Por Valter Pomar (*)
Há várias maneiras de analisar o resultado das eleições presidenciais de 2022.
Uma delas é fazendo a comparação com eleições presidenciais anteriores.
Há várias maneiras de fazer a referida comparação; a mais simples é comparando a votação obtida pela candidatura petista em cada pleito.
A comparação é facilitada pelo seguinte: em todas as eleições presidenciais desde 1989, sempre houve uma candidatura petista na disputa: ou Lula (1989, 1994, 1998, 2002, 2006); ou Dilma (2010, 2014); ou Haddad (2018).
Mas o mais simples pode ser também o mais enganoso.
Para começo de conversa, as eleições se deram em circunstâncias muito diferentes (varia o esforço necessário para conseguir um voto, se você é governo ou oposição, está em meio a uma crise mundial ou em condições normais de temperatura e pressão, enfrenta a direita gourmet ou a extrema direita, é candidato pela primeira vez ou nunca foi candidato, se teve ou não segundo turno etc.).
Além disso, os números “em si” precisam ser devidamente ponderados.
Um exemplo disso está na tabela abaixo, feita pelo colega e companheiro Luís Roberto:
Quem observa a imagem acima é levado a concluir o seguinte: as candidaturas do PT vieram num crescendo até 2006, depois sofreram um decréscimo até 2018 e voltaram a crescer em 2022, quando teríamos obtido um resultado nunca antes obtido em nossa história.
O problema é que o eleitorado brasileiro cresceu muito desde 1989 até hoje. Portanto, é preciso trabalhar também com outros números (proporção em relação ao total da população, proporção em relação ao total do eleitorado, proporção em relação ao total de votos válidos etc.).
Das alternativas citadas acima, a mais fácil de obter é a última: votos válidos.
Nesse caso, os números são os seguintes (adotado o mesmo critério do meu colega e companheiro, ou seja, as votações obtidas no segundo turno ou no turno único, conforme indicado no Wikipedia, tendo como fonte primária o TSE):
1989
Collor 53,03%
Lula 46,97%
1994
FHC 54,24%
Lula 27,07%
1998
FHC 53,06%
Lula 31,71%
2002
Lula 61,27%
Serra 38,73%
2006
Lula 60,83%%
Alckmin 39,17%
2010
Dilma 56,05%
Serra 43,95%
2014
Dilma 51,64%
Aécio 48,36%
2018
Bolsonaro 55,13%
Haddad 44,87%
2022
Lula 50,90%
Bolsonaro 49,10%
Adotado o critério acima (votos válidos) e supondo que a fonte esteja correta, constatamos que a curva do desempenho eleitoral das candidaturas presidenciais petistas é bem mais acidentada do que sugere uma análise baseada em números absolutos de votos.
A referida curva baseada em votos válidos começa em 1989, cai em 1994, cresce em 1998 e 2002, cai muito pouco em 2006 e depois segue caindo até 2018, voltando a crescer em 2022.
Em números absolutos, 2022 parece ser o pico (60 milhões de votos).
Em percentual dos votos válidos, o melhor resultado segue sendo 2002, quando tivemos 52.793.364 votos, o que correspondia a 61,27% dos votos válidos, bem mais do que os 50,90% obtidos em 2022.
Quando se considera os votos válidos, há duas situações muito diferentes: quando houve segundo turno e quando a disputa foi resolvida no primeiro turno.
Quando a disputa foi resolvida no primeiro turno, os resultados obtidos pelas candidaturas petistas são os mais baixos da série: 27,07% e 31,71%
Quando consideramos apenas os casos em que houve segundo turno, os números obtidos pelas candidaturas petistas variam de 44,87% até 61,27%.
Como é óbvio, acontece que nos segundos turnos as candidaturas petistas ampliam.
E aí vem o mais curioso. E preocupante.
O senso comum sugere o seguinte: no segundo turno, nossa ampliação será maior se estivermos disputando contra uma candidatura de extrema direita; e será menor, se estivermos disputando contra uma candidatura de centro (ou, como prefiro chamar, da direita gourmet).
O senso comum acima descrito arranca de uma premissa nem sempre explicitada: a de que o eleitorado brasileiro é composto por três terços: um de esquerda, um de centro e um de direita.
Portanto, sendo assim, a tendência é que no segundo turno extrema direita versus esquerda, a candidatura petista cresça mais do que uma candidatura da extrema direita, pois supostamente uma maior parte do centro vai se aliar com a esquerda, para derrotar a direita.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1989 (os dados abaixo são todos extraídos do Wikipedia):
Fernando Collor (PRN) | 20 611 030 | 30,48% | 35 090 206 | 53,03% | |
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) | 11 622 321 | 17,19% | 31 075 803 | 46,97% |
Jair Bolsonaro (PSL) | 49 276 990 | 46,03% | 57 797 847 | 55,13% | |
Fernando Haddad (PT) | 31 342 051 | 29,28% | 47 040 906 | 44,87% |
Lula (PT) | 57 259 504 | 48,43% | 60.345.999 | 50,90% | |
Jair Bolsonaro (PL) | 51 072 345 | 43,20% | 58.206.354 | 49,10% |
Lula venceu, mas foi o cavernícola quem cresceu mais no segundo turno.
Detalhando os números:
-no segundo turno, 32.200.558 abstenções ou 20,59% dos votos válidos
-votos nulos foram de 3.487.874 para 3.930.765 ou seja de 2,82% para 3,16% dos votos válidos
Resumo da ópera: no segundo turno, o cavernícola cresceu o dobro do que nós crescemos; a maior parte deste crescimento parece ter sido obtido no eleitorado que, no primeiro turno, votou nas demais candidaturas.
Lembro que no segundo turno muitos comentaristas-de-pesquisas acreditavam que, na pior das hipóteses, Lula terminaria com 6 milhões de votos a mais do que o cavernícola.
E recusavam com indignação a opinião de quem alertava que as pesquisas subestimavam a abstenção e subestimavam a capacidade de crescimento do cavernícola, obtida por meios “legais” e “ilegais”.
Agora que a votação foi concluída, restou demonstrado que o lado de lá cresceu mais.
Ou seja: certo ou errado, o esforço feito no segundo turno, de “ir mais ao centro” para “conquistar o eleitorado de centro” simplesmente não rendeu o resultado esperado.
Da nossa parte o esforço incluiu concessões simbólicas e gestos efetivos.
O outro lado não fez tais gestos, salvo talvez pedir desculpas por eventuais palavrões. E mesmo assim cresceu mais no segundo turno.
Há várias explicações possíveis e não excludentes entre si para este fato.
Uma delas é que a teoria dos “três terços” não procede.
Outra é que o tal “centro” simplesmente não é o que parece ser, nem tem o tamanho que alguns acreditam.
Uma terceira é que a extrema-direita conseguiu fincar raízes em um setor da classe trabalhadora; e estas raízes não serão arrancadas com acenos ao centro.
Há outras maneiras de interpretar politicamente o problema.
O que não se pode fazer é não prestar atenção nele, não explicar e não resolver.