Uma CUT para tempos de guerra

“Embora muitas das resoluções aprovadas na Central indiquem o caminho da luta de classes, da confrontação e da organização, na prática, não está superada a estratégia de conciliação, que segue presente em ações e prioridades da maioria da Articulação Sindical, tendência que dirige há décadas a CUT e a maioria dos sindicatos.”

Por Jandyra Uehara*

 

O 13º Concut, cuja etapa nacional que acontecerá entre 7 e 10 de outubro, acontece no momento mais difícil da história da CUT, na esteira de sucessivas derrotas políticas desde 2016, em meio a ataques violentos à organização sindical, de mudanças corrosivas nas relações de trabalho, de desemprego, de fragmentação, de precarização, de grave crise econômica e social. Mais do que nunca, nossa primeira tarefa é defender as organizações sindicais e populares da política de cerco e aniquilamento, de guerra contra a classe trabalhadora operada pelo governo da extrema direita e seus aliados. Precisamos existir, resistir e avançar.

Aos 36 anos, a CUT, com sua força e com as suas debilidades, com seus erros e acertos, é o maior e mais importante instrumento de luta sindical da classe trabalhadora brasileira, dirigindo a luta por melhores salários, melhores condições de trabalho, menores jornadas, mais empregos, mais direitos. Seu desafio histórico é vincular as lutas cotidianas a uma estratégia de profunda transformação social de realização de reformas estruturais democráticas e populares articuladas com a construção de uma sociedade socialista.

Após o período de ascenso das lutas sociais que marcaram a primeira década de existência da CUT cresceram no seu interior posições políticas, ideológicas e práticas distantes do sindicalismo combativo, democrático e de massas, que marcaram seu nascedouro. Este processo se deu em meio a profundas e complexas transformações no mundo do trabalho decorrentes do neoliberalismo e da reestruturação produtiva e a um crescente processo de adaptação à estrutura sindical atrelada ao estado, burocratização, fragmentação e despolitização do movimento sindical.

O anticapitalismo deu lugar ao antineoliberalismo, as políticas de negociação economicistas prevaleceram e cada vez mais o modelo sindical europeu influenciou a CUT, ignorando um diferencial básico – a ausência de um estado de bem estar social, de uma democracia burguesa consolidada e de liberdade e autonomia sindical no Brasil.

A CUT surgiu em oposição ao sindicalismo acomodado e pelego que dominava a cena no final dos anos 1970; e em oposição à estrutura sindical varguista, atrelada ao Estado. Na Constituição de 1988, sofremos uma grande derrota na democratização do movimento sindical e na ratificação da Convenção 87 da OIT, mantiveram-se o imposto sindical compulsório, a unicidade e a regulação da justiça do trabalho.

Com o passar do tempo, a luta por mudanças e democratização do modelo sindical foi secundarizada e a acomodação à estrutura sindical cresceu. Nos anos do governo Lula, a Lei de reconhecimento das centrais sindicais em 2007, além de favorecer a fragmentação sindical, consolidou o processo de adaptação e acomodação à estrutura sindical atrelada ao Estado, com destaque ao imposto sindical compulsório. Boa parte da receita da maioria dos sindicatos cutistas vinha do imposto sindical e as nossas entidades não se preparam para garantir, na prática, a autonomia frente ao Estado. O mesmo em relação à CUT, cuja estrutura e a burocracia sindical cresceram em função dos recursos provenientes do imposto sindical a partir de 2008.

Com a Reforma Trabalhista, as MPs 871 e 873 e outras medidas que se anunciam como o fim da unicidade sindical e até mesmo das prerrogativas do artigo 8º da Constituição Federal, os governos golpista de Temer e Bolsonaro estão rapidamente destruindo a estrutura e o financiamento como forma de aniquilar a organização sindical e destruir a resistência organizada da classe trabalhadora.

Em decorrência das políticas neoliberais, das mudanças profundas no mundo do trabalho e da reestruturação produtiva, a CUT hoje representa as categorias organizadas do setor público e privado, minoritárias em relação ao conjunto da classe trabalhadora. É preciso uma proposta de reorganização que fortaleça e priorize os sindicatos de base, propor novas formas de organização e ampliação da representação dos trabalhadores e das trabalhadoras com base nos territórios e no fortalecimento da organização horizontal; combater a fragmentação e unificar o movimento sindical, na luta e – como decorrência desta – nas estruturas, fundindo sindicatos numa mesma base territorial; incorporar os trabalhadores e trabalhadoras terceirizados; organizar os trabalhadores/as informais, das plataformas digitais, os desempregados, com prioridade para as mulheres e jovens.

É vital fortalecer os laços e a confiança da classe trabalhadora em relação às organizações sindicais e no trabalho de base fazer a disputa político-ideológica. A formação política e cultural na perspectiva da luta de classes é fundamental para a renovação e reconstrução de um movimento sindical radical, anticapitalista, socialista, financiado pelos trabalhadores e trabalhadoras e profundamente enraizado nas suas bases.

O enfrentamento da situação e a própria existência da CUT com seus propósitos originais exige uma política de combate sustentada pela conscientização e mobilização da classe trabalhadora associada a um novo modelo de organização.

Diferente do período de fundação da CUT, no bojo de intensas lutas sociais, de ascenso da classe trabalhadora, do surgimento de novas lideranças no cenário sindical, estamos chamados a fazer mudanças sem um movimento intenso da classe trabalhadora que impulsione e seja capaz de desengessar as estruturas da CUT. Será preciso democratizar radicalmente a CUT, retomar a participação das bases nos processos congressuais e decisórios, voltar a ser uma central de militantes e não apenas de dirigentes de grandes sindicatos.

A CUT assim como a maioria das organizações do campo popular e socialista está chamada a mudar a sua estrutura, organização, método de trabalho no funcionamento e método de direção, organização na base e relação com as classes trabalhadoras, mobilização e luta sindical, conteúdos e práticas de comunicação e formação política.

Há no interior da CUT posições divergentes sobre o balanço do movimento sindical nos governos Lula e Dilma, na caracterização do governo Bolsonaro e também sobre qual estratégia deve ser adotada contra a coalizão golpista. Embora muitas das resoluções aprovadas na Central indiquem o caminho da luta de classes, da confrontação e da organização, na prática, não está superada a estratégia de conciliação, que segue presente em ações e prioridades da maioria da Articulação Sindical, tendência que dirige há décadas a CUT e a maioria dos sindicatos.

Após a vitória de Bolsonaro, em diferentes ocasiões a ilusão com a possibilidade de diálogo, de acordos ou de alianças com setores golpistas se fizeram presentes, em ações que não foram convalidadas pela direção nacional cutista, mas que representavam a posição política do núcleo central do grupo dirigente. Desde posições de construção de “um canal de diálogo com o governo e fazer oposição com proposição” como via “para a construção de consensos políticos, econômicos e sociais fundamentais ao êxito de qualquer administração e do desenvolvimento do Brasil” em carta assinada por seis centrais sindicais em 1º de janeiro de 2019, passando por audiência com Mourão com ilusão de que poderiam incidir sobre as aparentes divergências da coalização golpista até a assinatura de Manifesto escrito e proposto por Dias Toffoli em defesa do STF, onde consta que “a Suprema Corte é insubstituível para o país e é dever de todos a sua defesa, pois, sem ela, nenhum cidadão está protegido”.

Ao longo da história do Brasil, o STF é a suprema corte de um estado oligárquico e autoritário, respaldou golpes e ataques à democracia como na permissão para a extradição de Olga Benário Prestes ao regime nazista, na legitimação do Golpe Militar de 1964 e do AI-5, na ocultação dos crimes da ditadura aprovando a anistia a assassinos e torturadores. Além da participação do STF no impeachment da presidenta Dilma, na prisão de Lula e no seu impedimento na eleição presidencial de 2018. Mais recentemente aparece a tese de que “setores do empresariado não aguentam mais Bolsonaro” ou ainda que o Rodrigo Maia e o centrão podem ser articuladores de uma proposta de legislação que se contraponha às prováveis ofensivas de Bolsonaro para destruir o movimento sindical combativo. Criam a ilusão em torno da possibilidade dissensos na coalizão golpista em pautas fundamentais que gerem benefícios aos trabalhadores ou protejam as suas organizações.

Esses exemplos mostram tentativas de requentar a velha tese da conciliação, da possibilidade de alianças com frações dos inimigos, sem levar em conta que só conseguiremos incidir nas contradições do bloco golpista com as classes trabalhadoras em luta, organizadas e mobilizadas. Não existem atalhos, portanto, os nossos melhores esforços devem ser em direção à unidade das classes trabalhadoras, acolhendo, organizando e politizando as lutas de todos os setores explorados, dominados e oprimidos.

No 13º Concut é fundamental aprofundar o debate político, trazer à tona as divergências reais e construir unidade em torno de uma política de enfrentamento à coalização golpista. É preciso também avançar na defesa das nossas organizações contra a criminalização da ação política e sindical e lutar por LULA LIVRE junto às nossas bases organizadas. A luta pelos direitos é indissociável da luta por democracia e pela liberdade de Lula. Mas a mobilização pela liberdade de Lula ainda está circunscrita aos dirigentes sindicais e à vanguarda da classe trabalhadora. Lula só será libertado por obra da ação consciente de milhões de trabalhadores e trabalhadoras nas ruas.

A Articulação de Esquerda participa ativamente do processo de unidade que é fundamental para a sobrevivência da CUT, porém isto não significa ocultar as divergências de concepção política e organizativa que existem no interior da Central, o que é fundamental para a construção de uma unidade política real, que faça deste Congresso um marco político e organizativo na história da classe trabalhadora, à altura dos desafios e das gigantescas dificuldades impostos pela conjuntura política no capitalismo em crise.

(Artigo publicado originalmente no Jornal Página 13 nº 202 – Agosto)

*Jandyra Uehara Alves é da Executiva Nacional da CUT e do DN do PT

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