Temporada “Golpe em prestações”, episódio “7 de setembro”

Editorial do Jornal Pagina 13 de agosto. Para baixar a edição na íntegra, clique aqui.

A crise política avança a passos largos. Uma revisão parcial dos fatos das últimas duas semanas confirma isso.

No dia 10 de agosto, houve um desfile militar em frente ao Palácio do Planalto. Estava em debate na Câmara dos Deputados a PEC do “voto impresso”. O desfile das tropas foi uma evidente ameaça. Alguns parlamentares da oposição recorreram ao STF, que desconheceu o pedido. E no Congresso, ao invés de interromper as sessões em protesto contra a ameaça, o presidente da Câmara submeteu o “voto impresso” ao plenário: 229 votos a favor e 218 contrários, com uma abstenção e muitas ausências.  Somente os partidos de esquerda votaram integralmente contra a medida. Bolsonaro vem se apoiando nesta maioria entre os votantes para continuar a agitação golpista.

No mesmo dia 10 de agosto, a Câmara aprovou uma nova “mini” reforma trabalhista, mostrando que a boiada segue passando, com o apoio da ampla maioria dos parlamentares.

No dia 11 de agosto aconteceu a votação do distritão. Para evitar o “pior” a bancada de esquerda aceitou votar um “acordo” que – se for mantido no Senado – resultará na volta das coligações proporcionais.

No dia 12 de agosto, um funcionário do banco Santander compartilhou um relatório que fala que “ninguém apoiará um golpe em favor de Bolsonaro, mas é possível especular sobre um golpe para evitar o retorno de Lula.”

No dia 13 de agosto, o ministro Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva do ex-deputado federal e presidente nacional do PTB Roberto Jefferson, que no momento mesmo da prisão gravou um vídeo com novas ameaças a Alexandre de Moraes.

No dia 14 de agosto o presidente Jair Bolsonaro publicou mensagens em suas redes sociais nas quais diz que pedirá ao Senado a abertura de processo contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Na semana seguinte, cumpriria parcialmente a promessa.

No mesmo dia 14 de agosto, o ministro da Defesa, general Braga Netto, fez um discurso na cerimônia de entrega do Espadim 2021 aos cadetes do 1º ano da Academia Militar das Agulhas Negras. No discurso ele disse que as Forças Armadas são “protagonistas dos principais momentos da história do País” e estão “sob autoridade suprema do presidente da República”. Aquele mesmo que vem cometendo todo tipo de barbaridade

Também no 14 de agosto começou a circular vídeo afirmando que caminhoneiros e agricultores estavam organizando um movimento “para salvar o país”, entre os dias 4 e 6 de setembro. No vídeo se diz o seguinte: “Estamos nos preparando judicialmente para fazer uma coisa séria, para que o Exército tome uma posição, o governo tome uma posição”. Pouco tempo depois, a PF fez operações de busca e apreensão contra os envolvidos nas ameaças, inclusive contra o cantor Sérgio Reis.

Ainda no dia 14 de agosto o presidente Jair Bolsonaro encaminhou uma mensagem para uma lista de transmissão no WhatsApp em que fala sobre a necessidade de um “contragolpe” e convoca apoiadores para se manifestarem no dia 7 de setembro com o objetivo de mostrar que ele e as Forças Armadas têm apoio para uma ruptura institucional. Na semana seguinte, a convocatória seria respaldada por diversos policiais militares da ativa e da reserva, inclusive importantes comandantes de tropas. Dizem que há ônibus sendo fretados para comparecer nos desfiles. Notem que o próprio Exército, pretextando a Covid 19, tornou facultativo o desfile das tropas, o que quer dizer que eventuais enfrentamentos promovidos por provocadores policiais podem ocorrer sem causar danos colaterais diretos nas forças armadas.

Em meio a esta situação, o ministro Barroso do STF procurou o vice presidente Mourão para discutir os riscos de uma ruptura institucional. Mourão prometeu que as Forças Armadas não apoiam qualquer alternativa de golpe. O que pode ser verdade, uma vez que – como o ministro Toffoli – há milicos que acham que um “movimento militar” não é um golpe…

Um dos elementos da tensão é a CPI da Covid, onde há todos os elementos para o enquadramento de Bolsonaro em vários crimes. E o relatório teria que ir a voto, diferente dos pedidos de impeachment que dependem do “imperador” Artur Lira. A questão é saber o que vai prevalecer entre os integrantes da CPI: os fatos ou o medo. Pois embora muita gente refira-se às “bravatas” de Bolsonaro e da extrema direita, falta disposição para tomar atitudes práticas contra os golpistas, a começar pelo impeachment de Bolsonaro. Não será com notas de repúdios, reuniões teatrais de governadores e clamores por “diálogo entre as instituições” que se conseguirá superar a crise.

Diante de um cenário escalada das tensões, a nós da esquerda cabe uma tarefa principal: ampliar a mobilização popular contra as medidas ultraliberais e em defesa do fim imediato do governo Bolsonaro, com convocação antecipada de novas eleições. Nossa ação principal não pode estar focada na preparação para as eleições, dando às mobilizações um papel quase que protocolar. Nesse sentido, a agenda de Lula no Nordeste precisaria ter tido um caráter mais popular, não prioritariamente institucional ou reservado à militância. Quatorze meses antes da data para a qual está marcada, não temos como assumir uma atitude normal perante a eleição de 2022, com foco prioritário para as conversas de gabinete e articulações por cima entre partidos, parlamentares e governantes. Sem falar no erro de fazer articulações com setores de direita que estão apoiando a “passagem da boiada”.

Seja para enfrentar Bolsonaro, seja para garantir que haja eleições, seja para vencermos as eleições, seja para conseguir tomar posse contra uma extrema direita bolsonarista que além de tudo é armada e cada vez mais hidrófoba, só há um caminho: mobilização popular.

Sem protagonismo popular, continuará em marcha o “golpe em prestações”, seja por parte da extrema direita, seja por parte da direita gourmet (que foi quem começou a coisa toda a partir do golpe do impeachment). Se a luta contra o bolsonarismo for travada sob direção ou dentro dos limites definidos pela direita gourmet, o desfecho não será de forma alguma algo que possa ser apresentado como uma vitória da “democracia” ou do “Estado de direito” (o Santo Graal da esquerda liberal). O que muito provavelmente acontecerá será, isto sim, uma vitória do “estado da direita”, que desde 2016 está nos fazendo andar para trás, do ponto de vista econômico, social, cultural e político.

A dinâmica da luta de classes nos últimos anos tem sido esta: a direita, ou uma parte dela, ataca com tudo, em favor de seu programa máximo. A esquerda, para evitar o que parece ser uma derrota total, recua. O ataque da direita, ou de parte dela, é detido. Ou seja: a direita não consegue seu programa máximo, mas consegue mais do que tinha antes. Mesmo assim setores da esquerda comemoram, pois “podia ser pior”. E podia mesmo. Mas quando olhamos o processo de conjunto, percebe-se que está em curso um “golpe em prestações”. Claro que as prestações não são suaves para todo mundo: alguns reduzem a compra do mês, outros passam fome, alguns perdem parte do salário, outros perdem os empregos, alguns perdem os direitos, outros perdem a vida. Portanto, ainda que pudesse ser pior, não há motivo para cantar vitória. Pois nesse ritmo, o porvir ficará muito por detrás da linha de partida, já que estamos indo em direção ao passado. O que ajuda a entender por quais motivos parte da esquerda confunde 2022 com 2002, sem perceber que essa “estrada do tempo” desemboca no quartel, mais exatamente no primeiro quartel do século 20.

E por falar em quartel, alguns quarteis da polícia militar estão em polvorosa. A situação é extremamente tensa e pode se agravar, cabendo especial atenção para o dia 7 de setembro. É preciso ampliar ao máximo as manifestações de rua, tomar todas as precauções contra provocações e estar atento para as movimentações de Bolsonaro et caterva. É preciso especial atenção para a situação de Brasília e de São Paulo, duas cidades em que Bolsonaro anunciou que pretende participar do 7 de setembro. A direção do PT e a direção das principais frentes precisa debater em profundidade o cenário, com destaque para a situação nas polícias militares (a demissão de um comandante por Dória é um indicador da tensão existente no setor) e as movimentações ruralistas pró-Bolsonaro.

À medida que Bolsonaro cai nas pesquisas, cresce sua agressividade. Além disto estar vinculado ao estilo e a tática preferidas do presidente, a crise abre espaço para a ação das FFAA como poder moderador, assim como abre espaço para os acordos por cima entre os diferentes setores da direita. Cabe às esquerdas garantir o protagonismo popular, ocupando as ruas e fortalecendo a unidade dos movimentos Fora Bolsonaro, especialmente em torno da luta contra a carestia, a fome e o desemprego.

Motivos para isto existirem e existirão cada vez mais. Hoje temos a pandemia, a fome, a inflação e o desemprego. E há sinais de que a situação deve piorar. Sempre devemos lembrar que 2021 vem antes de 2022. Na Segunda Guerra Mundial, tinha gente que dizia que “é mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil entrar na Guerra”. Analogamente, hoje tem gente acha que é mais fácil uma cobra fumar do que acontecer o impeachment do Bolsonaro. Pois bem: nosso desafio é fazer a cobra fumar. Nosso desafio é fazer o impeachment acontecer, acumulando forças para nossa segunda independência. Dia 7 de setembro será um importante teste de forças.

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