A Lava Jato destruiu a indústria do Brasil

Economistas calculam que o impacto da Operação Lava Jato  é de 2 a 2,5% na queda do PIB, cerca de R$ 146 bilhões

Por Marlon de Souza (*)

             O resultado da Operação Lava Jato sobre algumas das maiores empresas brasileiras que tinham competitividade no mercado internacional foi a queda de mais de 80% das suas receitas e centena de milhares de postos de trabalhos extintos. Setores industriais inteiros foram destruídos e após cinco anos ainda não se recuperaram. A Lava Jato serviu aos interesses de potências econômicas externas, das ambições dos associados capitalistas do Brasil e de justificativa para a implementação da atual política ultraliberal fundamentada no contracionismo no gasto público que é responsável pela asfixia de hoje do crescimento econômico e da retração da arrecadação fiscal. A operação contribuiu para por fim à perspectiva de projeto da nação.

 Apenas os jornalistas que não exercem o seu dever de ofício que é o de apurar com rigor, isenção e equidistância as informações é que acreditam no imaculado “combate a corrupção”, comunicadores ludibriados pela própria propaganda sistemática lavajatista que as grandes empresas de comunicação na qual trabalham publicam diariamente nos editoriais e noticiários. Para se constatar o quanto a Lava Jato foi decisiva para o aprofundamento da trajetória regressiva da economia brasileira se faz necessário observar dados objetivos.

            Em artigo publicado na edição de agosto do ano passado no Jornal dos Economistas – publicação do Conselho Regional dos Economistas do Rio de Janeiro – o coordenador do Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP), vinculado ao Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESPE) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Fernando de Paula e o doutorando do IESP/UERJ Rafael Moura demonstram que a Operação Lava Jato é uma variável causal da atual crise da economia brasileira, os autores afirmam que consultorias como GO Associados e Tendências, por exemplo, calculam algo em torno de 2 a 2,5% de contribuição da Lava Jato na queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 2015 e 2016 respectivamente, em função dos impactos nos setores metalomecânico, naval, construção civil e engenharia pesada, cujas perdas podem totalizar até R$ 146 bilhões.

Em um comparativo, em março de 2019, quando completou 5 anos, a Lava Jato divulgou uma projeção indicando que estima recuperar com as condenações e acordos R$ 40 bilhões para os cofres públicos. De concreto, a Petrobras conseguiu recuperar até hoje apenas R$ 2,5 bilhões, sendo que o valor é exatamente o mesmo que a própria estatal foi obrigada a pagar em multa decorrente de ação movida nos Estados Unidos relacionado às denúncias da Lava Jato.

Fernando de Paula e Rafael Moura, do IESP/UERJ, apontam que “a desestruturação dos setores de construção civil e petróleo/gás contribuiu sobremaneira para o aprofundamento da crise econômica a partir de 2015 e levou à desarticulação de alguns dos poucos setores em que o capital doméstico era competitivo a nível internacional”.

Ainda de acordo Fernando de Paula e Rafael Moura, do IESP/UERJ os principais efeitos da Lava Jato para a crise se concentraram na indústria de construção civil, setor deteriorado pela paralisia resultante da retração aguda dos investimentos estatais. Estes dois economistas da UERJ destacam que a atenuação da política econômica ortodoxa praticada durante o primeiro governo Lula, somada a um papel crescentemente ativo por parte do BNDES a partir de 2007, além do Programa de Aceleração do Crescimento  (PAC) aceleraram de fato o crescimento através de investimentos em infraestrutura e representam hoje o último ciclo de expansão do setor de engenharia na história brasileira.

Segundo estes economistas a revitalização do intervencionismo estatal e das capacidades burocráticas de planejamento estratégico foi fundamental para uma maior inserção da infraestrutura na agenda pública nacional, corporificada na construção e concessões de ferrovias, rodovias, aeroportos e portos o que objetivamente vinha minimizando o gasto logístico, denominado pelos industriários de Custo Brasil. Estes investimentos em setores intensivos na absorção de mão de obra que garantiram, junto com o aumento no setor de serviços, que o governo Dilma Rousseff terminasse seu primeiro mandato em uma situação próxima ao pleno emprego.

Como dado de verificação objetivo da relação direta da Lava Jato com a crise econômica assinalamos aqui os indicadores da construção civil entre 2014 e 2017, período em que o setor registrou saldo negativo entre contratações e demissões de 991.734 vagas formais (com preponderância na região Sudeste); entre 2014 e 2016, representou 1.115.223 dos 5.110.284 (ou 21,8%) da perda total de postos da população ocupada no período; e, desde o segundo trimestre de 2014 até o último de 2018, apresentou forte retração em suas atividades.

É possível observarmos ainda a descapitalização e o desmonte das maiores empreiteiras brasileiras. Dados levantados pelo jornal O Empreiteiro mostram que somente entre 2015 e 2016, por exemplo, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa tiveram queda em suas receitas brutas de, respectivamente, 37%, 31% e 39%.

Entre 2016 e 2017, a Odebrecht assistiu a um recuo de 40% do mesmo indicador; enquanto a Camargo Corrêa de 41% e a Queiroz Galvão, de 24%. A Odebrecht é o caso mais emblemático, a maior construtora nacional em 2014 tinha um faturamento bruto de R$ 107 bilhões, com 168 mil funcionários e operações em 27 países. Em 2017 – três anos e meio após a eclosão do escândalo e com seu presidente e herdeiro preso Marcelo Odebrecht – seu faturamento era de R$ 82 bilhões, com 58 mil funcionários e atividades apenas em 14 países. Queiroz Galvão, OAS, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa – também assistiram a um derretimento conjunto de seus ativos financeiros consolidados de uma ordem de R$ 25,77 bilhões em 2014 para aproximadamente R$ 8,041 bilhões em 2017 (perda de 68,57%).

 

Destruição da indústria

O professor do Departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Pedro Henrique Pedreira Campos relata que as maiores construtoras do país – Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, UTC e Constran – tiveram perdas de 85% de sua receita entre 2015 e 2018, passando de um faturamento conjunto de R$ 71 bilhões para apenas R$ 10,8 bilhões.

As estatísticas de desemprego são ainda mais graves quando levamos em conta que se trata de famílias inteiras. Segundo levantamento apresentado por Campos nesse mesmo período, a construção pesada fechou um milhão de postos de trabalho no país, o equivalente a 40% das vagas de emprego perdidas na economia.

A Odebrecht, entrou em recuperação judicial, acumulando uma dívida total de R$ 98 bilhões. Somente na Odebrecht as vagas de trabalho retrocederam de 274 mil para 48 mil postos entre 2015 e 2019. A OAS, que atualmente está em recuperação judicial teve 127 mil empregados e hoje contabiliza apenas 19 mil.

A política econômica neoliberal iniciada no governo Temer e aprofundada pelo governo Bolsonaro se caracteriza pelo contracionismo no gasto público o que resulta na atual asfixia do crescimento econômico. Como exemplo concreto da destruição do parque fabril brasileiro pela Lava Jato podemos citar os pesados acordos de leniência que para serem cumpridos levou a empresas venderem ativos inclusive para grupos estrangeiros.

A Odebrecht iniciou um processo de venda da subsidiária Braskem – até então a maior firma petroquímica da América Latina, produtora de biopolímeros com participação expressiva da Petrobras – ao grupo holandês LyondellBasell, Andrade Gutierrez vendeu seu controle sobre a OI para acionistas holandeses e portugueses, Camargo Corrêa vendeu a CPFL para a chinesa State Grid.

 

Petrobras

No que tange ao setor de petróleo, o escândalo envolvendo o suposto cartel entre a estatal e demais empresas se dá no mesmo cenario de uma forte queda no preço da commodity, afetando os resultados financeiros da Petrobrás, que apresentam graves prejuízos líquidos de R$ 26,6 bilhões no último trimestre de 2014 e de R$ 36,9 bilhões no último trimestre de 2015. A crise fez a empresa arrefecer seu volume de investimentos do montante aproximado de US$ 48,826 milhões em 2013 para US$ 15,084 milhões em 2017: uma retração de quase 70%. As inversões da estatal (repasses para outros fundos ) caem de 1,97% do PIB em 2013 para 0,73% do PIB em 2017 e de 9,44% do volume total de investimentos (FBKF) para 4,69% no mesmo recorte. Dentro do próprio conjunto de investimentos públicos, o volume responsável pela Petrobras também caiu de 49,3% em 2013 para 36,5% em 2017. Essa retração aguda da atuação da empresa reverberou no corpo de funcionários e em inúmeros projetos junto a outras firmas, contribuindo para uma redução dos trabalhadores empregados formalmente no Sistema Petrobras de 86.108 para 68.829 entre 2013 e 2016, e de 360.180 para 117.555 entre os terceirizados no período equivalente. Isto corresponde que em um intervalo de quatro anos a cadeia produtiva direta da empresa teve perda de quase 260 mil postos de trabalho formais e informais. A crise no setor de petróleo em função do escândalo da Petrobras, somada à nova inclinação programática neoliberal do governo Temer (mantida por Bolsonaro), levou a uma reversão radical da política para o setor e venda maciça de refinarias e ativos da estatal. A Petrobras se desfez de 90% de seus ativos relativos a uma rede de dutos do Sudeste – Nova Transportadora Sudeste (NTS) – para o grupo canadense Brookfield e da rede de gasodutos e transportes nas regiões Norte e Nordeste – TAG – para o grupo francês Engie.

Em síntese, o segmento de petróleo e gás foi determinante do processo de desestruturação econômica e desmonte da engenharia e infraestrutura do Brasil; acentuando uma tendência grave de desnacionalização de nossas atividades produtivas no geral. De acordo com o Moura e Fernando de Paula a “desestruturação desses dois setores – construção civil e petróleo/gás – contribuiu sobremaneira, por um lado, para o aprofundamento da crise econômica a partir de 2015, da qual não nos recuperamos até momento; de outro, levou à desestruturação de alguns dos poucos setores em que o capital doméstico era forte e competitivo a nível internacional”.

A redução de investimentos da Petrobras produziu consequências drásticas sobre a cadeia de fornecedores. O setor naval, como resultado da política do governo Lula chegou a empregar aproximadamente 85 mil pessoas até 2014, tem hoje cerca de 23 mil funcionários, 30 estaleiros foram fechados ou ficaram sem encomenda alguma. Parte dos principais e mais modernos, tinham como sócios algumas das empreiteiras envolvidas na Lava Jato, o que provocou um efeito combinado de crise. Alguns eram responsáveis pela construção de cascos e módulos de plataformas e foram subsequentemente reduzindo suas atividades. A partir da política do governo Temer o Brasil de produtor de plataforma de petróleo e sonda de perfuração passou a importar. Os efeitos sobre esta cadeia produtiva como um todo teve ainda recentemente a aceleração por parte do governo as concessões, já com maior presença de petrolíferas estrangeiras.

O Clube de Engenharia do Brasil denuncia que o governo Bolsonaro como forma de driblar a lei que proíbe a privatização da Petrobras vende a estatal em partes por meio de negociação de seus ativos tal qual refinarias, gasodutos do Nordeste e do Norte, BR Distribuidora, Transportadora Associada de Gás (TAG). Com a venda da TAG o resultado é espetacular agora a Petrobras passa a depender de uma empresa estrangeira para produzir e transportar seu próprio petróleo e sua própria produção petrolífera depende do gás associado aquela produção.

Na lista de decisão de privatizações das refinarias da Petrobras é significativa; Refinaria Abreu e Lima (RNEST) em Pernambuco, Refinaria Landulpho Alves (RLAM) na Bahia, Refinaria Gabriel Passos (REGAP) em Minas Gerais, Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR) no Paraná, Refinaria Alberto Pasqualini (REFAP) no Rio Grande do Sul, Refinaria Isaac Sabbá (REMAN) no Amazonas, Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (LUBNOR) no Ceará e a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX) no Paraná.

A mais recente foi a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen/PR) que gerou somente nesta unidade a demissão de cerca de 1000 trabalhadores contando os terceirizados. Hoje os petroleiros estão em greve e em 18 dias de paralisação. De acordo com a Federação única dos Petroleiros (FUP) 20 mil petroleiros estão mobilizados em 56 plataformas, 11 refinarias, 23 terminais, sete termelétricas, uma usina de biocombustível e uma de fertilizantes e outras unidades operacionais e administrativas espalhadas pelo Brasil; Amazonas, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo, Ceará Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

Professor em Teoria Econômica pela Unicamp José Augusto Gaspar Ruas afirma que a retirada da Petrobras como operadora subtraia do Brasil a principal fonte para o desenvolvimento nacional. O projeto de privatização da Petrobras derrotado nas eleições presidenciais e sendo executado agora desarticula todo uma cadeia industrial. Ainda segundo o Clube de Engenharia hoje há 5 mil empresas ligadas entorno da Petrobras.

Ruas explica que com o fim da “regra de conteúdo local, a autorização legal para venda de ativos da Cessão Onerosa e o fim da regra de operador único nos campos do Pré-Sal amplia o espaço para a entrada de empresas estrangeiras e a presença de múltiplos operadores por conseguinte dificulta a utilização das encomendas como instrumento de promoção de aprendizado e escala operacional em segmentos/empresas nacionais”.

 

A farsa de que o Estado robusto é obstáculo para o crescimento econômico

            O professor de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) Márcio Pochmann afirma que “ainda que dominante, o prognóstico neoliberal encontra-se equivocado. A começar pela falsa afirmação de que o entrave econômico encontra-se no Estado, quando, na realidade, é parte fundamental da própria solução da crise atual”.

Pochmann discorre que a farsa reside no argumento dos economistas de orientação ultraliberal de que a desorganização nas finanças públicas e a piora nas contas governamentais provém do abuso de gastos. Pelo contrário, “deriva de significativa redução na arrecadação tributária, gerada por desaceleração e recessão da economia, desindustrialização, desonerações fiscais excessivas e outras razões”.

A defesa da atual política econômica de que é necessário o corte de gastos para a economia crescer não resiste a análise dos dados econométricos de realidade. Em uma breve verificação constatamos que enquanto no período de 2007 a 2010, por exemplo, a despesa e a receita primárias cresceram relativamente parelhas (9,8% e 9,5% como média anual, respectivamente), percebe-se que no período seguinte (2011 a 2014), a arrecadação desabou para variação média anual de 0,2% frente à desaceleração importante dos gastos de 3,5%. Isto é a desaceleração de investimento estatal está diretamente relacionado com a queda de arrecadação para receita futura.

Pochmann assinala os dois últimos anos do governo Dilma Rousseff que “com a recessão econômica de 2015 e 2016, as receitas decresceram -0,7% como média anual e as despesas foram concomitantemente contraídas para variação média anual de 0,6%, o que significou estabilização do gasto público, não o seu crescimento abusivo como equivocadamente tratado pelos neoliberais” em uma tentativa de creditar a estagnação econômica aos governo do PT..

O economista da Unicamp Pochmman é taxativo “quanto mais cortar as despesas públicas, que influenciam a dinâmica da economia, mais difícil retomar o crescimento e, com isso, superar o obstáculo da expansão consistente nas receitas governamentais”. Isto explica o atual agravamento do déficit primário das contas públicas, ou seja, cortar os investimentos públicos não melhora a economia, a atual política econômica em curso de Paulo Guedes piora e os resultados da economia divulgado nas últimas semanas provam isto. O resultado do primeiro ano do governo Bolsonaro é de economia estagnada o PIB cresceu 0,89%, menos da metade projetado para o ano que era de 2%, a balança comercial de 2019 houve queda de 19,6% em relação ao ano de 2018 e o dólar atingiu valor recorde de US$ 4,21, déficit primário de R$ 61,87 bilhões, queda do faturamento industrial de 0,8% e a produção industrial caiu 1,1% em 2019.

Outro argumento diariamente propagado pelos porta-vozes do programa neoliberal e base argumentativa da atual reforma administrativa do governo Bolsonaro é que o gasto descontrolado com o funcionalismo público é o principal fator que compromete recurso substancial para investimento em áreas essenciais, quando na verdade o principal é que “a trajetória de ascensão no déficit nominal do setor público encontra-se diretamente associada ao aumento da gastança, sem limites, com os juros da dívida, sempre estimulada por juros elevadíssimos pagos pelo próprio governo”.

O que se constata no acompanhamento do total do gasto público com pessoal ativo e inativo é que para o ano de 2017, o gasto equivalia a 4,3% do PIB, enquanto em 2002, representava 4,8% do PIB, isto é nos governos Lula/Dilma não houve descontrole de gasto com pessoal, mais do que isto foi reduzido. “Se considerarmos também a evolução das despesas públicas com pessoal e juros, encontra-se o principal vilão do déficit nominal. Resumidamente, a despesa pública com juros em 2017 foi 21% superior ao conjunto de gastos com pessoal no governo federal, enquanto em 2002, os juros da dívida pública equivaliam a 58,3% do que o governo federal comprometia com o pagamento das despesas de pessoal ativo e inativo”, os governos do PT reduziram o comprometimento do recurso público com o pagamento da dívida, descreve Pochmann.

 

BNDES

            Historicamente o principal instrumento de desenvolvimento da indústria brasileira é o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) que financia a inovação e investimento de plantas industriais produtivas a juro subsidiado, bem abaixo do mercado. Como parte da política anti-indústria do governo Bolsonaro o BNDES desde o início do atual governo tem suas linhas de financiamento desmontadas e as operações executadas no governos Lula/Dilma atacadas e descreditadas publicamente.

Cumprindo com a promessa de campanha eleitoral de 2018 o BNDES no governo Bolsonaro contratou auditoria para desvendar a suposta caixa-preta de operações feitas entre 2005 e 2018. Foram contratados dois escritórios de advocacia; um estrangeiro com sede em Nova York e outro no Rio de Janeiro para investigar a “chamada caixa-preta do BNDES”. Conforme apurou o jornal Estado de São Paulo uma auditoria de seis páginas no BNDES que não apontou evidência alguma de corrupção gastou R$ 48 milhões – R$ 6 milhões por página.

Mobilizada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, a campanha sobre supostas irregularidades no banco tinha como alvo atingir os governos do PT – Lula e Dilma, não só não encontrou nenhum desvio como agora o valor gasto pelo atual governo na auditoria de R$ 48 milhões é questionada pelo Ministério Público (MPTCU) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). O pedido é assinado pelo sub-procurador-geral do MPTCU Lucas Rocha Furtado e requer informações se a contratação da auditoria está de acordo com a legislação brasileira e se o valor do contrato está condizente com o praticado no mercado.

O próprio ex-presidente da Odebrecht Marcelo Odebrecht em entrevista a Folha de São Paulo publicada em dezembro do ano passado afirmou que quando realizava uma obra em outro país o “BNDES financiava conteúdo nacional, geração de trabalho no Brasil”, explicou. Sobre o porto de Cuba, por exemplo, Odebrtecht explicou que o contrato do financiamento do BNDES obrigava aquele país a importar do Brasil a “estrutura metálica, maquinário, produtos com conteúdo nacional”. Isto derruba o argumento de que o BNDES financiava projetos no exterior, o dinheiro ficava no Brasil, gerava empregos aqui. Odebrecht ressaltou ainda na entrevista que o presidente Lula apresentava de forma institucional e enquanto estadista as empresas brasileiras no exterior no mesmo patamar de competitividade e concorrência sem privilegiar nenhuma.

 

Compras públicas

             Ainda como parte do desarranjo da indústria brasileira o ministro da Economia Paulo Guedes anunciou no final do mês passado no Forum Econômico Mundial em Davos que o Brasil irá aderir ao  Government Procurement Agreement – GPA –  (sigla em inglês para Acordo sobre compras governamentais) da Organização Mundial do Comércio (OMC). O GPA estabelece aos países signatários uma série de compromissos entre os principais está o acesso aos mercados nacionais de compras públicas. Seus integrantes ficam obrigados a dar “isonomia” de tratamento entre empresas nacionais e estrangeiras. Atualmente 48 países integram o GPA entre eles as 27 nações da União Europeia.

Hoje as compras públicas no Brasil é a mais eficiente e maior política de Estado para desenvolvimento das empresas nacionais, apenas indústrias do Brasil podem concorrer as licitações, com esta decisão de adesão ao GSA o governo brasileiro abre o mercado nacional de compras públicas para empresas estrangeiras e o efeito pode ser a extinção de setores inteiros econômicos nacionais.

Sem data ainda para ser assinado, mas o que se sabe é de que as consequências para a indústria brasileira será gravíssima e com prejuízos irrecuperáveis de ordem econômica e social sobretudo para o mercado de trabalho de profissionais brasileiros.

O Estado do Brasil hoje é um comprador de bilhões de reais ano e proporciona o desenvolvimento econômico social. É possível se ter a dimensão do que as compras governamentais representam ao se observar o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) onde aponta que entre 2006 e 2016, a média anual da contribuição do setor para o PIB “nunca esteve abaixo de dois dígitos alcançando a média de 12,5% no período”, apontam os pesquisadores Cássio Garcia Ribeiro e Edmundo Inácio Júnior, responsáveis pela aferição.

O IPEA aponta também que as compras da União representaram a maior fatia do mercado de compras governamentais brasileiro no período — em média, cerca de 50%. Metade desse volume era de compras da Petrobras, que durante os governos Lula e Dilma adotou uma política de conteúdo nacional em suas aquisições, resultando no grande impulsionamento da produção brasileira voltada para a cadeia de óleo e gás — indústria sofisticada, que gera empregos qualificados, formais e com remunerações mais elevadas. Foi um momento em que comumente havia recrutamento e migração de trabalhadores de todas as partes do país para colaborarem na indústria naval, nas refinarias e plataformas de petróleo.

Este programa de uso do poder de compra do Estado se estende não apenas para a União, mas para todas as esferas da administrações públicas como os governos municipais e governos estaduais. Quando fala-se em poder de compra do Estado trata-se de contratação de obras, serviços, tecnologia, aquisição de materiais de qualidade, manutenção ou substituição de materiais.

“A política de compras governamentais poderia assumir um importante papel na recuperação da economia do país, pelo seu enorme potencial anticíclico”, alertam os pesquisadores do Ipea. Em uma economia estagnada com 12,6 milhões de desempregados, e mais do que isto em uma economia em desenvolvimento, isto é ainda não desenvolvida e em estágio de capitalismo atrasado, as compras realizadas pelos governos têm um papel fundamental, mas a política ultraliberal do ministro da Economia Paulo Guedes abre mão desta política pública abrindo as licitações públicas para empresas estrangeiras em detrimento da indústria brasileira.

 

A serviço do capital internacional

Não há uma prova cabal de que a Operação Lava Jato foi e é um instrumento articulado de um poder estatal exterior ao brasileiro e serve aos interesses do capital internacional. Porém, economistas apontam indícios e números da economia que demonstram com absoluta precisão que da forma como foi conduzida a Lava Jato resultou no quadro de que as empresas brasileiras que estavam internacionalizadas fossem eliminadas no mercado externo, sufocadas no mercado interno do Brasil e proporcionando as indústrias  estrangeiras dos países desenvolvidos uma fração ainda maior na economia mundial e agora com capacidade de expansão na economia doméstica brasileira sem a  competitividade da concorrência das empresas nativas.

A Lava Jato resultou na entrega ao capital externo setores no Brasil como o de petróleo e gás, eletricidade, construção e administração de rodovias, aeroportos e outros equipamentos de infraestrutura. Neste sentido as “empresas brasileiras tiveram suas capacidades de protagonismo na cadeia global de valor podadas”, explica Pochmann.

 

Em outros países se pune o empresário, mas se preserva a indústria e os empregos

             É patente a afirmação em outros países quando se combate a corrupção se pune o empresário, mas se preserva a empresa. Como tenho constatado que muitas pessoas não se convencem disto em especial os analistas de política dos telejornais da imprensa corporativa resolvi apurar alguns casos exemplares. Um dos mais notórios é o da Lockheed Martin fabricante de sucessos da aviação incluindo caças da 2° Guerra Mundial como o B-47 Stratojet e os modelos JetSart, B-29 Superfortresses, C-1 Starlifter, XV-4 Hummingbird.

Amplamente noticiado na imprensa internacional como na alemã Der Spiegel a Lockheed Martin foi acusada muitas décadas atrás de distribuir US$ 3 bilhões em propina para agentes de governos estrangeiros Itália, Holanda e Japão. Diferente das empresas brasileiras que figuram na Lava Jato a Lockheed Martin sobreviveu e inclusive hoje faz parte do império militar norte-americano. Lá nos EUA diferente do Brasil o combate a corrupção não quebrou a empresa.

Ainda mais recente em 2015 o grupo Volkswagen, também detentora das marcas Audi e Posche, foi acusado de usar um programa de computador para fraudar resultados de emissão de poluentes em carros com motores a diesel. Nas ruas emitiam muito mais gás tóxico do que o permitido. A revista científica Nature calculou que o excesso dos poluentes de veículos a diesel teria provocado a morte de 38.000 mortes prematuras em todo o mundo em 2015.

A Volkswagen assumiu que 11 milhões de veículos em todo o mundo tinham o software que burlava a emissões. O então presidente da Volkswagen Martin Winterkorn renunciou afirmando que desconhecia a fraude, um executivo do grupo foi condenado nos EUA a prisão perpétua, outro foi preso preventivamente e um terceiro funcionário foi condenado a prisão na Coréia do Sul. A empresa se comprometeu a pagar US$ 20 bilhões em multas e compensações. Já no ano de 2016 ainda no auge do escândalo a montadora se tornou a que mais vendeu carros no mundo e continua uma potência do setor automobilístico na Alemanha.

 

Departamento de Estado dos EUA

            Muitos especialistas em Direito Internacional afirmam que após o ataque as torres gêmeas os EUA passaram a utilizar a luta anticorrupção como uma arma de intervenção norte-americana na Economia global. Para isto utiliza-se de duas instituições e três leis.

As instituições são o DHS – United States Departament of Homeland Security (Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos) e a PIN – United States Public Integrity Section of the Department of Justice (Seção de Integridade Pública do Departamento de Justiça dos Estados Unidos). As três leis são;

 

  • SOX (Sarbanes-Oxley), lei que objetiva impedir a fuga de investidores por causa de crimes financeiros e contra o mercado de capitais em razão de falta se governança nas empresas

 

  • Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)

 

  • FCPA é a sigla em inglês para Foreing Corrupt Pratices Act (Lei de Práticas de Corrupção no Exterior) lei federal criada em 1977 pelo EUA em tese para proibir atos de suborno que envolvam agentes do governo estadunidense, permite processar empresas e pessoas extraterritorialmente em qualquer parte do mundo bastando apenas que tenham algum vínculo com os EUA ou alguma transação com uma de suas instituições financeiras.

Uma outra estratégia utilizada é a cooperação internacional intra-instituições entre os países, o que alguns juristas apontam como inconstitucional porque desrespeita a soberania dos Estados nacionais. De acordo com apuração do GNN no caso da Operação Lava Jato as trativas de cooperação para investigação se deu entre o Ministério Publico Federal (MPF) do Brasil e o Ministério Púbico dos EUA, sendo que o MPF não é uma instituição autônoma e o protocolo exige que o termo de cooperação institucional seja estabelecido pelo Ministério das Relações Exteriores o que segundo o GNN não foi realizado.

 

Combate a corrupção como ideologia

Este debate sobre o combate a corrupção tem sido tratado de modo superficial pela esquerda brasileira. A percepção contemporânea do senso comum a corrupção para qualquer cidadão dotado de um mínimo de senso de justiça é de que é moralmente e eticamente condenável um indivíduo apropriar-se privadamente de recursos públicos materiais ou imateriais. O repúdio à corrupção seria uma atitude normal dos cidadãos de bem. O que é uma obviedade a todo cidadão com senso moral contemporâneo.

Porém é ai que reside a armadilha ideológica da corrupção como ideologia. É preciso indagar e entender porque um país desenvolvido utilizaria o combate a corrupção como instrumento de intervenção na economia mundial em especial na de país em desenvolvimento? Por que alguns membros do Judiciário e do Ministério Publico cometeriam crimes e atos de corrupção no interior da Operação Lava Jato para combater a corrupção  como revela as investigações jornalísticas do The Intercept?

Para se afastar da percepção ingênua a despeito do combate a corrupção encontra-se a resposta quando se fundamenta a análise em contorno teóricos da teoria marxista do Estado. O equívoco na análise sobre o combate a corrupção reside ao se naturalizar ideias e valores que são apresentados a sociedade como o de justiça e a separação do público e privado do Estado capitalista. Louis Althusser já elaborou há tempo o conceito teórico de alusão/ilusão do Estado capitalista.

O professor de Ciência Política da Unicamp Armando Boito Jr. assinala que no mundo da concorrência capitalista, cada burguês aspira a que todos os seus concorrentes sejam honestos e que a ele seja concedido a prerrogativa exclusiva de corromper. Isto explica a ação do EUA e de alguns integrantes do MP e do Judiciário, “compõem uma luta de fração do capitalismo, que pode ser tratado de uma luta fratricida, uma fração da burguesia pode lançar mão do combate à corrupção para combater a hegemonia de uma fração burguesa rival”.

Os dados econométricos apresentados acima podem ser aplicados para explicitar a relação dos EUA com a Operação Lava Jato a partir da descrição de Boito Jr. como sendo uma ação do “imperialismo e a fração da burguesia brasileira a ele integrada utilizam politicamente a denúncia de corrupção para destruir a hegemonia que a grande burguesia interna brasileira obteve com os governos do PT”.

O cientista político Boito Jr explica ainda que corrupção é uma noção ideológica integrante da ideologia do Estado de tipo capitalista: a ideologia que apresenta tal Estado como se fosse uma instituição pública quando ele é, de fato, uma instituição de classe. “Os recursos do Estado são utilizados fundamentalmente para manter o processo de acumulação de capital. O Estado capitalista deve a) manter a dominação política da burguesia e b) assegurar as condições econômicas necessárias para o processo de acumulação de capital”.

Por esta característica do Estado capitalista pode-se afirmar que a corrupção é um elemento da ideologia burguesa do Estado, a burguesia mantém uma relação contraditória ou ambivalente com a prática da corrupção, utiliza a bandeira da corrupção com o propósito de eliminar concorrentes e ampliar sua acumulação de capital.

O que precisa ser compreendido é que embora exista a separação formal e jurídica do recurso público e privado no Estado capitalista esta separação não existe de fato, porque a função primordial do Estado capitalista é garantir a dominação política da burguesia e assegurar as condições econômicas e sociais do processo de acumulação de capital. E é isto que sobredetermina todas as políticas desse Estado, inclusive a da luta contra a corrupção é a de subordinar os equipamentos coletivos estatais para atender os interesses da burguesia de acumulo de capital e dirimir a correlação de forças se eventualmente em determinada conjuntura estiver favorável a classe trabalhadora.

 

Política industrial

             O progresso econômico depende da criação de condições para impulsionar os princípios motores da indústria. O que precisa ser considerado é que o Brasil é ainda uma Economia em desenvolvimento, ainda não desenvolvida no sistema capitalista. A teoria do desenvolvimento econômico é tema central da Economia, numerosas gerações de economistas, preocuparam-se em analisar as forças determinantes do crescimento e se há um predomínio nas análises das Ciências Econômicas em países em desenvolvimento e principalmente na história econômica da China, por exemplo, é que o desenvolvimento depende da criação de condições e princípios motores da Economia industrial.

A teoria que analisa a Economia Industrial insere-se parcialmente no âmbito da microeconomia, uma vez que trata da atividade de unidades econômicas individuais, isto significa que se faz necessário políticas de Estado que proporcionem as condições necessárias ao desenvolvimento dos recursos produtivos industriais.

Em artigo recente o professor de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia e de Política Científica e Tecnológica da Unicamp Renato Dagnino lembra que o atual estágio do capitalismo é o da financeirização global que consiste antes numa mudança no modo de competição de frações do capital pela apropriação de mais-valia do que em uma alteração da relação de forças entre o capital financeiro e o chamado capital produtivo (indústria extrativa, manufatureira, agronegócio, etc.). Dagnino descreve que “o capital financeiro, embora não dependa somente da mais-valia acumulada no passado em atividades produtivas, e sim da criação de crédito possibilitada pela confiança na materialização das expectativas de lucro, é um capital fictício, que se acumula no âmbito financeiro de modo apenas aparentemente autônomo: ele não é capaz de gerar mais-valia”.

Mesmo com a economia em desenvolvimento é neste estágio do capitalismo o da financeirização que o ministro Paulo Guedes inscreve o Brasil e direciona o país no processo de desindustrialização “resultado do conjunto globalização, neoliberalismo, condição periférica” o que se tem mostrado como acima neste artigo como nocivo para o país, causa entre outras coisas centenas de milhares de desemprego. Em seu artigo Dagnino faz dois questionamentos pertinentes; “política de industrialização é coerente com o projeto político da esquerda contemporânea?”, “em particular é coerente com o pensamento de esquerda uma estratégia de produção de bens e serviços que mantenha o subsídio virtualmente exclusivo e excludente à empresa privada?”.

A resposta a estas duas perguntas é sim. A defesa de uma política de reindustrialização, a defesa de uma politica industrial é coerente com o pensamento de esquerda. Porque em uma perspectiva da construção de uma economia socialista as experiências exitosas demonstraram a assertividade da premissa de Karl Marx que em uma sociedade pré-capitalista ou de capitalismo tardio se faz necessário desenvolver as forças produtivas para a transição ao socialismo.

Dagnino defende o que denomina de tecnociência solidária que é um modelo em que a classe trabalhadora “produz um trabalho autogestionário, produz os bens e serviços coletivos para consumo final e produtivo nas redes de empreendimentos solidários, e para atender às compras públicas – daqueles bens e serviços necessários a satisfazer demandas materiais de todos os brasileiros – que ela poderá ganhar autonomia frente à acumulação de capital”, desta forma, segundo o autor, não apenas distribuindo riqueza, mas criando riqueza.

Para seguir o exemplo que o próprio Dagnino apresenta em relevo, e por isto também assumido aqui que é o da China, mas sem cair no argumento superficial e de mera citação – ou evocação – do Estado como ator responsável pelo desempenho econômico e expansão internacional chines porque deixa muitas questões em aberto, dado que não qualifica o tipo, a maneira, o padrão e a intensidade dessa participação de política estatal, tampouco as suas determinantes, apresento em síntese a análise do processo de desenvolvimento econômico do professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Diego Bonaldo Coelho para quem a China, de uma economia pouco expressiva nos anos 1990, se tornou já no fim da primeira década dos anos 2000, o segundo PIB do mundo, a principal origem internacional de produtos (exportações) e o segundo destino mundial de Investimento Direto Estrangeiro – IDE devido não a condução de suas políticas cambiais (depreciação da moeda) e/ou comerciais (financiamentos e incentivos para exportações e importações), mas sim como vetor direto a estratégia e as políticas que fundamentaram e causaram a estrutura industrial chinesa, principalmente de seus setores metal-mecânico, eletroeletrônico e químico, que, no entendimento defendido por Coelho, possibilitaram ao país registrar vigoroso desenvolvimento e inserção internacional competitiva com outros países.

Contudo importante considerar que tais estratégias não devem ser tomadas como prescrições ou modelos absolutos porque são resultantes das articulações dos atores em âmbito nacional e de complexos contextos político-econômicos internos e externos, são processos fortemente contextualizados. E ao se observar a experiência da História da Economia da China ilustrado pelo próprio Dagnino e inclusive a política econômica citada por ele a Nova Economia do Projetamento, que resulta de um processo iniciado há cinco décadas atrás de adaptação do planejamento socialista, de tipo centralizado e estatal, na direção de um planejamento compatível com o mercado, vale destacar que desde Mao Tsé Tung – isto é há 70 anos – a política de industrialização e inovação tecnológica fez parte do centro da política econômica socialista da China, estas diretrizes de governo estão inclusive no Livro Vermelho onde há textos escolhidos datados nos primeiros anos da República Popular da China.

É na indústria onde está o emprego mais qualificado, os melhores salários, onde está relacionada toda uma cadeia produtiva de fornecedores no que resulta em um desenvolvimento regional no entorno de cada indústria, a geração de emprego em setores capazes de produzir bens e serviços com alto valor agregado e, desta forma, gera um excedente econômico passível de ser canalizado para atividades não hegemonizadas pelo circuito financeiro – geração de emprego e salário, não renda, mas salário como ressalta o próprio  Dagnino.

Mas há um ceticismo ainda mais relevante por parte de Dagnino que tem também tomado a atenção da esquerda brasileira e de alguns dos seus principais dirigentes, que é sobre o fator de que na atual modalidade neoliberal, o capital diluiu ainda mais as barreiras nacionais e há o caráter crescentemente rentista de nossa classe industrial. A pergunta que Dagnino e que a esquerda brasileira também tem feito é sobre se “a possibilidade de explorar as contradições entre frações da classe burguesa e gerar um interesse de uma delas – a produtiva – em ´apostar´, com fez há 16 anos investindo e gerando empregos, numa reindustrialização admite uma resposta positiva?”

A dúvida de Dagnino reside em que haveria hoje escassa proabilidade de que volte a ocorrer o que se verificou no início do primeiro governo Lula, “quando a classe proprietária ´apostou´ na proposta de dinamização da economia que lhe foi apresentada e, mediante a conversão de parte de sua poupança em investimento produtivo, possibilitou a geração de emprego”, disposição que não teria agora porque teria aderido ao rentismo.

O que é possível responder, sem o rigor de uma pesquisa científica (o que é importante para aferir com precisão), mas do ponto de vista político e empírico é que há setores industriais – embora ainda sem ser de perto a proporção que aderiu ao programa de governo de Lula – em manifestos discretos e internos, demonstrando descontentamento com a política ultraliberal que está destruindo a indústria brasileira, o  evento mais expressivo  foi no centro industrial do Brasil, uma recente mobilização de industriários contrários ao apoio quase que incondicional que o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) Paulo Skaf tem concedido a política do governo Bolsonaro. Em Santa Catarina onde majoritariamente as grandes indústrias estão sob administração familiar e ainda tem comprometimento dirigente com o desenvolvimento da região há também uma inclinação de apoio e demanda por uma política industrial. Não estou propondo uma conciliação, estou sinalizando que há um descontentamento e uma disputa real dentro da classe proprietária que pode ser capitalizada e potencializada pela esquerda.

Como na China, aqui no Brasil a política industrial deve ser formada conjuntamente com um novo desenho institucional envolvendo os órgãos da área econômica que diferente da política do atual governo que têm orientado quase que exclusivamente para a maximização do lucro empresarial deve-se redirecionar o papel do Estado como indutor de inovação e regulamentar a tributação de forma que a receita e o lucro seja para orientar atividades inovativas e de aumento de produtividade, desta forma proporcionando para o conjunto da classe trabalhadora “mais emprego, melhores salários, bens e serviços de qualidade crescente e preço cadente, a maneira mais eficaz” de salvaguardar os seus interesses dos trabalhadores.

Como aponta o próprio Dagnino seria este o modo mais racional de defender esses interesses contra as implicações dos processos de financeirização, externos e internos associados. Uma reindustrialização somente se reeditaria com alteração da atual política econômica o que a rigor somente acontecerá com alternância do grupo político a frente do governo central, o que possibilitaria que o Estado brasileiro se apropriasse de uma parte maior da mais-valia gerada no país e no exterior para poder usá-la em favor dos que mais precisam e por conseguinte construindo um sistema de grandes conglomerados empresariais estatais e de um sistema financeiro estatal o que caracterizaria dominantemente o modo de produção socialista.

A política industrial é agenda da esquerda, como no início do movimento operário no século XIX no capitalismo nascente em que os trabalhadores se uniam a burguesia industrial contra a oligarquia dos senhores feudais para garantir o núcleo produtivo e se constituía a partir daí também a luta pelo socialismo, hoje a defesa do emprego e da indústria deve estar na pauta da esquerda contra o interesse dos rentistas.

Mesmo que a financeirização e o advento das novas tecnologias do processo produtivo reconfigurem a organização do trabalho e engendram a extinção de postos de emprego, isto é a “superestrutura – o neoliberalismo, a financeirização, – e outras ainda mais estruturantes associadas à infraestrutura econômico-produtiva – as tecnologias emergentes associadas à exploração capitalista da fronteira conhecimento tecnocientífico – impõem sérios limites à geração de emprego”  é ainda hoje a indústria que condiciona a dinâmica da economia do Estado nacional. Mesmo na China – no exemplo citado por Dagnino e exaltado como exitoso pelos economistas de esquerda – em que há uma infinidade de empreendimentos semi-capitalistas orientados ao mercado pelo Estado, e formas pré-capitalistas de produção que ocupam cerca de 400 milhões de camponeses,  que significa que quase 30% da população do país exercem a autoprodução e alcançam bem-estar (com uma taxa média de crescimento de mais de 9% ao ano há 40 anos) e se encontram sistematicamente integrados à sociedade chinesa, o que não é nada desprezível e é um modelo a ser considerado e incorporado como alternativa pelo Brasil, mas este modo de produção é combinada com a industrial. A produção autogestionada e semi-capitalista de produção por mais importante e significativa que seja é complementar, não está no centro da política econômica do socialismo de características chinesa.

Nesse sentido, a politica industrial deve estar na agenda da esquerda do Brasil. Conforme dispõe Bresser-Pereira o desenvolvimento econômico de um país é um processo histórico que passa pela industrialização, pela cumulação de capital e aumento de produtividade, levando o crescimento sustentado da renda por habitante e da melhoria dos padrões de vida da população, sua realização passa pela formulação de uma estratégia nacional por meio de pautas e diretrizes para empresários, trabalhadores, classes médias e a própria burocracia do Estado, tendo como critério fundamental defender o trabalho, o conhecimento e o capital nacional, seja protegendo-os da competição internacional, seja definindo políticas para torná-los capazes de competir.

Conforme foi demonstrado aqui neste artigo a receita neoliberal do governo Temer e aprofundada com o receituário ultraliberal do governo Bolsonaro para a saída da crise não está dando certo e não dará porque colocou o Brasil em trajetória econômica em queda. O economista Marcio Pochmman demonstra que “enquanto nos anos de 2010/2014, por exemplo, a economia brasileira – sem a existência da operação Lava Jato – cresceu 3,2% como média anual, na segunda metade da década de 2010 – com a presença da operação Lava Jato – o país regrediu, em média, de 1% ao ano. Com isso, o desempenho do PIB foi de apenas 1,1% como média anual no último decênio”.

Não se aponta aqui que todos os que integram ou integraram a Lava Jato estavam premeditadamente articulados com objetivos políticos e econômicos é provável que muitos membros do MP, da PF e da Justiça agiram de acordo com a real prerrogativa de suas funções, mas o fato concreto que se reporta aqui é que a consequência econômica da Operação Lava Jato dizima cadeias produtivas industrias.

O que não é compreensível é como que dirigentes industriais e as associações empresariais e industriais dos mais expressivos pólos econômicos do Brasil ainda endossam a atual política econômica, a indústria do Brasil precisa ser defendida e isto será possível somente com uma verdadeira política industrial e projeto de desenvolvimento de Nação que virá com um novo governo democrático e popular.

(* )Jornalista, militante da tendência petista Articulação de Esquerda e dirigente do PT de Joinville/SC

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