Por Fausto Antonio (*)
Epigrafia em contraposição aos mitos e fábulas
Desse modo, divergimos radicalmente da esquerda que afirma que a luta contra o racismo divide a classe trabalhadora. Outro engodo, objeto da nossa contraposição, é aquele que afirma que o antirracismo compromete a noção de totalidade. Mitos e fábulas à parte, a luta antirracismo não divide a classe trabalhadora e muito menos a sociedade brasileira; o racismo sim.
O antirracismo, além de processar, no seio da luta de classes a coesão, é uma totalidade, que tem por objetivo a radical transformação dos sistemas que estruturam o capitalismo brasileiro.
Em artigo publicado na Página 13, 20/01/2025, destacamos a importância da educação na defesa da soberania nacional. A publicação em foco colocou em relevo “a educação como estratégia para a soberania nacional.” O texto está à disposição no endereço: A educação como estratégia nacional .
No artigo em pauta hoje, enunciaremos a centralidade da superação do racismo como um dos pontos centrais para a coesão nacional. A soberania brasileira, assegurada a coesão nacional, passa indiscutivelmente pelo enfrentamento ao imperialismo. De outro modo, trataremos do projeto de superação dos privilégios para brancos, o antirracismo, como estratégia para a soberania nacional, dimensão interna. No contexto geopolítico global, com os BRICS e outros mecanismos de cooperação , no Sul Global, o objetivo é se contrapor ao imperialismo, notadamente o estadunidense.
Tendo em conta o modo pelo qual se define e funciona o racismo no Brasil, a categoria classe é fundamental, no entanto, negritando que não é um dogma, ela deve ser renovada. Classe, no Brasil, tendo em vista a extensão e a profundidade estrutural, sistêmica e epistemológica do racismo contra negros e povos originários, é um conjunto indissociável e contraditório de classe, raça, gênero e “território usado” (SANTOS, 2001 ) e/ou território “como encruzilhada’ (ANTONIO, 2024). A natureza ou a cor da classe renova o método marxista, que é eterno, mas não pode ser utilizado, como qualquer campo da ciência ou disciplina histórica, sem a devida renovação, que é necessariamente orientada pela sociedade. Desfeito o perigo do dogma, que atualiza, sem a cor da classe, o mito de democracia racial, voltemos à categoria soberania nacional.
Soberania como artefato político
A soberania nacional é um artefato político para enfrentar a dominação totalitária da branquitude, que se materializa historicamente na burguesia branca e racista brasileira. Como artefato, a soberania nacional é, no plano geopolítico, um meio para se contrapor à opressão e ao domínio igualmente totalitário do imperialismo.
A soberania integra, é uma noção, a socioespacialidade brasileira ; o território e o povo são indissociáveis. A existência do racismo esgarça a unidade nacional. Otrossim, o racismo impede a coesão nacional; os negros, de acordo com a naturalização dos genocídios, são estrangeiros no Brasil.
Desse modo, divergimos radicalmente da esquerda que afirma que a luta contra o racismo divide a classe trabalhadora. Outro engodo, objeto da nossa contraposição, é aquele que afirma que o antirracismo compromete a noção de totalidade. Mitos e fábulas à parte, a luta antirracismo não divide a classe trabalhadora e muito menos a sociedade brasileira; o racismo sim.
O antirracismo, além de processar, no seio da luta de classes a coesão, é uma totalidade, que tem por objetivo a radical transformação dos sistemas que estruturam o capitalismo brasileiro.
Para a visibilidade sistêmica e concreta da luta para a erradicação dos privilégios raciais para brancos, utilizamos, portanto, como categoria de análise, a soberania nacional entendida como defesa do território brasileiro e, antes e sobretudo, a noção categorial propugna a defesa da população brasileira, que assegura o “território usado”, “praticado e/ou como encruzilhada” dinâmica da parelha inseparável;isto é, povo e território.
O território como encruzilhada agrega o uso como base determinante e o faz entrelaçando a socioespacialidade, a superficie do território brasileiro ou chão, com a cosmovisão ancestral negro-indígena, que concebe o histórico social como uma unidade e/ou base inseparável do plano sagrado e espiritual.
A laia de patriotários lesa-pátria
Sendo assim, diferentemente dos patriotários da bandeira reduzida a pano e abstrata, o nacionalismo deve necessariamente se opor, no contexto interno, ao racismo, ao epistemicídio e, na defesa dos brasileiros, deve fundamentalmente se opor ao tarifaço , aos bloqueios , às sanções e aos embargos enunciados arbitrária e tutelarmente pelos EUA.
Em explícita oposição aos interesses estratégicos brasileiros, na senda do pano por pano, patriotários ordinários, ventiloções da pátria, ostentaram, na Avendia Paulista e no 7 de setembro, as bandeiras dos EUA e do Estado sionista.
O nacionalismo que se opõe ao racismo e ao imperialismo, na contramão dos patriotários, é concebido a partir da realidade social brasileira e de um consequente posicionamento político, que não fica indiferente ao tarifaço, ao desemprego,à violência policial contra negros, ao racismo e, no plano externo, aos ataques criminosos à soberania da Palestina, Venezuela, Burkina Faso, Niger, Mali, , entre muitos outros países insumissos.
No contexto interno, em oposição ao projeto nacional, temos a burguesia branca e racista brasileira e, no comando da opressão mundial , em oposição às soberanias nacionais, há o poder imposto pela mídia capitalista, pelas políticas de sanções, bloqueios, embargos, golpes e pelo aparato bélico, principalmente, ativado permanentemente pela simbiose imperialismo- sionismo. A referida simbiose, além da sua realidade concreta materializada por ataques bélicos e decapitações, entre outras formas de violência, tem, na sua realidade sistêmica, o apoio tático-estratégico de ONGS, Igrejas Internacionais, colunas e células mercenárias pagas e orientadas pelas agências do imperialismo.
O poderio do alcance das igrejas evangélicas mundiais e virtuais pode ser constatado na análise das fotos e das intervenções dos manifestantes na Avenida Paulista. Cresce, aos olhos, a forte adesão e coesão evangélico-esquizofrênica dos manifestantes e, numa relação oposta à socioespacialidade brasileira e ao chão das igrejas evangélicas, o ato da Paulista pôde se historicizar como um ato hegemonizado numérica e idelogicamente por brancos(as). Vimos o mesmo filme nos atos encabeçados pela branquitude totalitária brasileira, que antecederam o golpe branco de 2016.
O oponente central e principal do nacionalismo é o imperialismo. Por avessa equivalência, o nacionalismo , como artefato político e categoria de análise, só existe, estrategicamente, em confrontação aos privilégios geopolíticos, científicos, industriais , militares e fundamentalmente econômicos do imperialismo.
No contexto explicitamente nacional, indo ao encontro do território como encruzilhada da população majoritariamente negra, negro-indígena e/ou negro-mestiça do Brasil, sem o combate ao racismo, a soberania nacional não estará nem se quer anunciada, esboçada.
Assim concebida, a soberania nacional , relevando a defesa do território e do povo socioespacializado e não em abstrato, é um impedimento aos privilégios, internos, da burguesia branca e racista brasileira e, no arco geopolítico e estratégico mundial, ao poder dos países imperialistas. Numa síntese, o projeto soberano brasileiro só existe, como categoria de intervenção, em oposição ao racismo, à burguesia branca, e ao imperialismo.
O projeto nacional, validando a centralidade da defesa do território usado pelos brasileiros, rechaça, numa espécie de revanche, o território segregado pelo racismo e pelas moedas, imposições econômicas, do império estadunidense e dos países da comunidade europeia. Tais países necessitam também do território reduzido à extensão de terras; o que significa o território vazio de corpos e de conteúdo epistemológico e limitado aos recursos diversos presentes no solo e subsolo. A exploração diz, com todas as letras, que os países do bloco imperialista precisam e não podem prescindir das moedas despóticas; dólar e euro, e notadamente dos recursos minerais, energéticos, hídricos e humanos dos países esmagados e controlados. O domínio , a exploração e a força opressiva têm um pólo externo; o imperialismo, e outro interno; a burguesia branca, em conjunto, eles alicerçam as ordens, as imposições e a opressão ditadas prioritariamente pelos EUA.
Arbitrária e violentamente, as explorações consolidam os privilégios absolutos para o imperialismo e os privilégios relativos às elites e burguesias nacionais. A rigor, a despeito de o processo de opressão ser contraditório, as elites e burguesias vassalas , com o conjunto do Estado materializado pelas forças armadas, policiais, jurídicas, econômicas, midiáticas e de representação parlamentar, exploram e oprimem a população nacional. A consequente submissão das burguesias nacionais é ponto chave para o imperialismo e para valorização totalitária do dólar; moeda despótica, e do assalto aos recursos energéticos, minerais, sociais e estratégicos dos países que estão fora do bloco imperialista.
(*) Fausto Antonio é poeta, escritor, dramaturgo e professor Associado da Unilab, Bahia.
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Referências:
ANTONIO, Fausto Territórios Negros: a força dos currículos estabilizados e …
https://pagina13.org.br › hq-territorios-negros-a-forca-…
SANTOS, Milton et al. Território e sociedade: entrevista com Milton Santos. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo. 2001.