Por Luiz Sérgio Canário
Uma breve história da internet
O primeiro embrião da Internet surge em 1969. A internet como conhecemos hoje aparece em 1º de janeiro de 1983, o Flag Day. A primeira implantação no Brasil foi em 1988, no meio acadêmico. Os primeiros acessos comerciais no Basil são vendidos em 1995. Hoje a internet tem ao redor 4,3 bilhões de usuários no mundo. Mais da metade dos habitantes da Terra acessam a internet, 56% da população. No Brasil são cerca de 122 milhões, 59% da população. No Reino Unido 94%, no Japão 92%, na Alemanha 90%, nos Estados Unidos 76% e na Rússia 76%.
É de longe o meio de comunicação com a maior velocidade de crescimento.
Claro que um meio de comunicação com tamanha penetração na população não deixaria de ser usada em campanhas eleitorais e atividades políticas e partidárias.
A internet começa a ser usada nas eleições dos Estados Unidos ainda em 1996. Os candidatos democratas e republicanos criam sites na internet. Mas ainda era um uso embrionário e de pouca influência no resultado.
Site da campanha Democrata de Clinton/Gore em 1996:
http://www.livingroomcandidate.org/websites/cg96/
Site da campanha Republicana de Dole/Kemp em 1996: http://www.dolekemp96.org/main.htm
Apenas nas eleições de 2008 a internet passa a ser um meio importante nas campanhas, especialmente na de Barack Obama.
A internet e as eleições nos Estados Unidos e no Brasil
No seu primeiro discurso após a vitória Obama diz:
“Eu nunca fui o candidato mais provável para este cargo. Não começamos com muito dinheiro ou muitos apoiadores. Nossa campanha … foi construída por homens e mulheres trabalhadores que recorreram às poucas economias que tinham para dar cinco dólares, dez dólares, vinte dólares a essa causa “.
Nas eleições nos Estados Unidos tão importante quanto conseguir votos é conseguir dinheiro. E campanha de Obama foi fortemente financiada por pequenos doadores. E a internet foi fundamental para isso.
Apesar do rival, John McCain, também ter usado a internet, a campanha de Obama foi muito mais eficiente. Usando o site de Obama durante a campanha mais de 150.000 eventos de arrecadação foram organizados por voluntários. Na última semana foram cerca de 1.000. Esses voluntários criaram mais de 35.000 grupos, agrupados por vários critérios de afinidade. O site myBarackObama.com chegou a 1,5 milhão de contas criadas e arrecadou US$600 milhões de 3 milhões de doadores. O site da campanha foi criado por um dos fundadores do Facebook, como uma espécie de rede social privada.
O site foi construído para estimular a colaboração e dar tarefas para os voluntários realizarem, conforme sua disponibilidade de tempo. Além do site o envio massivo de mensagens de textos, via SMS, usando milhares de números de telefone coletados principalmente nos comícios.
Esses instrumentos também serviram para combater notícias falsas, as fakenews, já em ação, espalhadas pela campanha adversária.
A campanha de Barack Obama foi fortemente sustentada na militância, que teve na internet um suporte eficiente e utilizado de forma inteligente. Ela teve o mesmo impacto na forma de fazer campanha que a de John Kennedy teve com o uso da televisão. Ambas estabeleceram novos paradigmas para o uso de meios de comunicação. Por suas características de emular o contato direto do candidato quase em tempo real com o eleitor/voluntário, a internet requer autenticidade. Na TV as campanhas são construídas quase que como para um produto, uma montagem que passa longe da autenticidade.
Depois de Obama as campanhas eleitorais nunca mais foram as mesmas. Um novo paradigma foi instituído.
A campanha de Trump em 2016 aprofunda o uso da internet na busca por votos, voluntários e dinheiro. E também no uso de fakenews como arma para destruir a reputação do adversário. O principal paradigma estabelecido por ela foi o uso massivo de dados e da construção e envio de mensagens para grupos extremamente segmentados construídos usando esses dados, obtidos muitas vezes por meios acusados de fraudulentos.
Alguns princípios e pessoas são os fundamentos das ferramentas e estratégias do uso da internet, e principalmente das redes sociais, na campanha.
Duas pessoas são chaves na construção das ferramentas utilizadas: um russo, Aleksandr Kogan, e um canadense, Christopher Wylie.
Aleksandr desenvolveu um aplicativo, “thisisyourdigitallife” (esta é a sua vida digital), que fazia testes de personalidade usando perfis do Facebook. As pessoas respondiam voluntariamente algumas perguntas e davam permissão para ele acessar seus dados pessoais no Facebook. Aproveitando uma falha de segurança, que permitia que além dos dados da pessoa fossem acessados os dados de todos os seus contatos, ele consegue dados de, não há um número preciso, somente estimativas, 60 a 80 milhões de eleitores dos Estados Unidos. Obtidos sem autorização. Somente a primeira camada de pessoas havia autorizado acesso às suas informações. Mas não as de seus contatos, que também não autorizaram.
Christopher desenvolveu um modelo de análise da relação entre perfis de personalidade com intenção de voto. Com dados pessoais obtidos do Facebook era possível traçar um perfil da personalidade de uma pessoa e com isso se chegar a sua intenção de voto.
Os modelos foram construídos usando o modelo OCEAN para determinar o tipo de personalidade. Esse modelo foi proposto na década 1960, mas somente nos anos 1990 passa a ser utilizado e tratado como o método psicológico mais rigoroso de avaliar a personalidade. OCEAN é um acrônimo para as cinco características que avalia: Openness to experiences (Abertura para a experiência) Conscientiousness (Conscienciosidade) Extraversion (Extroversão) Agreeableness (Amabilidade) Neuroticism (Neuroticismo)
A empresa Cambridge Analytica (CA) junta essas duas pontas. Nisso tiveram papel importante outras duas pessoas: Alexander Nix e Robert Mercer.
Alexander era o presidente da CA. É ele quem contrata Christopher para a empresa e o coloca para trabalhar sobre as informações repassados para a CA por Aleksandr. Robert é um bilionário que enriqueceu usando algoritmos que construía para ganhar dinheiro no mercado financeiro. Foi um dos poucos grandes empresários que acreditavam em Trump e despejou muito dinheiro na CA e na campanha.
Mas o principal estrategista de Trump foi Steve Bannon também da CA, que depois foi assessor de Trump já presidente.
Os números da campanha de Trump são espantosos. Nos últimos meses da campanha, por exemplo, enquanto a campanha de Hillary Clinton produziu e enviou 66.000 tipos de mensagens diferentes, Trump produziu quase 6 milhões de mensagens diferentes! As mensagens não eram mais enviadas para grupos genéricos de pessoas, como mulheres, negros, moradores de um bairro ou categoria profissional. Elas eram praticamente individualizadas. O foco deixa de ser demográfico e passa a ser como as pessoas agem e pensam. A personalidade é a chave para saber por que as pessoas votam de uma determinada maneira. De acordo com essa abordagem, a personalidade determina a tomada de decisão.
Os aplicativos construídos pela CA, usando as bases de dados de pessoas com vários milhões de registro de informações pessoais permitiam isso. Através de modelos computacionais foram construídos perfis de cerca de 250 milhões de eleitores, em uma população de cerca de 332 milhões. Eram cerca de 5.000 informações de cada uma dessas pessoas, como mobilidade, leitura, gastos, curtidas no Facebook etc.
A base tecnológica da campanha era o Facebook, onde centenas de milhões de US$ foram gastos com anúncios.
O imenso banco de dados, chamado de Projeto Alamo, também era alimentado por várias fontes de dados comerciais, como proprietários de armas, contas em sites da internet, registro de eleitores, etc.
O trabalho dessa gigantesca máquina não se restringiu a atrair eleitores. Também foi usada para fazer campanha para convencer os eleitores de Hillary a não irem votar. Nos últimos dias da campanha, com a estagnação de Trump nas pesquisas, secretamente foi disparada a campanha de desencorajamento.
Bolsonaro começou sua campanha sabendo que não era conhecido, não teria o apoio de nenhum dos grandes partidos, o que não lhe daria tempo de TV, não tinha apoio do núcleo da classe dominante e não tinha militância para estar nas ruas fazendo campanha. Sua estratégia então teve dois polos principais. Para torná-lo conhecido viajar pelo país continuamente, fazendo o maior barulho possível na sua passagem por cada local, para chamar a atenção das pessoas e ganhar algum espaço nas mídias locais. O outro polo era usar a internet para se comunicar diretamente com os eleitores, superando a falta de tempo de televisão e de militância de rua.
O WhatsApp foi a base da estratégia tecnológica. Grandes volumes de mensagens, enviadas por robôs, foram pagos por empresários amigos, por fora da campanha, via caixa 2. Alguns números importantes. Pouco antes do primeiro turno das eleições, 57% dos eleitores de Bolsonaro usavam o Facebook, contra cerca de 40% dos de Haddad. No WhatsApp 61% do lado de Bolsonaro e 38% do lado de Haddad. 31% da base de Bolsonaro compartilhava conteúdos no Facebook e 40% no WhatsApp. 21% compartilhavam no Facebook e 22% da de Haddad. Bolsonaro saiu de 7 milhões de seguidores em todas as plataformas em 01/2018 e chega a 18 milhões em outubro. Haddad parte de 800 mil e alcança 4 milhões no mesmo período. Esses números mostram o quanto o uso das redes e do WhatsApp foi importante na campanha em 2018 e na de Bolsonaro em particular.
Há pistas do uso dos métodos da Cambridge Analytiva na campanha de Bolsonaro. Em 25 de setembro, pouco depois de Haddad ser anunciado candidato pelo PT, o Facebook anunciou ter sido hackeado. Em 12 de outubro, informou que a invasão começou provavelmente em 14 de setembro. Foram “roubados” os dados de 400 mil usuários e, a partir desse “roubo”, os hackers obtiveram informações sobre 30 milhões de pessoas. Foram capturados 29 milhões de números de telefone e e-mail. De metade os hackers conseguiram saber também: o nome da pessoa, gênero, idioma, estado civil, religião, cidade natal, data de nascimento e 15 últimas pesquisas feitas na internet. Muita informação. Por coincidência um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, esteve em agosto com o principal estrategista de Trump na campanha, Steve Bannon. Também por coincidência Bolsonaro muda de patamar nas pesquisas. No Ibope ele oscilou em torno de 28% entre 11 e 26 de setembro. A partir do dia 1º de outubro, mudou de patamar. Rompeu a barreira dos 30%, alcançou 31%. Enquanto isso a rejeição de Haddad variou entre 23 e 27%. A partir de 1º de outubro, mudou de patamar: chegou a 38%
A CA veio para o Brasil em 2017 com uma parceria com um publicitário baiano, André Torretta, da Ponte Estratégia, criando a empresa CA Ponte. Quando estourou o escândalo mundial da CA, o Ministério Público brasileiro abriu um inquérito sobre a CA Ponte e chamou Torretta para depor. O MP queria saber sobre o banco de dados da empresa. A investigação corre até hoje sob sigilo.
Dez anos separaram as eleições de Obama da de Bolsonaro. Nesses dez anos a tecnologia da internet evolui muito. Também evoluíram a importância dela nas campanhas. Pode não ter sido o elemento central nas vitórias dos candidatos, mas certamente foi um fator de diferenciação e de atração de pessoas.
Além da evolução tecnológica houve um avanço nas estratégias de segmentação dos eleitores e na forma da abordagem. Modelos sofisticados de avaliação de perfis psicológicos predominam. Não há mais espaço para amadorismo ou achismo de marqueteiros. Essa últimas eleições mostraram o poder que o uso dessas técnicas tem. Seja nos Estados Unidos, seja no Brasil. As fakenews não foram construídas ao acaso. Foram construídas para atingir um público determinado que estava disposto a acreditar que Haddad era pedófilo, o PT uma quadrilha, Lula um ladrão e que as crianças iriam ser alimentadas por mamadeiras de piroca. Bolsonaro segue, mesmo depois de eleito, falando principalmente para esse público.
O PT precisa repensar suas estratégias para atrair e manter seus militantes em ação nos movimentos sociais em todos os períodos de todos os anos. E não somente nos anos pares.
Bolsonaro montou sua estratégia de campanha e começou a trabalhar nela em 2014. E já está trabalhando para sua reeleição com seus métodos pouco ortodoxos. Trump logo depois das eleições já tinha escolhido o gerente de sua campanha de reeleição. Em declarações recentes esse gerente falou que o Facebook já deu o que tinha que dar por lá. Que eles estavam buscado construir outras formas de acessar os eleitores.
A roda não para. Se o PT foi de extrema eficiência no uso da TV e no trabalho de marketing, precisa buscar essa mesma eficiência nos tempos atuais. Com a diferença que esse trabalho agora é necessariamente permanente. A presença do partido nas redes para divulgar suas mensagens e coordenar a ação de seus militantes e simpatizantes para atrair mais militantes e simpatizantes precisa ser permanente e fruto de uma estratégia permanente e de longo prazo. Não se pode mais atuar por espamos bienais.
(*) Luiz Sérgio Canário é militante petista em São Paulo