Por Alana Gonçalves*
Temos uma legislação vigente que assegura alguns direitos básicos das mulheres brasileiras. Tomaremos a Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/2006) como exemplo. Criada em agosto de 2006, a Lei Maria da Penha prevê a criação de mecanismos para punir, prevenir e erradicar as violências contra as mulheres. A lei configura como violência contra a mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Apesar de a Lei Maria da Penha ser considerada uma das três melhores leis do mundo que visa erradicar a violência doméstica, alguns dados precisam ser reconhecidos: uma pesquisa feita em 2013 pelo DataSenado aponta que 99% das mulheres já ouviram falar da Lei Maria da Penha; no entanto, apenas 9% dizem conhecer a lei integralmente. Ou seja, apesar da importante formulação sobre a lei e das campanhas de divulgação, a pesquisa demonstra não ser o suficiente para o conhecimento integral dos tipos de violência que a lei engloba, o que pode interferir no número de casos nos quais as mulheres acessam o judiciário a fim de garantir seus direitos.
A dificuldade do acesso à informação sobre as leis não é por acaso. O Judiciário se configura como a forma jurídica do capitalismo, assim como o Estado é a sua forma política. Portanto, ele integra uma superestrutura que manipula, controla e normatiza a vida social, reduzindo as análises de situações sociais a ritos processuais, que dificilmente consideram as determinações estruturais que os produzem e reproduzem. Um exemplo disso foi o golpe sofrido pela presidenta Dilma Rousseff, no qual a esfera jurídica serviu, mais uma vez, aos interesses da classe dominante. É importante salientar quem são as/os operadores do judiciário e podemos partir da formação que estas/es recebem. A universidade brasileira, apesar de todos os avanços, ainda tem caráter meritocrático e elitista. Se tratando do curso de Direito, um dos mais tradicionais do país, percebemos que hegemonicamente as/os estudantes que acessam o curso e os/as docentes responsáveis por sua formação estão estruturalmente condicionados à manutenção da concepção de justiça positivista. Além disso, apesar das formulações de leis como a Lei Maria da Penha, não é feita formação continuada das/os profissionais e servidoras/es que a operam, o que se reflete no despreparo e muitas vezes desconhecimento da lei por parte dessas/es profissionais no atendimento das vítimas. Vale ressaltar, ainda, que os cargos jurídicos ainda são ocupados majoritariamente por homens.
Sobre as condições que as mulheres encontram ao buscar o acesso ao sistema de justiça, há muitos casos em que a violência se reproduz no momento em que se entra na delegacia, mesmo nas especializadas no atendimento das mulheres. Além disso, ocorre também da mulher que consegue levar adiante uma denúncia de abuso tenha como retorno do acusado, por exemplo, processos por calúnia ou pedidos de indenização moral, visto as dificuldades que se tem de comprovar esse tipo de violência.
A formulação de leis com caráter progressista é de fundamental importância, no entanto fica evidente a insuficiência dessa legislação frente a estrutura capitalista e patriarcal que conduz os rumos do país e do mundo. Em síntese, para que o judiciário brasileiro promovesse de fato “justiça”, seriam necessárias mudanças mais profundas, de natureza socialista e feminista.
Não se trata de uma mera crítica ao judiciário para desacreditá-lo, até porque em algumas condições o enfraquecimento das instituições pode levar ao justiçamento e à barbárie. O que reivindicamos de imediato são reformas estruturais no judiciário, para ampliar as liberdades e direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, mulheres, negras/os, LGBTs, numa perspectiva de respeito aos direitos humanos, rompendo com o elitismo, machismo, racismo, LGBTfobia e xenofobia.
* Alana Gonçalves é estudante da UFSM
Fonte: Página 13 n. 174, dez. 2017