas apresentadas, acreditamos que a construção de candidaturas jovens é extremamente importante. Mas para isso, é importante que haja muita cautela: nossos quadros jovens, militantes orgânicos do PT, devem conquistar mais espaço nas decisões políticas do partido, construir pautas que estejam vinculadas aos interesses da juventude trabalhadora e ser importantes referências na luta política de seus locais de moradia. As candidaturas jovens devem ser resultado dessa construção, não da tentativa de renovação através do voluntarismo inconsequente.
Outra discussão pertinente é a relação entre o Representa e a ausência de um debate sobre uma reforma política no Partido dos Trabalhadores. Discussões acerca da participação da juventude, das disputas eleitoras, etc. devem estar vinculadas à ideia de uma reforma política e organizativa no PT, que reforce a constituição de um partido militante e não meramente cartorial. Projetos como o Representa se propõem apenas a remediar algo que deve ser profundamente debatido – de acordo com os documentos de apresentação, o projeto tem o prazo de validade de 6 anos, o que não resolve, na totalidade, às problemáticas que envolvem a juventude.
Sendo assim, expressamos que a Juventude da Articulação de Esquerda possui uma postura crítica em relação ao projeto, da forma que o mesmo se apresenta atualmente. Entretanto, considerando que o projeto já foi aprovado e está em curso, é importante que aprofundemos nossas discussões sobre o Representa a fim de elaborar uma síntese e tirar uma posição sobre como se dará nossa participação nele, uma vez que esvaziá-lo não solucionará seus problemas. Para isso, solicitamos que nossos militantes jovens discutam esse assunto em seus respectivos estados e municípios e elaborem considerações sobre o assunto, a serem compartilhadas na lista de e-mails nacional.
Ao se tratar de um projeto que concerne nossa militância jovem do partido, é importante que haja um debate mais rigoroso também nas instâncias partidárias sobre o método, conteúdo e formato que o Representa oferece. Para isso, é importante que os membros da Articulação de Esquerda no Diretório Nacional do PT solicitem que se realize uma discussão mais aprofundada no DN, visando compreender melhor de que forma funcionará o projeto e quais são as possibilidades de alteração dele. Até agora, o tema foi apenas brevemente abordado nas reuniões da Executiva e do Diretório Nacional, o que compromete uma análise mais rigorosa do projeto. A próxima reunião do Diretório Nacional precisa redebater o Representa.
Salientamos, ainda, que o 4º Congresso da JPT será um importante espaço de debate sobre as questões referentes à juventude, à nossa inserção política e à concepção de partido que devemos ter. É importante que haja uma elaboração sobre este tema, para que possamos apresentar no Congresso da JPT, reconduzindo a juventude petista à construção de um partido militante e socialista, e não um partido alinhado a uma suposta ideia de representatividade – que não necessariamente se traduz em qualidade política e em um projeto coletivo.
(*) Lucas Reinehr é diretor da UNE e militante da JPT