A crise econômica e social e a ampliação do núcleo militar no governo Bolsonaro

Por Marcos Jakoby (*)

As últimas nomeações para a Casa Civil e a Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Bolsonaro colocaram em pauta a questão da “militarização” do governo. As explicações para compreender as motivações desse fato foram as mais diversas.

A meu ver, ela tem relação direta com a crise econômica e social e o que decorre disso: o acirramento do conflito interno na coalizão golpista e a possibilidade de ascenso da luta popular.

Mas, para alguns, a explicação residiria numa hipótese de “bastidores”: a indicação dos novos militares para o governo teria sido uma imposição dos próprios militares ao governo, por meio de uma chantagem. O general Braga Neto, novo ministro da Casa Civil, foi o comandante da intervenção militar no Rio de Janeiro. Ficaram sob seu comando a Polícia Civil e a Militar. E, nessa condição, ele foi o comandante dessas forças quando ocorreu o assassinato de Marielle, assim como as investigações posteriores. O indício que comprovaria essa relação seria o fato de que a morte do miliciano Adriano da Nóbrega seria concomitante com a indicação do general para a Casa Civil.

Outra linha de explicação sustenta que as Forças Armadas seriam uma espécie de reserva técnica do governo. Diante da incompetência e confusão na gestão, Bolsonaro estaria cada vez mais dependente de quadros militares, os quais seriam mais capazes para fazer o governo andar. Destacam que os militares têm insistido com ele de que as pastas que mais apresentam resultado são aquelas comandadas por eles, e que diante de tantas lambanças dos ministros da “ala olavista” ele teria cedido.

Essas análises podem estar corretas, integralmente ou parcialmente, mas creio que se trata de uma questão mais estratégica. O ano de 2019 terminou com indicadores que apontavam supostamente uma pequena melhora na economia, com crescimento econômico e diminuição do desemprego. Criou-se por parte do grande capital e do oligopólio da mídia um ambiente artificial de otimismo. Passados quase dois meses de 2020, esse otimismo vai se dissipando frente a realidade que vai se impondo.

A indústria fechou 2019 com queda de 1,1% na produção, pior que o esperado.  O IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central), considerado uma “prévia” informal do PIB (Produto Interno Bruto), fechou o ano de 2019 com alta de 0,89. Os “especialistas” do mercado projetavam um crescimento significativamente maior. O setor varejista registrou queda nos dois últimos meses de 2019. Alguns analistas alertam ainda que pequeno crescimento foi impulsionado, em parte, pela liberação de impulso gerado pela liberação dos recursos do FGTS, e que este efeito já estaria deixando de existir. O desemprego, embora os números oficiais apontam para uma pequena redução, na verdade são ocultados pela informalidade, a qual somada aos desempregados atingem a metade da força de trabalho em nosso país e em muitos estados formam a maioria.

Quatro anos de ultraliberalismo também começam a demonstrar os efeitos nefastos sobre os serviços públicos.  As enchentes em São Paulo, depois dos contingenciamentos de recursos na área de prevenção, levaram a uma situação dramática para a capital paulista. Os cariocas enfrentam uma situação em que não há nem abastecimento regular e com mínima qualidade do bem mais indispensável à sobrevivência que é água.  No INSS, uma fila de mais de 2 milhões de pedidos pendentes, a maioria esperando há mais de 45 dias.  No programa Bolsa Família, são mais 3,5 milhões de pessoas. Por outro lado, avoluma-se a insatisfação com os preços dos combustíveis.

Todo esse cenário tem gerado tensão e conflitos no interior do bloco golpista.  O capital financeiro e o oligopólio da mídia têm exigido e pressionado o governo para que agilize a agenda de reformas, pois, do contrário, o crescimento em curso não passaria senão de um voo de galinha. Reconhecem publicamente que as reformas já realizadas, como a trabalhista, a previdenciária, o teto do gasto público, o congelamento do salário mínimo, entre outras, serão insuficientes. A saída apontada? Mais reformas neoliberais.

Entre elas, a reforma tributária e administrativa, mas especialmente a última. Com vistas a reduzir o funcionalismo público, arrochar salários, acabar com a estabilidade do serviço público e criar dificuldades para organização dos trabalhadores desse setor. É neste contexto de pressão que o ministro da Economia fez a declaração chamando o funcionalismo público de parasita.  O oligopólio da mídia o criticou, não pelo seu conteúdo, mas porque a “diarreia verbal” do ministro cria obstáculos ao andamento da sua agenda.

Outro episódio que demonstra esse conflito crescente está ligado ao preço dos combustíveis. Bolsonaro, pressionado pela crescente insatisfação, inclusive de sua base social, tenta jogar a responsabilidade no colo dos governadores. Uma reação em cadeia dos governadores, muitos do campo golpista, reagem e demonstram insatisfação à manobra de Bolsonaro.

As mudanças no Orçamento Impositivo também têm gerado tensão entre o governo e a direita no Congresso Nacional, pois ampliam substancialmente o controle do Congresso sobre os recursos públicos federais livres, reduzindo a margem do governo para fazer os investimentos da forma que desejar.  Recursos que são escassos dada a crise econômica e a política fiscal  implementada pelo bloco golpista desde 2016.

Por outro lado, na classe trabalhadora, a insatisfação com a piora nas condições de vida, seja do ponto de vista do emprego e da renda, seja do ponto de vista das politicas sociais, dos serviços públicos e dos direitos, tende a crescer e se materializar em diferentes tipos de ações e fenômenos. Estamos no início do ano e já temos a maior greve dos petroleiros desde 1995, em muitos estados há greves de professores, como há pouco acontecida no RS, uma das maiores greves, talvez há décadas, da categoria daquele estado. Servidores e educadores de MG também estão em greve. Os educadores de Sergipe também construíram uma greve no final do último ano. Em Pernambuco, técnicos e auxiliares de enfermagem igualmente estão em greve. Há movimentação e paralisação de caminhoneiros autônomos e ainda há indicativo de greve dos trabalhadores dos Correios para o início de março.

Ademais, há uma jornada de lutas, greves e mobilização sendo construída para o dia 18 (Dia Nacional de Luta em Defesa do Serviço Público, Estatais, Emprego e Salário), além do tradicional 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Portanto, seja do prisma das condições objetivas, seja das condições subjetivas, acumulam-se sinais de que nos próximos meses poderemos presenciar uma retomada da mobilização popular em maior escala.

Num cenário em que as ruas sejam tomadas pela luta popular não há dúvidas de qual será a reação do governo Bolsonaro e do conjunto da classe dominante: repressão e violência. A rebelião popular no Chile já foi tratada pelo próprio clã Bolsonaro e por Guedes, que nas oportunidades em que se manifestaram a respeito disseram em alto e bom som que se algo semelhante viesse acontecer no Brasil a resposta deveria ser a da força. Mais do que isso: fizeram menção a um novo “AI-5”.

Volto ao ponto inicial. A ampliação do núcleo militar deve ser vista neste contexto.  Especialmente a nomeação de Braga Neto, pois trata-se de general da ativa, de quatro estrelas (como os presidentes da última ditadura) e além disso chefe do Estado Maior do Exército. A extrema-direita e o governo Bolsonaro preparam-se para um período de acirramento de conflitos, seja no interior do bloco golpista, seja com a classe trabalhadora e os setores populares.

Eles vêm dando sinais também de que sua disposição de governar dentro do que restou do regime de 1988 está cada vez menor. Por outro lado, a direita “tradicional” e seus aliados dão sinais de que não vão entregar todo o controle do processo político, querem incidir e disputar os seus rumos, e tem cada vez mais dúvidas se o governo Bolsonaro terá capacidade de levar adiante a agenda da classe dominante. Mas não nos enganemos, a base programática e os objetivos estratégicos são os mesmos: o programa ultraliberal, a subordinação e alinhamento aos EUA e a interdição da esquerda.

Com lastro nessa base comum, a princípio, não há interesse em rompimento no interior da coalização golpista: o que há é, de uma lado, o tensionamento pela continuidades das “reformas” e a disputa por protagonismo, dadas as “dificuldades” do governo; de outro, uma demonstração de força de quem está à frente do comando do Estado e se prepara para “tempos duros”.  Por isso, reiteradamente vemos avanços e recuos de ambas as partes.

No entanto, o possível agravamento da crise econômica e social tende a elevar as tensões políticas. Ao campo popular cabe construir as lutas e a organização, com independência, e se preparar para tempos ainda mais difíceis, mas também para possíveis janelas que a conjuntura política pode nos abrir.

(*) Marcos Jakoby é professor e militante petista

 

 

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